domingo, 19 de dezembro de 2010

Al-Qaeda preparada para guerra sem fim

15/12/2010, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

ISLAMABAD. Richard Holbrooke, enviado especial dos EUA ao Afeganistão e Paquistão, falecido na 2ª-feira passada aos 69 anos, já concluíra que a guerra de nove anos no Afeganistão tinha de acabar. 

Mas por fim àquela guerra não será fácil. A situação objetiva, em campo, não é simples. 

Por exemplo, a OTAN proclama vitória sobre os Talibã nas províncias de Kandahar e Helmand, mas o fato é que já há novos grupos ligados à al-Qaeda que floresceram no vácuo e continuarão a luta. 

Assim também, o Paquistão proclama vitória nas suas áreas tribais, mas também lá já emergiu um grupo mais agressivo e ideologicamente motivado, que trabalha para converter-se em patrão da guerra. 

Wali Mohammad, irmão do comandante Talibã assassinado Nek Mohammad (ver “The legacy of Nek Mohammed” [O legado de Nek Mohammed] Asia Times Online, Julho/2004, já assumiu o comando de militantes no Waziristão Sul. 

Semana passada, o comandante geral do exército paquistanês general Ashfaq Parvez Kiani, acompanhado de outros altos comandantes e jornalistas, viajou ao Waziristão Sul para uma apresentação-show de sua “vitória” militar contra os militantes. Foram recebidos com quatro mísseis. Não houve feridos no ataque, mas a mensagem ecoou alta e clara – os militantes estão de volta. 

Antes da operação do ano passado no Waziristão Sul, o exército firmara um acordo de paz com a tribo wazir e isolara a tribo mehsud liderada por Hakeemullah Mehsud, chefe do Tehrik-e-Taliban Pakistan (TTP – Talibã Paquistanês). Isolados, os mehsuds foram forçados a fugir para o Waziristão Norte. Os militares então assumiram o controle das áreas dos mehsud, como Ladha e Makeen. 

Contudo, em reviravolta que ilustra bem a mudança no plano ideológico nas áreas tribais, Wali Mohammad, wazir do Waziristão Sul, que se supõe que seja rival dos mehsuds, assumiu o comando das hostilidades contra o exército – movimento que surpreendeu inúmeros observadores. 

Wali Mohammad é hoje comandante do Talibã paquistanês no Waziristão Sul, encarregado da divisão de homens-bomba. 

Revisão da Estratégia para o Afeganistão 

O presidente Obama dos EUA anunciará na próxima semana uma revisão da estratégia para o Afeganistão. “Estamos em melhor posição agora, do que estávamos no ano passado”, disse Obama mês passado em reunião da OTAN. A secretária de Estado Hillary Clinton, no entretempo, disse que “segundo todos os critérios”, houve avanços. 

Em visita ao Afeganistão semana passada, o secretário de Defesa dos EUA Robert Gates disse a jornalistas que estava “convencido de que nossa estratégia está dando certo e alcançaremos os principais objetivos fixados pelo presidente Obama”. 

A revisão foi compilada pelo Conselho de Segurança Nacional, depois do pontapé inicial de Holbrooke, com colaboração do general David Petraeus, comandante dos EUA no Afeganistão, e de outros funcionários. Espera-se que Obama reafirme a promessa de iniciar a retirada de tropas norte-americanas de combate no próximo mês de julho, processo previsto para estar concluído no final de 2014. 

Segundo vários funcionários do governo, que pediram para não serem identificados, os aspectos mais positivos da revisão são baseados em relatórios militares de Petraeus, que relata operações bem sucedidas de limpeza nos e em volta dos bastiões dos Talibãs em Kandahar, segunda maior cidade afegã, e na província de Helmand, no sudoeste. Petraeus também relata a eliminação, por assassinato ou prisão, de centenas de comandantes Talibãs e líderes políticos locais em raids executados pelas forças de operações especiais dos EUA. 

Nesses relatórios-avaliações, contudo, não se considera um desenvolvimento extremamente importante. 

Esse mês fracassou um ataque suicida contra Nawab Aslam Raisani, ministro-chefe da província do Baloquistão, no sudoeste. Foi reivindicado pelo grupo LJ – Laskhar-e-Jhangvi al-Alami (Internacional) – organização antixiita sectária , que se divide em vários subgrupos. A ala internacional é fortemente ligada à al-Qaeda. 

O sudoeste do Paquistão e o sudoeste do Afeganistão são o lar do clã Kandahari, na maioria leal ao líder Talibã Mulá Omar. Apesar da forte presença dos Talibãs em Helmand e Kandahar no Afeganistão e nas regiões paquistanesas de Chaman e Quetta, a al-Qaeda jamais antes teve presença significativa entre os pashtuns locais. A organização encontrou abrigo no sudeste do Afeganistão ou nas áreas tribais do noroeste do Paquistão. 

O Baloquistão jamais teve história de violência sectária até depois de 2003, violência que foi atribuída a alguns poucos baloques étnicos membros do grupo LJ. Os Talibãs mantiveram-se distantes dos LJ. Ao longo dos últimos vários anos, as regiões do sudoeste do Paquistão e do sudoeste do Afeganistão foram consideradas território dos Talibãs. 

Porém, número crescente de ataques de militantes no Baloquistão, contra comboios de suprimentos da OTAN destinados ao Afeganistão, levam a marca registrada da al-Qaeda. A maioria desses ataques aconteceu nas áreas étnicas dos baloques, nas quais as forças de segurança do Paquistão acreditam que guerrilheiros baloques anti-Paquistão e membros do grupo LJ estejam operando em conjunto. 

O grupo LJ, violento e ultrarradical já coopera com o grupo Jundallah iraniano no Baloquistão iraniano e suspeita-se que ampliarão suas operações para Kandahar e Helmand, para assumir as lutas dos Talibãs. 

O ex-presidente do Paquistão Pervez Musharraf publicou artigo no domingo, no qual lembra que aconselhou a comunidade internacional a aceitar um governo Talibã, mas foi ignorado. Em artigo no Wall Street Journal dia 1/12/2009, disse que “se o mundo seguisse meu conselho, as circunstâncias teriam sido bem diferentes”. [1]

Os EUA tampouco seguiram essa via em 2001, quando optaram por aproximar-se dos Talibãs e isolar a al-Qaeda. Em 2010, Holbrooke chegou à mesma conclusão que Musharraf, a mesma à qual também chegaram vários outros políticos com força para decidir, em Washington. Mas já é tarde demais. A guerra contra a al-Qaeda pelas cavernas das áreas tribais do Paquistão tomou tal rumo, que cada vez que um grupo de guerrilheiros é pacificado, imediatamente brota um novo grupo, para ocupar seu lugar. A guerra já é interminável.





Nota de tradução
[1]Disse também que “por falta de visão [orig. shortsightedly] do Ocidente, o Paquistão e o Afeganistão foram deixados abandonados à própria sorte em 1989, apesar de Paquistão e Afeganistão terem derrotado a União Soviética, em guerra na qual lutaram por todo o Mundo Livre. Esse abandono levou o povo da região a sentir-se traído pelo Ocidente. Em nome da paz regional e mundial, não cometamos o mesmo erro pela segunda vez” (1/12/2009, Wall Street Journal em: The Afghan-Pakistan Solution)

Um comentário:

  1. Não é ABSOLUTAMENTE impressionante que qualquer um (a Vila Vudu não é exemplo único) tenha acesso fácil, gratuito e abundante à informação de MUUUUITO melhor qualidade que o Merval Pereira e TOOOODOS os “colunistas” de jornais brasileiros; que zilhões de “especialistas” diplomatas-empregados da FIESP; que zilhões de professores de Relações Internacionais, que TOOOODOS os comentaristas entrevistados TOOOODOS os dias pelo William Waack no canal GloboNews, e que o Sergio Fausto, diretor de “Relações Internacionais” do Instituto Fernando Henrique Cardoso [só rindo]?!

    O jornalismo de WikiLeaks é, hoje, o melhor jornalismo DO MUNDO! É aprender e sair fazendo (ou sair fazendo, pra aprender!)

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