BRASIL SOBRE IRÃ: UMA VOZ SUAVE [SOFT] NO CORO [1] (tradução correta)
Comentado e traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Reference ID | Created | Released | Classification | Origin |
[cabeçalho, aqui omitido]
TRECHO DIVULGADO DO TELEGRAMA
1. (C) RESUMO. O subsecretário para Assuntos Políticos do ministério de Relações Exteriores do Brasil Roberto Jaguaribe, que voltou recentemente de missão diplomática a Teerã, disse ao Chargé D'Affaires dia 16 de setembro que mais diálogo, em vez de sanções, será o meio mais efetivo para pressionar o Irã a desenvolver um programa nuclear responsável. Jaguaribe destacou que o programa nuclear iraniano conta com amplo apoio interno e, em resumo, não será suspenso, motivo pelo qual o objetivo deve ser levar os iranianos a obedecer a orientação internacional para as questões nucleares. Disse que altos funcionários iranianos distinguem entre as diretivas da IAEA, que estão tentando obedecer, e as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que consideram injustas e, em alguns casos, ilegítimas. Jaguaribe contou que disse aos iranianos que ainda não estão cumprindo as responsabilidades que lhe cabem cumprir em relação à IAEA, mas que crê que estejam fazendo progressos. O subsecretário não descarta a possibilidade de o Brasil fazer referência ao Irã na Assembleia Geral da ONU, mas disse que tais referências serão “equilibradas”, sobre o Irã ainda não ter cumprido todas as suas obrigações e sobre o Brasil não acreditar em sanções como instrumento de motivação. FIM DO RESUMO.
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De volta de Teerã
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2. (C) De volta de sua visita nos dias 9-10 de setembro a Teerã, o subsecretário Jaguaribe tomou muito cuidado, em seu encontro com o CDA, para apresentar não só a perspectiva brasileira, mas também a perspectiva dos iranianos, nos pontos tratados [nos itens A, B e C]. No Irã, encontrou-se com o ministro das Relações Exteriores Manouchir Mottaki, com Said Jalili, membro do Conselho de Segurança Nacional, e com Chair Aladdin Bourojerdi, da comissão parlamentar de Política Exterior, dentre outros. Emitiu notas para a imprensa no Irã, com cada um desses funcionários, repetindo que o diálogo, não sanções, seria a chave para resolver a disputa em andamento. No encontro com o Chargé d’Affaires, a mensagem central de Jaguaribe não foi substancialmente diferente, mas entrou em maiores detalhes sobre áreas nas quais pressionou o Irã, áreas nas quais entende que o Irã ainda não cumpriu seus deveres, e sobre o que pensa sobre como influenciá-los para que os cumpram. A visão básica do subsecretário sobre o Irã pós-eleitoral não mudou. Caracterizou o país como uma democracia que faz concessões [orig. a compromised democracy], mas onde há uma robusta sociedade civil que, afinal, obrigará o governo a abrir-se para negociações substantivas.
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A mensagem do Brasil ao Irã
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3. (C) Jaguaribe foi cuidadoso ao apontar que, apesar da conferência de imprensa amistosa, e do desejo de agendar uma visita de Ahmadinejad a Brasília em dezembro, fez críticas específicas, no contato com funcionários iranianos, sobre seu programa nuclear. Deve-se registrar que contou que disse a Mottaki e outros que o Irã ainda não cumpre todos os seus deveres com a IAEA, apesar de ter autorizado no final de agosto, a visita de inspetores às instalações em Natanz e Arak. Também considera a proposta do dia 9 de setembro ao P5 1 feita pelo governo iraniano, que lhe foi noticiada pelos iranianos, é geral de mais para servir como efetivo ponto de partida para futuras discussões. Jaguaribe contou que pediu que os iranianos fossem mais específicos no diálogo, e contou-nos que pensou que os iranianos poderiam ser levados ao ponto no qual poderiam fazer propostas mais específicas.
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Visão dos brasileiros sobre o Relatório da IAEA e démarches sobre cidadãos norte-americanos detidos no Irã; no orig. Amcit Demarches]
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4. (C) Durante o encontro, Jaguaribe concordou com a interpretação dos EUA de vários pontos do Relatório da IAEA (ref C), i.e., que o Irã recusou-se a suspender atividades nucleares de proliferação, como exigido pelo Conselho de Segurança; que se recusou a implementar o protocolo adicional; e que só colaborou parcialmente com as exigências de inspeção da IAEA. Em alguns momentos, reportou a visão dos iranianos sem endossá-las, como ao referir-se a perguntas da IAEA sobre atividades passadas relativas ao país estar-se armando [no original “about past weaponization-related activities”] como “supostos relatórios”. Jaguaribe não respondeu imediatamente à questão sobre nossas démarches sobre cidadãos norte-americanos detidos no Irã (ref B) mas soou favoravelmente disposto. Durante seus encontros em Teerã, o Irã entregou a Jaguaribe a lista de suas reclamações/exigências em relação aos EUA. Entre elas, reclamações sobre "três membros do Exército dos EUA que foram presos mês passado no Curdistão”, sobre a extradição de vários iranianos e sobre iranianos desaparecidos na Arábia Saudita e em Istanbul [BRASILIA 00001170 002.2 OF 003]
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Estratégia brasileira de engajamento
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5. (C) Ao apresentar um esboço de uma estratégia geral de engajamento com o Irã, Jaguaribe enfatizou repetidas vezes que o Irã não desistirá dos programas de enriquecimento nuclear, embora possa ser pressionado a suspendê-los por alguns períodos. Argumentou que o programa nuclear iraniano é amplamente popular em todos os segmentos da sociedade, inclusive na oposição ao governo e membros da comunidade de exilados. Assim sendo, continuou, as sanções não devem ser usadas, porque a dor que provocarão empurrará os iranianos “com visões diferentes” na direção de apoiarem o atual regime, numa questão complexa em relação a qual todos estão, em geral, de acordo. (Acredita que as sanções sobre importações de petróleo serão especialmente danosas à economia iraniana – e especialmente efetivas no que tenha a ver com arregimentar ainda maior apoio popular ao programa nuclear iraniano.) Jaguaribe acredita que o governo iraniano acabará por ser persuadido a seguir os protocolos internacionais, se pressionado pela comunidade internacional e, simultaneamente, pela sociedade civil iraniana. Elogiou os esforços iniciais dos EUA para iniciar diálogo sobre a questão, e disse que o diálogo continuado, mesmo que não alcance sucesso imediato, fortalece a posição dos elementos mais liberais da sociedade iraniana.
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Visões do Irã e do Brasil sobre a IAEA, Conselho de Segurança da ONU
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6. (C) Os iranianos impuseram a Jaguaribe sua visão de que as salvaguardas da IAEA (e diretivas a elas relacionadas) são constituídas de normas técnicas sobre as quais há amplo acordo internacional que os iranianos podem obedecer, e trabalharão na direção de respeitá-las no futuro. As inspeções em Arak e Natanz foram citadas como exemplo disso. Jaguaribe saiu convencido de que os iranianos realmente acreditam que obedecem as diretivas da IAEA – ponto de vista que o subsecretário caracterizou como “delusional” [aprox. “delirante”]. Teerã estabeleceu uma distinção entre a IAEA e o Conselho de Segurança da ONU, que veem como um corpo que emite decisões políticas que “não são legítimas”. Jaguaribe não endossa essa visão, mas disse, do relacionamento Iran-Conselho de Segurança da ONU, que “é preciso que haja movimento dos dois lados” (Nota: Há muito tempo o Brasil mantém a posição segundo a qual questões nucleares devem ser tratadas na IAEA, e não no Conselho de Segurança da ONU. Fim da nota.) Acrescentou que uma proposta da ONU relativa ao desarmamento nuclear ajudaria a resolver o impasse. Elogiou esforços recentes dos EUA nessa direção e espera que mais esforços desse tipo estejam a caminho.
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Aumentando o Coro: Declaração na Assembleia Geral da ONU
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7. (C) Quanto ao pedido delineado em ref A, Jaguaribe disse que é possível que o Brasil considere comentar o programa nuclear iraniano em seu pronunciamento à Assembleia Geral da ONU. Disse que esse comentário será equilibrado, com menção tanto à exigência de que o Irã obedeça as diretivas da IAEA e as decisões do Conselho de Segurança, e também à opinião de que sanções impostas pelo CS não serão efetivas como ferramentas de motivação. Disse também que o Brasil não se furtará de dizer que a resposta iraniana de 9 de setembro ao P5 1 precisa ser mais robusta para ser efetiva. (Comentário: Acreditamos que é muito duvidoso que o Brasil realmente faça referência ao Irã no pronunciamento à Assembleia Geral da ONU. Fim do comentário.)
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Comentário
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8. (C) Tendo retornado de Teerã menos de uma semana antes, Jaguaribe concentrou-se na abordagem que lhe pareceu que melhor funcionaria para resolver a desconexão entre a confiança do Irã de que oferecera respostas satisfatórias sobre seu programa nuclear e a impressão, na comunidade internacional, de que os iranianos têm de ser obrigados a obedecer. Em geral, não se deve esperar que o Brasil mantenha abordagem cautelosa sobre a questão, se se tem em mente o desejo, que às vezes compete, na direção oposta, de ampliar relações comerciais com o Irã, para desenvolver a tecnologia nuclear militar brasileira, para finalidades que não sejam de construção de armas nucleares [orig. “to develop Brazilian nuclear military technology for non-weaponmaking purposes”], sem atrair a atenção internacional, e para obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – sendo esse último objetivo muito importante. No curto prazo, o modo mais fácil de o governo do Brasil atender seus vários interesses é sugerir diálogo multilateral sempre mais amplo, e adesão aos padrões da IAEA, para evitar ter de assumir posição fechada sobre as sanções, quando o Brasil assumir seu assento temporário no Conselho de Segurança, em janeiro de 2010. Mas o Brasil sabe que a adequação do Irã às salvaguardas da IAEA não equivale a o Irã tornar-se potência nuclear responsável – como o próprio Jaguaribe disse durante o encontro. À luz da tradicional relutância [do Brasil] para assumir posições firmes em questões específicas de contencioso entre países, e com as visitas de Ahmadinejad ao Brasil e de altos funcionários do Brasil [BRASILIA 00001170 003.2 OF 003] ao Irã, que estão sendo planejadas para os próximos meses, o Brasil terá voz suave no coro – mas pode vir a ser útil, se os altos funcionários do governo do Brasil puderem ser encorajados a soprar no ouvido do Irã a ideia de que negociar e obedecer são sua [do Irã] melhor opção. FIM DO COMENTÁRIO. [assina]KUBISKE
[1] Esse telegrama está publicado em inglês, em Folha.com-Poder, sob uma manchete que é, para dizer o mínimo, errada: “Brasil hesitou sobre cumprimento de acordo pelo Irã; leia em inglês” (22/12/2010[NTs]).
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