Reflexões
de um sociólogo mineiro
Alfredo Pereira dos Santos |
Assim
como quem quer fazer uma casa, e não entende de arquitetura ou engenharia,
precisa consultar quem entenda do assunto, para entender esse nosso Brasil temos
que consultar também quem entenda. Nesse caso nada melhor do que o sociólogo Gilberto
Felisberto Vasconcellos, cuja obra eu conheço de longa data, tendo
na minha biblioteca todos os livros que ele escreveu e que consegui achar.
O Cabaré das Crianças é um livro escrito em 1998 mas eu retornei a
ele pelo fato de continuar atualíssimo. O Gilberto nos fala do “Brasil
Crianção”, usando esta expressão para tratar de tema que tem sido objeto
das minhas elucubrações recentes: o povo brasileiro é um povo
infantilizado.
Gilberto Felisberto Vasconcellos |
Essa
não deve ser uma característica exclusivamente brasileira, uma vez que o doutor
Freud, que morreu em 1939, já “tinha cantado a pedra” ao dizer que “o
homem precisa deixar de ser uma eterna criança e aprender a enfrentar o mundo
hostil”. Só que no Brasil os adultos abusam do direito de ser criança. A
socióloga Bárbara Freitag chegou a dizer que setenta por cento da população
brasileira adulta está na faixa mental de crianças de seis ou sete
anos.
Feita
a constatação resta-nos saber por que chegamos a este ponto. E ai eu digo:
CONFESSO QUE ENTENDI.
Na
quarta capa do livro o leitor já pode ter uma amostra do que o espera.
Vejamos.
Nesta
sociologia do cabaré infantil o leitor encontrará as conexões entre a
menstruação prematura das crianças, o futuro seqüestro orgasmático na mulher
adulta, a língua presa dos cantores, o infanticídio em massa, a prostituição
infantil, a matança de pivetes, o sadomasoquismo dos programas de auditório e a
humilhação do aposentado e da dona-de-casa.
O Cabaré das Crianças é o espelho perverso do mundo adulto e de suas relações
sociais. Até hoje ninguém ainda contestou a seguinte verdade: a criança é o pai
do homem!
Este
livro traz uma reflexão profunda sobre a videopatologia da vida cotidiana
brasileira a partir da década de 80.
A
mulher e a criança do Terceiro Mundo são as vítimas mais sacrificadas dos atuais
modelos energéticos, econômicos e midiáticos.
Nas
orelhas do livro mais dicas, com alguns destaques feitos por
mim:
Neste
livro muito bem escrito - um ensaio literário que se filia à tradição de
Montaigne - o tema da pedofilia é abordado através da psicanálise, da
sociologia, do folclore e da crítica da cultura. Eis o ponto de partida, a cena
primária do infans
brasileiro: o
coito danado entre a Casa Grande e a Senzala.
O
autor não deixa de tecer considerações sobre o encontro do útero ameraba com o
membrum virile português, do qual nasce o brasileiro, no amanhecer
do século XVI. De 1500 à recente mutação antropológica, representada pela
televisão, agrava-se sobremaneira a condição ágrafa da sociedade
brasileira.
A
escola foi substituída pela telenovela e pelos programas de auditório. Resulta
daí a emergência deseducadora do cabaré para as crianças e famílias: a novela
familiar contemporânea é pai, mãe, filho e programa de
auditório.
De
todos os lados se impõe a interpretação da carência do pai na cultura
brasileira. Somos o país da imago paterna renegada: Tiradentes, Zumbi,
Antonio Conselheiro, Getúlio Vargas.
Ao
perguntar qual é o lugar da criança, logo nos damos conta de que o país todo
está infantilizado. É inegável o traço sexual perverso na cultura. A criança
torna-se comedora voraz: oral, anal e genital precoce. Está compelida a comer
imagens e, através destas, come os detritos dos programas de
auditório.
As
relações pessoais acompanham a pobreza existencial das telenovelas e dos
programas. É a acústica do curso tatibitati , ensurdecedora, sem
silêncio e, portanto, sem conversa. E aí entra a questão da voz, objeto
primordial para Freud, Lacan e Heidegger.
O
idiotismo é a norma televisiva e radiofônica.
Brasil
crianção.
A ânsia dos órfãos é a característica psicológica fundamental d’O Cabaré das Crianças.
Isso
ai foi só o hors d’oeuvre. O prato principal fica para depois. Até
lá.
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