segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Irã, WikiLeaks e os “Documentos do Pentágono”

21/12/2010, Kaveh L Afrasiabi, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 

Os documentos vazados por WikiLeaks e suas ramificações globais, sobretudo no que tenham a ver com o tema sensível do impasse em torno do Irã nuclear, sugerem comparação, pelo menos em alguns aspectos, com o primeiro escândalo de vazamentos da era moderna – a publicação, no New York Times, de quantidade massiva de documentos dos EUA com análises da Guerra do Vietnã em 1971, também conhecidos como “Documentos do Pentágono” [ing. Pentagon Papers].

Enquanto Teerã e os países do grupo conhecido como “Irã-6” trabalham em Istambul para dar andamento a conversações iniciadas em Genebra em dezembro, notícias sobre nova rodada de sanções de dois tipos – unilaterais e multilaterais – em preparação nos EUA, atingem o Irã como mais um sinal da “má fé” dos norte-americanos. É como um freio no surto de otimismo no Irã pós-Genebra, que levou Saeed Jalili, negociador do Irã, a declarar que Istambul poderia assistir a uma importante alteração de cenário.

São esperanças que se podem revelar infundadas, à luz dos sinais preocupantes de que a política dos EUA para o Irã continua sem rumo, e, pior, ante a onda de vozes de fundamentalistas neoconservadores e agentes pró-Israel, que buscam desconstruir e distorcer qualquer acordo em que se possa pensar entre a Casa Branca e Teerã. Os jornais e jornalistas pró-Israel e anti-Irã estão operando a pleno vapor no Ocidente, com uma avalanche de comentários que clamam por mais violência dos EUA contra o Irã e o fim da abordagem “de vinculação” [orig. “linkage approach”] que o presidente Obama deu sinais de preferir para o processo de paz no Oriente Médio e como saída do impasse do Irã nuclear.

Graças em parte a bem orquestrada campanha baseada em leitura altamente seletiva dos documentos de WikiLeaks, que ignorou consistentemente o quanto os líderes árabes aprovavam e insistiram na abordagem “de vinculação”, a opinião pública ocidental está sendo induzida à falsa ideia de que haveria algum consenso no Oriente Médio a favor de dar-se prioridade à ameaça de um Irã nuclear, relegando-se a segundo plano o problema Israel-Palestina. Apesar de essa ideia ser falsa – como já várias vezes demonstraram especialistas como Jim Lobe, Gareth Porter e outros – o moinho da propaganda anti-Irã continua a produzir quantidades imensas de desinformação, para que os EUA sejam empurrados para o mais longe possível de qualquer acordo com o Irã e de qualquer chance de encontrar-se um fim para a crise nuclear.

O vício mortal da parte “porrete” da abordagem linha-dura
Por trás do impulso dos EUA na direção de mais e mais sanções contra o Irã está o sempre repetido argumento de que “negociações sem pressão constante não alcançarão nossos objetivos”, parafraseando William Bundy, político norte-americano, cujo nome é citado nos “Documentos do Pentágono”. De fato, os EUA parecem absolutamente incapazes de aprender com os próprios erros. Fato é que a tática de impor pressões sempre crescentes ao Vietnã do Norte, e a estratégia dos EUA, de “pressionar, para depois barganhar” e arrancar concessões de Hanói, nunca deu certo daquela vez; tudo leva a crer que tampouco dará certo contra o Irã.

Nos dois conjuntos de documentos – nos “Documentos do Pentágono” e nos documentos publicados por WikiLeaks sobre o Irã – está presente praticamente a mesma “teoria do dominó”, ou teoria muito semelhante àquela; no Vietnã, foi o medo de que o comunismo se espalhasse pela Indochina; no caso do Irã, sequer as metáforas mudaram essencialmente: fala-se do Irã como “um câncer que cresce” com “tentáculos de polvo”. São expressões que se usam para demonstrar que os poderes ‘protetores’ dos EUA são indispensáveis em todo o Oriente Médio. O almirante Mike Mullen, comandante do Estado-maior do Exército dos EUA, disse que os EUA estão “absolutamente prontos” para conter o Irã.

Todo esse agitar de sabres e táticas de pressão coincidem com a nomeação do novo ministro de Relações Estrangeiras do Irã, Ali Akbar Salehi, tecnocrata formado nos EUA. Em seu primeiro discurso no cargo, introduziu uma nota conciliatória, destacando a importância dos passos para “construir confiança”. É posição que levanta graves questões sobre os motivos dos EUA e a alegação de que estariam buscando alguma solução, não o aprofundamento da crise nuclear iraniana.

Momento paralelo revelado nos “Documentos do Pentágono” foi a catastrófica decisão, pelos EUA, em 1954 de boicotar [orig.to scuttle] as conversações de paz de Genebra que poderiam ter posto fim no conflito no Vietnã. Os “Documentos” comprovaram com abundância de evidências o “papel direto” dos EUA na pressão sobre os europeus, sobretudo sobre a França, contra “aquiescer” ao Vietnã do Norte, que levou à suspensão das conversações a qual, por sua vez, pavimentou o caminho para a total americanização da guerra, graças em parte a iniciativas belicosas extremamente agressivas do Congresso dos EUA.

De modo semelhante, hoje, à luz da pressão sobre a Casa Branca feita por vários deputados e senadores que exigem que os EUA tracem “uma linha vermelha” que imponha fim absoluto às atividades iranianas para enriquecer urânio e que os EUA não admitam nenhum tipo de acordo de troca de combustível nuclear, até que o Irã aceite implementar completamente as resoluções da ONU que visam à suspensão daquelas atividades, vê-se que, outra vez, a pressão para que os EUA evitem qualquer tipo de conversações significativas brota de várias fontes, inclusive do Legislativo. Seria de desejar que pelo menos o Legislativo soubesse melhor das suas responsabilidades na direção de salvar os EUA de outra “guerra simulacro”, que só serve aos interesses do Estado de Israel.

Segundo o jornal Le Monde, em matéria sobre os telegramas diplomáticos recentemente publicados por WikiLeaks, os israelenses apresentaram estimativas erradas sobre as armas de destruição em massa que haveria no Iraque, antes da invasão de 2003. Não seria surpresa se Telavive fizesse o mesmo, outra vez, em relação ao Irã.

Os “Documentos do Pentágono” demonizavam os franceses. Hoje, os alvos preferenciais são a União Europeia e a secretária de política exterior, Catherine Ashton. Foi denunciada em Washington por ousar assumir “papel central” nas conversações de Genebra [que reuniu o grupo “Irã-6”, no início de dezembro], e um irado ministro da Defesa de Israel Ehud Barack, que visitou Washington na semana passada, reclamou de os EUA apoiarem a União Europeia nas conversações do grupo Irã-6, mês passado.

O que todos os líderes israelenses e o poderoso lobby que defende os mesmos interesses em Washington, insistem em ignorar é que não se prevê que o Irã venha a aceitar exigências maximalistas de completa suspensão do seu programa nuclear (caro e de alto prestígio entre a população iraniana), por mais numerosos que sejam os porretes que se ergam contra ele. Não seria mais aconselhável que Washington modelasse suas políticas sobre expectativas mais realistas? Aparentemente, não.

Do ponto de vista do Irã, os documentos publicados por WikiLeaks lançam luz que não faz aumentar a credibilidade da política de “engajamento” do governo Obama, mostrando um governo que duplica a abordagem anterior “de duas vias”, disfarçando-a sob uma máscara de mudança política, ao mesmo tempo em que obra para fazer aumentar as tensões com o Irã.

“Não nos parece que os planos atualmente revelados ofereçam qualquer perspectiva de vitória clara”, lia-se nos “Documentos do Pentágono”, reproduzindo fala de George Ball, conselheiro do governo dos EUA. Pode-se dizer o mesmo, hoje, aplicado ao atual curso de ação dos EUA em relação ao Irã, todo centrado, como é, na questão da contraproliferação nuclear.

De fato, tudo que os EUA e seus aliados estão fazendo – das sanções debilitantes, à proibição de venda de armas convencionais ao Irã; de vender armamento sofisticado a países vizinhos do Irã, ameaçando o Irã com ataque militar (inclusive com ataque nuclear, se necessário) – parece condenado a gerar o efeito contrário, fazendo aumentar as preocupações com a segurança nacional no Irã e, assim, reativando a rejeição que o país sempre manifestou muito claramente contra armas nucleares. Teríamos caso exemplar de profecia que “faz acontecer” o que profetiza.

Ao mesmo tempo, tudo isso significa levantar a bandeira vermelha para os iranianos que ainda alimentavam algum otimismo quanto à possibilidade de acordo com os EUA e alados em conversações futuras. Esse otimismo começa a ser visto como ingenuidade e grave erro de avaliação das reais intenções dos EUA em relação ao Irã – se se considera a evidência de que os EUA estão colhendo enormes lucros, tanto no campo econômico quanto no campo geoestratégico, que aumentam na medida em que se mantenha o impasse na questão nuclear iraniana. Qualquer inconsistência entre as atuais esperanças de melhor diálogo com os EUA e resultados futuros muito facilmente enfraquecerá campo dos iranianos moderados mais otimistas,

Isso não implica reforçar os argumentos dos iranianos absolutamente descrentes de qualquer acordo com EUA, que lembram sempre o terrível atentado, em que suicidas-bomba explodiram uma mesquita em Chah Bahar, matando dúzias de fiéis, apenas poucos dias depois da nomeação de ministro moderado para as Relações Exteriores, o que levou o Aiatolá Khamenei a denunciar, num de seus manifestos mais fortes do últimos tempos, que o Ocidente é cúmplice das ondas de terrorismo que o Irã enfrenta.

O problema do campo radical é que tende a super simplificar as complexidades das políticas dos EUA e dos processos que levam a elas, e a não ver as tensões que dividem EUA e Israel, tanto na questão do Irã quanto no “processo de paz”. Por tudo isso, é preciso insistir numa abordagem de meio termo, moderada, em Teerã, baseada numa equilibrada combinação de otimismo e desconfiança. Hoje, o Irã está em posição bastante mais forte para as conversações de Istambul, com a Rússia apoiando “uma abordagem construtiva” e a Turquia apoiando o acordo de troca de combustível nuclear, e com a Europa já bastante mais consciente do trabalho de induzir à guerra no qual EUA e Israel ainda insistem.

“Assistimos hoje à total inversão da posição dos EUA, em relação à troca de combustível acertada em outubro de 2009”, diz um cientista político da Universidade de Teerã, que pediu para não ser identificado. “O governo Obama já abandonou o campo do razoável, nas considerações sobre o Irã. O Irã já conquistou o direito de responder na mesma moeda. O Irã pode reagir a novas sanções, fazendo cortes, também, em sua disposição de cooperar com a Agência Internacional de Energia Atômica (órgão da ONU, de inspeção de instalações nucleares)”.

Em outras palavras, há hoje possibilidade real de reviravolta de fato, para pior, no impasse nuclear, em futuro próximo; a possibilidade de obter-se algum acordo que interesse também ao Irã é cada dia menor, a menos que a Casa Branca, de algum modo, consiga desvencilhar-se das influências venenosas às quais continua submetida e que levaram às práticas desastrosas da política exterior atualmente em andamento, contra o Irã.

Esse desenvolvimento positivo tão pouco provável é condição sine quo non para que os EUA encontrem meio construtivo para responder ao discurso de Salehi, que prega ações que visam a construir confiança e possam de fato evoluir na direção da detente EUA-Irã.

Infelizmente, como o discurso belicista do almirante (“absolutamente pronto”) Mullen, feito poucas horas depois do discurso conciliatório e de clara moderação do novo ministro Salehi, deixa suficientemente claro, os EUA nada sabem da complexa arte de gerenciar conflitos. Sempre interessados, só, em manter o velho vício, de poder cada vez mais “hard” e cada vez menos “soft”, digam o que disserem, e, aliás, sem qualquer diferença desde a publicação dos “Documentos do Pentágono”. Sempre a mesma “síndrome de superpotência”.

Um comentário:

  1. Nem há duvidas do belicismo que retumba dos sionistas como dos cidadãos judeus-americanos, 2% da população, mas 20% do eleitorado, do enorme poder econômico como representantes das classes industriais, comerciais, de comunicação e de lazer,com participação na política de direita e grande maleabilidade lobbista. São êles que estão apagando o brilho de Obama e dos democratas e com certeza vão restringir seu mandato a 4 anos.
    Não vão conseguir que americanos vão à guerra contra o Irã, para não desmoralizá-los, num insucesso, mas o terão como provedores.
    Êsse entrevero, "start" da terceira guerra mundial, deixará exposto o veneno que têm os israelos a seus fidedigmos protetores e criadores; querem vencer e destruir Teerã, encampar Canaã e partir para a segunda promissão a Abrahão, o domínio de Nilo ao Eufrates, e consolidar geogràficamente sua condição de império e de grande guerreiro, pronto a preencher o vácuo do decadente irmão do Norte.
    Não pode é construir futurismo sem saber de que alianças Teerã possa ter. Experimente-se, Rússia, Síria, Líbano, Turquia e embaixo os apôios de palestinos, Hamas e Hezbollahs. E se a China, por razões insabidas aderir? Irá ser o apocalipse. No mêio Formosa retorna à orígem, Japão retoma a Mandchúria, Coréias se enfrentam.
    Uns riem amarelo e outros em iídiche. Quem viver, verá.

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