FARC-EP: Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia/Exército Popular,
28/8/2012, José Antonio Gutiérrez D., La Pluma.net, França
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
José Antonio Gutiérrez D. |
Volta-se
a cogitar de conversações de paz, com o beneplácito de boa parte do
establishment, na agenda política Colômbia na. Uma trapalhada de Uribe
[Alvaro Uribe, ex-presidente], que revelou movimento do governo, de aproximação
às FARC-EP, em Cuba, quando tentava canalizar apoio para seu projeto
ultradireitista [1],
bastou para gerar corrente de opinião favorável à aproximação. E o tiro saiu-lhe
pela culatra.
Santos
[Juan Manuel Santos, presidente] frente à questão, mostrou-se hermético, mas a
rede TELESUR, hoje, deu a notícia de um milhão de dólares: as FARC-EP assinaram
o início de um acordo de paz com o governo da Colômbia [2]. Há grandes expectativas, dado que
há apenas poucos dias, Gabino [Nicolás Rodríguez Bautista], principal comandante
do Exército de Libertação Nacional (ELN), declarara-se disposto a unir-se numa
iniciativa de diálogo da qual participassem as FARC-EP [3]. Pronunciamento de alta
importância, uma vez que, dentre outras lições do passado, já se sabe que não é
possível negociar em paralelo com as diferentes expressões do movimento
guerrilheiro colombiano. No momento em que escrevo essas notas, estamos à espera
do pronunciamento oficial de Juan Manuel Santos sobre a mesma questão.
Juan Manuel Santos |
A
aproximação não acontece gratuitamente, nem é efeito da boa vontade do
presidente da Colômbia: é óbvio que a tese do “fim do fim” não se sustenta e que
o Plano Colômbia já faz água. A guerrilha respondeu ao desafio imposto pelo
avanço do militarismo e um novo ciclo de lutas sociais ameaça fazer deteriorar a
situação política no médio prazo, a ponto que a oligarquia encontrará
dificuldades para controlá-la. O cenário político mostra-se às vezes
perigosamente volátil. Por outro lado, também nada há de surpreendente na
disposição dos guerrilheiros para aproximar-se da mesa de negociações: em
primeiro lugar, porque a guerrilha nunca deixou de propor, já há 30 anos, em
todos os tons possíveis, a solução política do conflito social e armado; e em
segundo lugar, porque a guerrilha, nos últimos anos, melhorou notavelmente sua
posição de força, não só militar, mas, sobretudo, no plano político.
Atenção
às falsas ilusões
Embora
a assinatura desse acordo seja desenvolvimento positivo, não podemos ser
excessivamente otimistas, nem, e menos ainda, triunfalistas, pensando que a
“paz”, por si só, representaria alguma espécie de triunfo para os setores
populares e suas demandas históricas, que, há mais de meio século, o Estado
bloqueia a sangue e fogo. É preciso ter plena consciência de que o caminho até
eventual processo de negociações é eivado de obstáculos, e que há diferenças
substanciais, de fundo, sobre o que esperar dessas negociações e sobre o que se
entende por “paz”, palavra que anda em tantas bocas. É preciso ter plena
consciência de que a oligarquia com a qual se está negociando é a mais
sanguinária do continente e que não pensa em negociar movida por alguma súbita
mudança de espírito.
Enquanto
o conjunto das organizações sociais dizem que a paz é muito mais que o
cessar-fogo, e que tem de implicar a resolução coletiva de problemas estruturais
que originam a violência, para o estado continua a tratar-se de desmobilização,
reinserção e discussão de formalidades jurídicas relacionadas [4]. Santos quer uma “paz
Express”, sumária, mecânica. Quer paz clandestina, sem a presença da
multidão, sem sociedade civil, sem organizações populares. Quer paz sem
reformas, sem qualquer mudança, de tipo algum, na sociedade nacional. Para ele,
basta o marco legal recentemente aprovado e talvez as regulamentações que, com
dificuldade, venham a ser aprovadas por um Senado hostil que rapidamente se
encolhe, ante o iminente processo eleitoral [5].
Colômbia: ex Presidente Álvaro Uribe Vélez (E) e o Presidente Juan Manuel Santos(D) |
Santos
sempre teve posição ambígua sobre a paz: por um lado, diz ter as chaves da paz
que, se forem perdidas, dia seguinte aparecem trancadas num cofre; por outro
lado, aprofunda a guerra suja, mediante o fortalecimento da militarização das
comunidades rurais (os chamados “Planos de Consolidação Territorial”); mediante
golpes cada vez mais fortes contra os comandos intermediários da guerrilha e uma
estratégia de judicialização das “redes de apoio” do movimento guerrilheiro,
mediante a qual as necessidades do projeto guerrilheiro são julgadas por
tribunais (essência do “Plano Espada de Honra”); e, ainda, mediante impunidade
cada vez mais ampla a encobrir as ações do Exército, seguindo uma estratégia
sistemática de terrorismo de Estado (a ressurreição do chamado “Foro Militar”,
criado por acordo recentemente firmado entre Santos e Uribe).
Do
ponto de vista de Santos, paz ou guerra não passam de estratégias para impor um
insustentável projeto econômico-social neoliberal, baseado no Plano de
(sub)Desenvolvimento Nacional do santismo, cujos pilares são a
agroindústria, com mega mineradoras. Conseguir converter essa oportunidade para
iniciar negociações num espaço a partir do qual seja possível fazer avançar as
transformações sociais que o povo colombiano exige dependerá da capacidade de
pressão e mobilização do próprio povo. E isso acontecerá apesar do Estado, não
graças a ele.
Paz?
Que paz?
Há
algo que o bloco dominante nunca perde de vista. É que a negociação com a
guerrilha já não é idêntica à negociação de 1990-1994. Aqui já não há
organizações cujo espectro ideológico seja um liberalismo radicalizado; não
estamos frente a grupos reformistas armados, cuja direção esteja recheada de
socialbacanería (A); nem as demandas políticas
dessas organizações guerrilheiras serão satisfeitas com promessas de reformas
constitucionais cosméticas ou garantias generosas para a desmobilização;
tampouco aceitarão alguma “agenda restrita”.
Militantes (soldados) das FARC-EP |
Estamos
ante movimentos revolucionários que expressam os mais pobres dos mais pobres.
Estamos ante movimentos guerrilheiros que manifestam as aspirações históricas
desse campesinato que sempre esteve fora e abaixo de todas as iniciativas de
“paz”. Estamos ante guerrilheiros cujos pés confundem-se com a terra que pisam.
São os que nunca tiveram coisa alguma e tudo merecem.
E
não se trata de grupos militarmente derrotados, como os que se desmobilizaram em
1990-1994, mas de organizações fortemente arraigadas em amplas áreas do país,
com capacidade operativa em quase todo o território nacional colombiano, com
renovada capacidade de atacar as forças armadas do Estado; em amplas regiões do
país, a guerrilha é realidade política inescapável, duplo poder autêntico,
legitimado em outras comunidades pisoteadas pela consolidação territorial do
Exército e o flagelo paramilitar. Por mais que alguns comentaristas queiram
convencer-se do contrário [6], se a
guerrilha negocia hoje é porque pode negociar, porque tem força e capacidade
para negociar. Eles sabem bem, na Casa de Nariño [sede do governo da República
da Colômbia], que a desmobilização e a rendição com que o uribismo sonha não são possibilidades
políticas reais.
É
o que se vê reconhecido, em coluna de 25 de agosto, de o
Espectador:
É claro
que as FARC não são interlocutor fácil. Querem reforma agrária, seja baseada na
Lei de Terras ou na Lei de Vítimas; querem que se debatam novos contratos de
trabalho com as multinacionais do petróleo e da extração de minérios; querem
espaços políticos para avançar para contexto mais democrático; e creem que,
hoje, a paz passa pelo melhor manejo do meio ambiente. O que resta são detalhes
formais, como a exigência absoluta de que qualquer acordo a que se chegue seja
assinado em território colombiano. [7]
Vê-se
claramente que o discurso que apresenta as FARC-EP como organização
“terrorista”, “bandoleirizada”, “convertida em cartel do narcotráfico”,
“lumpenizada”, já não se sustenta, não passa de propaganda, mesmo que as FARC-EP
talvez se sirvam de alguns métodos que podem ser questionados. Ninguém, em
perfeito juízo, negará que tudo o que a guerrilha exige (terras, atenção aos
recursos naturais, democracia, atenção ao meio ambiente, educação, saúde,
seguridade social etc.) são temas de importância crucial, pontos em que as
políticas do governo fazem água e para cujo encaminhamento é indispensável à
participação do conjunto da sociedade. Que a guerrilha tome esses temas e
converta-os em elementos indissociáveis com vistas a qualquer procedimento para
superar o conflito social e armado de raiz, é perfeito pesadelo para os setores
mais recalcitrantes da oligarquia.
O
que aterroriza a oligarquia não é alguma suposta “bandoleirização” da guerrilha,
sobre a qual tanto insistem os veículos da imprensa governamental, mas seu
caráter político e revolucionário, tanto quanto a capacidade da guerrilha para
articular as demandas de diferentes setores sociais.
Por
isso, o bloco dominante sabe que a grande luta que se prepara no futuro é luta
no campo político, muito mais que no campo militar. Porta-vozes do empresariado
pronunciaram-se a favor de uma agenda limitada de negociação, à maneira da
negociação com o M-19, quer dizer, negociação, sem mudanças estruturais [8]. Esperam sair das negociações com o
menor número possível de concessões e reformas, e sabem que isso os põe em
oposição não só à guerrilha, mas também a um setor importante do povo
organizado. Por isso temos de estar atentos ao recrudescimento da guerra suja e
dos ataques contra organizações populares que lutam por mudança social – ações
que, tradicionalmente, sempre acompanharam os processos de diálogo na Colômbia.
A
estratégia dos militares está em momento de esgotamento
Mas,
embora essa oligarquia tenha muito receio de abrir as porta às negociações que,
com certeza, levarão a um debate nacional sobre projetos antagônicos de país,
ela também sabe que persistir no rumo guerreirista é atar a corda ao próprio
pescoço; a guerrilha se está fortalecendo e vê-se hoje uma escalada do conflito
social, com maior mobilização popular em todo o país, a qual se persistir, pode
vir a ameaçar seriamente o comando do bloco dominante. O país está à beira de um
novo ciclo de violência precipitado pelo deslocamento forçado, pelo despejo
violento de camponeses e comunidades inteiras, pela penetração das mega
mineradoras e da agroindústria por todo o país. A violência com que se vem sendo
imposto o sacrossanto modelo, mediante o “Plano de (sub)Desenvolvimento
Nacional” de Santos, gera, necessariamente, resistência. E a resistência, num
país como a Colômbia , dá-se de múltiplas formas, e é o caldo do qual se pode
nutrir uma situação potencialmente explosiva.
Negociar
com a guerrilha pode ser útil para a oligarquia em suas projeções mais
otimistas, para alcançar a paz neoliberal que permita fazer avançar o projeto
neoliberal agro-extrativista, com redução dos níveis da resistência, pelo menos,
dos projetos de guerrilha. Recente pesquisa entre empresários, feita pela Fundación Ideas para la Paz, concluiu
que “A grande maioria deixou claro que descarta qualquer agenda de negociações
que inclua reformas estruturais e com atores múltiplos, como aconteceu
em Caguán [B ].
Preferem agenda limitada ao desarmamento dos guerrilheiros, com desmobilização e
reintegração, na qual o estado possa ser ‘generoso’.” [9]. Quer dizer: paz para
facilitar a exploração das massas e do meio ambiente colombiano.
Nas
projeções menos otimistas da oligarquia, as negociações serviriam ao menos para
ganhar tempo e preparar-se para enfrentar, de maneia mais letal e eficiente, o
próximo ciclo que violência que já começa a surgir no horizonte. Tal foi a
intenção real do governo de Pastrana ao enfrentar o processo de negociações de
San Vicente do Caguán. O próprio Pastrana, que falava de paz, enquanto negociava
o Plano Colômbia e dava rédea solta ao aparelho paramilitar do Estado,
reconheceu isso, cinicamente, em artigo para marcar os dez anos do fim dos
diálogos do Cagúan:
O Plano
Colômbia (…) [nos] permitiu sentarmos à mesa de diálogo em desvantagem,
praticamente desarmados, mas com a certeza de que, bem-sucedido ou fracassado,
aquele diálogo terminaria com um Estado armado até os dentes e preparado, como
nunca antes, para a paz e para a guerra. [10]
Em
ambos casos, se a oligarquia buscar a pacificação do país sem mudanças
substanciais, ou se buscar ganhar tempo para prosseguir no negócio da guerra,
qualquer paz que se consiga será efêmera, não será mais que a calmaria que
antecederá a violenta tempestade que armará a mão dos excluídos, dos
despossuídos, dos violentados, dos oprimidos. E são eles que têm de se mobilizar
para impor a necessária vontade de mudanças estruturais e de fundo: o vento
sopra a seu favor de momento, pois a mobilização popular aumenta e há uma
saudável tendência à unidade dos que lutam. Estes dois elementos favorecem as
possibilidades de que o bloco popular converta-se em fator de peso nas
negociações, sobretudo quando o bloco dominante apresenta contradições internas
que, sem serem antagônicas, são bastante agudas e geram uma crise de hegemonia.
Os
“inimigos esmagados” (mas não muito): Santoyo e as contradições entre os
burgueses
Andrés Pastrana Arango |
A
hegemonia do bloco dominante, consolidada durante quase uma década de Plano
Colômbia e a mal chamada “Seguridade Democrática” (da qual Santos foi
continuador), vê-se afetada não só pela crescente mobilização e pelo
descontentamento popular, mas também pela erosão da unidade do bloco dominante.
São cada vez mais frequentes os choques entre o uribismo entrincheirado entre elementos
linha-dura das forças militares, dos ruralistas e criadores de gado, da narcoburguesia e do gamonalismo
[C], que
veem na guerra seu grande negócio; e o santismo, que representa os interesses
supremos dos mais ricos e do capital transnacional, que buscam a “paz” para
abrir passagem aos seus negócios e investimentos na área agro-extrativista.
Embora esses últimos também tenham recorrido ao paramilitarismo para assegurar a
“confiança dos investidores” e à violência para enriquecer, prefeririam um modo
menos caro de garantir os próprios lucros, o que os põe em posição diferente em
relação aos setores da burguesia que dependem, estruturalmente, do saqueio
violento para acumularem capital.
El
colunista Alfredo Molano, há alguns meses, analisava esta contradição no bloco
dominante e o impacto que teria sobre um eventual processo de
negociação:
... é
mais fácil para o presidente negociar com a guerrilha que com os militares, os
empresários e os caciques [orig.los
gamonales], para não acabar derrotado em outro Caguán. Esse foi o
verdadeiro obstáculo da negociação entre Pastrana e Marulanda. O erro do
ex-presidente não foi a distância de 30 mil quilômetros; foi não ter negociado
antes com o establishment e com
os militares o preço que essas duas forças poderosas estavam dispostas a
pagar [11]
Enquanto
se aprofunda a crise de hegemonia do bloco no poder, e enquanto avançam as lutas
populares, como a guerrilha, seria insensato para Santos não reagir à agitação
que o uribismo continua a promover
nos quartéis e seu trabalho de polarização no interior do establishment.
Nem Santos (nem os ricos que ele representa, nem o imperialismo que o apoia)
aceitarão que Uribe passe a ser fator de desestabilização. Todos eles apoiaram
Uribe enquanto lhes foi útil e os ajudou a recompor a hegemonia de uma
oligarquia decadente. Mas nem o imperialismo nem a oligarquia têm amigos: só têm
interesses. No momento em que deixa de cumprir esse papel, Uribe passa a ser
“descartável”.
Nesse
sentido, deve-se interpretar o encurralamento geral que a justiça está impondo
ao círculo íntimo do uribismo, com a
condenação de Rito Alejo, os crescentes indiciamentos de paramilitares como
Mancuso, por seus laços com as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) [principal
grupo paramilitar terrorista de direita, espécie de esquadrões da morte], as
brigas entre os parentes narcos do ex-presidente e a deportação do
general Santoyo.
Não
que só agora nos estejamos apercebendo do que há de podre à volta de Uribe:
sabe-se disso há muito tempo; mas agora o contexto é outro.
Mauricio Santoyo |
O
caso Santoyo, principalmente, parece ser instrumento importante contra Uribe: se
alguém pode comprometê-lo com o narcotráfico e o paramilitarismo, é ele. Já
começou a falar de alguns generais, inclusive do braço direito de Uribe, Mario
Montoya; e ameaçou “cantar” sobre políticos [12]. Será Santoyo a carta do santismo para tentar por Uribe sob
controle? Será preciso ver a reação de Uribe às notícias sobre a paz, o que
provavelmente se conhecerá pelo Twitter. Mas se decidir continuar
tentando a desestabilização, sua queda, muito provavelmente, é questão de tempo.
Introduzir
povo na negociação
Por
mais que devamos ver sem ingenuidade as negociações, e com muito realismo, é
indubitável que o momento atual abre enorme potencial para superar as condições
estruturais que levaram ao conflito social e armado na Colômbia, e que
alimentaram esse modelo de capitalismo mafioso, cuja acumulação se faz pela
expropriação violenta.
Tanto
Santos como os empresários rejeitam, ou resistem a aceitar, a participação de
“múltiplos atores” no processo de paz. Quer dizer, buscam excluir o povo da
resolução de um conflito que o afeta diretamente, deixando assim intactas as
condições para que novas violências eclodam, como as que eclodem cronicamente
nas sociedades do pós-conflito centro-americano.
Timoleón Jiménez |
Apesar
de o movimento guerrilheiro na Colômbia ser parte de um importante acúmulo de
lutas populares, e embora tenha importante nível de legitimidade em muitas
regiões do país, claro está que nem a guerrilha nem nenhuma expressão do
movimento popular colombiano pode assumir a exclusiva representação do movimento
popular.
A
própria guerrilha manifestou-se em várias ocasiões o seu acordo com essa
posição, que eles veem como consistente com seus postulados históricos. Em sua
resposta, ao professor Medófilo Medina, o comandante máximo das FARC-EP,
Timoleón Jiménez, explica o sentido da luta política, “por poder para o povo”,
dessa guerrilha comunista:
Nem no
Programa Agrário, nem em qualquer documento posterior das FARC até hoje, jamais
se propôs que, como organização político militar, nossa meta seja tomar o poder
depois de derrotar, em guerra de posições, o Exército colombiano, como costumam
repetir sempre os que insistem em nos mostrar que esse seria objetivo
impossível. Desde nosso nascimento, as FARC sempre concebemos o acesso ao poder
como questão de multidões em agitação e movimento. [13]
Nessa
linha, o citado artigo de El Espectador expõe claramente, como
problema para a negociação, que:
De
antemão sabe-se que outro aspecto difícil é a agenda das FARC. Quanto a isso,
está claro que, em princípio, a pretensão da guerrilha é meter a sociedade civil
na questão. Quer dizer, que os movimentos sociais, a academia ou as minorias
políticas tenham o mesmo direito de voz que as associações econômicas; por isso
o chamado movimento da Marcha Patriótica pode aspirar ao protagonismo. Trata-se
de criar espaços políticos nos quais a discussão não fique limitada à quebra de
braço entre o Governo e a guerrilha. (…) Sobre a questão do Cauca, as FARC têm
pensamento claro: se se chegar a um processo de paz com o Governo, os indígenas
desse Departamento têm de ter voz especial na mesa de diálogo. [14]
É
necessário que o povo reclame e exija seu direito de participar desse processo e
o converta em diálogo nacional, no qual se discutam os projetos de país que
estão em confronto e num conflito que não só é armado: é, sobretudo, social.
Sobre a solução política, lê-se na mesma resposta do comandante Timoleón Jiménez
que:
...
não se pode entender qualquer solução política se não como reposicionamento da
ordem existente. Não se trata de guerrilheiros arrependidos e completamente
desacreditados previamente que entreguem armas, submetam-se ao escárnio
jornalístico e jurídico, para em seguida, com a espada pendente por um fio sobre
suas cabeças, tentarem entrar no mercado da política de partidos, para fazer
coro às mentiras oficiais.
Trata-se,
isso sim, de reconstruir as regras da democracia, para que se debatam ideias e
programas em igualdade de oportunidades. Sem o risco de ser assassinado ao
chegar em casa. Ou desaparecidos e torturados por uma misteriosa mão negra que
já se noticia que existe, como as forças ocultas que exterminaram a União
Patriótica sob o olhar impassível da classe política colombiana. É justo que se
abra um debate público e livre sobre estes assuntos, que se possa falar desses
temas, sem sermos arrolhados imediatamente pelos monopólios jornalísticos
mancomunados.
É
preciso meter povo nessas negociações, embora moleste a oligarquia ver tantos
pés sujos tomando parte no debate político, terreno reservado por dois longos
séculos de vida republicana a uma elite dourada, a estirpes moribundas e
decadentes cujos sobrenomes repetem-se sempre nos cargos de poder.
Trata-se
de ocupar esse espaço, de levar o debate político sobre a paz e a guerra, sobre
o modelo político e econômico a todas as praças públicas da Colômbia , a todas
as faculdades e escolas, a todos os locais de trabalho, às minas e as veredas
rurais.
Trata-se
de utilizar este debate para impulsionar um projeto de país que recolha e
harmonize as demandas mais sentidas de todos os setores populares que hoje lutam
contra o modelo econômico de morte e saque imposto pelos de cima.
O
anúncio do início desse novo caminho de busca de solução política, não deve
significar que se tenha de desmobilizar o povo. Ao contrário, indica que é hora
de que o povo comece a lutar ainda com mais determinação, que se aprofunde a
mobilização social e que se fortaleçam os espaços de unidade do povo em luta.
Hoje,
mais que nunca, devemos evitar expressões como Marcha Patriótica, para evitar
novo genocídio e proteger os espaços a partir dos quais o povo mobilizado faz
ouvir sua voz e sua aposta por uma nova sociedade.
Devemos
apoiar as lutas dos camponeses, dos trabalhadores, dos presos políticos, que
estão em ações de desobediência e greves em todo o país.
Devemos
exigir que cessem a estigmatização, a perseguição e o encarceramento dos
lutadores sociais. É preciso exigir o fim do rótulo de “organizações
terroristas” aplicado a guerrilheiros – só assim se garantirão condições ótimas
para o diálogo franco e livre.
Devemos
exigir que desse acordo inicial se avance para um cessar-fogo bilateral e para o
desmonte do paramilitarismo, como modo de proteger a vida e a integridade desse
povo que, agora, se deve converter em ator protagonista do processo.
Só
a mobilização popular garantirá que este processo de paz que se vislumbra no
horizonte leve às transformações estruturais que amplos setores reclamam na
Colômbia. E, à luz dos enormes desafios que se veem postos à frente do poder, a
luta pela paz será luta abertamente revolucionária.
É
hora de falar claramente sobre a natureza revolucionária dessa luta, que implica
o confronto entre um modelo baseado na exploração, saqueio, morte e exclusão, e
um modelo que cresce no coração do povo, baseado na inclusão, no respeito às
comunidades e ao meio ambiente, de caráter sustentável, para que proteja a vida,
a dignidade e a autodeterminação das pessoas.
O
que está em jogo é, nada mais nada menos, o tipo de Colômbia que se quer
construir.
__________________________________________
Notas
de rodapé:
[1] 19/8/2012,
ELESPECTADOR.COM - EFE, em: “Uribe
dice que Santos está negociando con las FARC en
Cuba”
[2] 27/8/2012,
TELESUR em: “Gobierno
de Colombia y las FARC firman acuerdo para iniciar diálogos de
Paz”.
Ver também:
27/8/2012, Caracol Radio, em: “Escuche
aquí la entrevista de Caracol Radio al director de Telesur confirmando un inicio
en un acuerdo de paz”. E
ainda: 27/8/2012, Semana.com em: Telesur
dice que Gobierno y FARC “suscriben acuerdo para iniciar diálogos de
paz”.
[3] 27/8/2012
Semana.com em: “ELN
dispuesto a un proceso conjunto con las FARC”.
[4] Para um
artigo que mostra as atitudes predominantes no Estado sobre os objetivos
limitados que esperam obter de uma eventual negociação, ver: 26/8/1012, ELESPECTADOR.COM em: “La
paz de Santos”.
[5] 27/8/2012,
Rebelión, Horacio Duque Giraldo em: “La
pax santista, sin reformas y sin pueblo”.
[6] Ver, por
exemplo, a última coluna de Humberto de
la Calle, no ELESPECTADOR.COM, “Paz” de
26/8/2012. Ou o artigo de 26/8/2012, “La
paz de Santos”. Ver, em resposta a essa tese, nosso artigo
anterior, de 14/2/2012, “Hablemos del conflicto social y
armado colombiano”.
[7] 25/8/2012,
ELESPECTADOR.COM em: “Hora
de decisiones de paz”.
[8] 27/8/2012,
VERDADABIERTA.COM em: “Empresarios
apoyan una negociación con las Farc”.
[9] 27/8/2012,
VERDADABIERTA.COM em: “Empresarios
apoyan una negociación con las Farc”.
[10] 16/2/2012,
ELTIEMPO.COM em: “Un
horizonte despejado”: Análisis del expresidente Andrés
Pastrana.
[11] 17/6/2012,
ELESPECTADOR.COM, Alfredo Molano Bravo em: “La gran
partida”.
[12]
25/8/2012, ELESPECTADOR.COM, María
del Rosario Arrázola em: “Santoyo
hablaría de políticos”.
[13] 13/1/2012,
Agencia Prensa Rural, Timoleón Jiménez em: “Diálogo epistolar -
Carta a Medófilo Medina de Timoleón Jiménez”.
[14] 25/8/2012,
ELESPECTADOR.COM, María
do Rosário Arrázola em: “Hora
de decisiones de paz”.
_________________________________-
Notas dos
tradutores
*José Antonio Gutiérrez D. é militante libertário, residente na Irlanda, onde
participa nos movimentos de solidariedade com a América Latina e Colômbia,
colaborador das revistas CEPA
(Colômbia) e El Ciudadano (Chile), e
da página internet ANARKISMO . É autor de Problemas e Possibilidades do
Anarquismo (São Paulo: Faísca, 2011, em português) e coordenador do
livro “Orígenes Libertarios do Primero de
Mayo en América Latina” (Quimantú, 2010). Colaborador de La
Pluma.
[A] Ver socialbacaneria, onde se lê: “o termo socialbacaneria, que o presidente Álvaro
Uribe usa desde a universidade para qualificar alguns setores que tomam as
determinações de modo frívolo para apoiar
o terrorismo” (El Espectador, 29/8/2012. Bogotá).
[B] Dia 8/10/1998, o
então candidato à presidência Andrés Pastrana firmou acordo com comandantes das
FARC pelo qual se criou uma zona desmilitarizada na região do vale do (rio)
Caguán, chamada de El Caguán DMZ
(abrev. ing. DesMilitarized Zone), região de selva no
centro-sul da Colômbia, no Departamento de Caquetá, para ali negociar um
possível processo de paz.
[C] Orig. gamonalismo. Vários especialistas consultados, mas nenhum
especialista em espanhol peruano e/ou colombiano, sugeriram, para o mesmo
conceito, em
português do Brasil , o termo “caciquismo”, que aí usamos (à
espera de melhor informação). A redecastorphoto sugere
“coronelismo”.
Errata das “Notas dos tradutores”
[A] Socialbacanería é termo
utilizado nos anos 80s, para descrever os “guerrilheiros de botequim”, gente de
classe média, sem qualquer vínculo real com o campesinato, nem com os
movimentos populares. Na Colômbia, aplicou-se, em particular, à direção do M19.
[C] Gamonales são os grandes proprietários de terra; no português do Brasil do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), “latifundiários”. A nota
(ver abaixo em Nota en español) acrescenta informações que aproximam “gamonal”
dos termo “cacique” (sempre político), de onde “gamonalismo” => “caciquismo”, em uso, no Brasil.
Outras traduções são possíveis. Como sempre, na tradução de falares locais
específicos; mais importante é sempre a quantidade de informações que se reúnem
e que ajudam no processo de cada um/cada idioma aproximar-se o mais que possa
do significado na língua de origem do termo traduzido.
La Pluma é publicação virtual, cuja “base” operacional está na França, não na
Espanha, como se lê na tradução que distribuímos.
Nota
en español: El gamonalismo es un término que empezó a acuñarse y
usarse a mediados del siglo XIX en el sur andino peruano para designar a
hacendados advenedizos, sin casta de cuño colonial y sin mayor refinamiento,
que expandieron sus tierras y su poder socio-político (rendatario y
clientelista) a costa de expropiar por medios ilícitos y violentos a los
comuneros de los ayllus indígenas. Deborah Poole sostiene que el término deriva
del nombre de "una planta perenne, virtualmente indestructible, de la
familia de las liliáceas, el GAMÓN, [que] crece inclusive en los terrenos más
duros y a veces es clasificada como una planta parásita, cuyo crecimiento y
propagación se da en detrimento de sus vecinas menos agresivas" [Poole
1988: 372].
En décadas recientes, el término
"gamonal" ha desbordado este marco socio-histórico hacia una
termonología sociológica aplicable a la realidad actual de algunos países de América latina. En este
marco, el concepto se emplea para aludir al "...potentado de uma región,
comarca
o municipio, que detenta el poder económico y político en un
entramado de relaciones de dominación, que parten de la concentración de la
propiedad de la tierra, el control de la intermediación comercial y las
relaciones privilegiadas con las empresas externas que operan localmente, y que
se proyectan hacia el control político y el dominio sobre los procesos
electorales. El funcionario gubernamental que se propone hacer cumplir la ley,
puede ser abandonado y sacrificado por el poder central, cerca del cual son
siempre omnipotentes las influencias del gamonalismo, que actúan directamente o
a través del parlamento, por una y otra vía con la misma eficacia.
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