domingo, 19 de dezembro de 2010

David Harvey: “As crises distribuem a riqueza no sentido ascendente”

Autor de “Uma Breve História do Neoliberalismo”, David Harvey, classificou a bancarrota de Nova Yorque como o laboratório da revolução neoliberal de Reagan e Thatcher. 

Entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia.

 ARTIGO | 18 DEZEMBRO, 2010 - 17:26

David Harvey é um geógrafo marxista britânico, formado na Universidade de Cambridge. É professor da City University of New York e trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana. Foto Wikimedia Commons

Esta crise será semelhante?
As crises deslocam-se geograficamente, ou seja, o capital jamais resolve os seus problemas: apenas muda de lugar. Assim, creio que nesta crise estamos a viver o mesmo tipo de reestruturação em grande escala que se iniciou em Nova Iorque nos anos 70.

Nova Iorque marcou uma tendência?
Foi um caso icónico. Anos depois, na crise da dívida do México ocorreu uma versão do que se passou em Nova Iorque devido aos ajustes impostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Agora vemos o mesmo na Europa. A ideia parece ser: “Salvai os banqueiros; dêem forte nos cidadãos!”. Em Nova Iorque a banca apoderou-se da cidade para forçar os cortes que permitiriam pagar aos credores. Foi uma espécie de golpe de Estado em que se redistribuiu a riqueza no sentido ascendente. Já vimos isto na Irlanda.

Acredita que vão tirar partido desta crise na Europa como fizeram com aquela?
Já estamos a assistir a isso. Países na zona euro estão ainda piores que nos EUA. A Califórnia, por exemplo, tem um défice maior que o da Espanha. Teve uma bolha imobiliária na habitação bastante parecida. Mas a Califórnia é parte de um sistema federal, portanto, pelo menos benefícia de transferências a partir de Washington. Ninguém fala de um quebra na Califórnia. A zona euro terá de federalizar-se.

Por que é que se repetem as bolhas e as crises?
Porque o capital tem de encontrar saídas para o excedente que gera. Vimos isto com a sub-urbanização das cidades norte-americanas depois da II Guerra Mundial, que canalizou o excedente para a construção das enormes áreas metropolitanas de Nova Iorque, Chicago ou Los Angeles, apoiadas por uma rede de estradas e transformações em infra-estruturas financiadas através do endividamento. Em 1973, a bolha imobiliária mundial rebentou e a crise fiscal de Nova Iorque foi o centro do furacão. Acabou de acontecer algo parecido com o frenesim da construção que vimos em quase todas a cidades do mundo durante os anos da bolha. Agora, só falta a China e a Ásia. Mas a crise desloca-se. Cresce a inflação. A China está no fio da navalha.

Em 1975, em Nova Iorque, houve alguma alternativa à austeridade? 
A cidade teve de atender às necessidades dos banqueiros de investimento reduzindo o nível de vida dos cidadãos. É o que acontece quando [Angela] Merkel dá o sinal de que os detentores de títulos deverão assumir as perdas em caso de insolvência. Provoca o pânico, e o ajuste endurece-se.

E se optarmos por pagar aos credores? 
Em 1830, os Estados americanos suspendiam os pagamentos de forma constante da dívida britânica. A Argentina fê-lo em 2001. Saiu-se bastante bem.


Artigo traduzido por Sofia Gomes.
Extraído do Esquerda.net
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu

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