Publicado
em 16/08/2012 por Urariano Motta *
Recife
(PE)
- Por necessidade de trabalho, procuro escrever meus livros em cima de pesquisa
histórica, a partir do que o sentimento manda. No próximo romance, “O filho
renegado de Deus”, há um personagem essencial, um homem negro, inteligente, de
ideologia à direita. Ele, que era tido como o melhor intérprete de inglês do
Recife nos anos 60, recebe o encargo de servir ao casal Edward Keneddy, que
visitava a cidade. E com ele ocorre então um incidente, neste
passo:
“Diziam
que ele falava como um legítimo gringo, que compreendia até as gírias, tiques e
elipses de falas regionais dos Estados Unidos. E compreendia tanto que, ao ser
escalado como guia – ele contava que fora escolhido como intérprete, tradutor –
do casal Ted Kennedy em visita ao Recife , chegou a
ouvir da esposa do grande e simpático norte-americano, quando entendeu com
clareza a sua gíria nesta pergunta cifrada: - É esse macaco que vai nos
servir?”.
Ora,
esse acontecimento não é gratuito nem falso como história ou narração. Apontam
os registros na imprensa que Edward Kennedy veio ao Recife em julho de 1961,
cumprindo missão delegada pelo presidente John Kennedy. O seu tradutor foi Celso
Furtado, um substituto, conforme a história que conheço. E no papel de Grande
Irmão conheceu as Ligas Camponesas. Mais: depois disso se fez um documentário
sobre a luta pela terra em Pernambuco, para a rede de televisão norte-americana
ABC, com o nome de Brazil: the troubled land.
Há
mais de um ano, eu faço a busca por esse filme, por suas imagens de 1961. No
começo, eu julgava que poderia ver as caras de Kennedy e sua mulher, que chamou
um cidadão negro de macaco no Recife. E de tanto procurar no google, em
comunidades virtuais, em informações fora da web, este ano descobri a professora
Sarah Sarzynski, da Universidade de Nova York, que me esclareceu: “Ted
não aparece no documentário”. Ainda assim é importante o filme,
respondi. E continuamos a procura. A professora tem sido uma pessoa de imensa
gentileza, como intérprete e autoridade acadêmica, mas as dificuldades não foram
vencidas. Vence-se uma, surge outra.
Ao
fim de muitas buscas, descobri que o filme existia no endereço
na Indiana
University Libraries Film Archive.
Agora seria fácil, pensei. Mas a resposta não tardou, no inglês que traduzo aqui
livre e mal, pois não sou o meu personagem:
“Agradeço
pelo contato para a pesquisa do filme Brazil:
The Troubled Land. Ele pertence ao arquivo da coleção da Biblioteca da
Universidade de Indiana. Reenvio para a arquivista
responsável”,
que respondeu:
“Para
o acesso ao filme que você pesquisa, o Brazil:
The Troubled Land, nós não o temos digitalizado ou em cópia para ser visto.
No momento, o filme está disponível somente nesta biblioteca, ou então, se você
desejar obter permissão do proprietário dos direitos autorais, nós poderíamos
fazer uma cópia em DVD para você emprestar ao escritor brasileiro. A McGraw Hill é a
editora dona do filme”.
Mas
a poderosa McGraw Hill, até a presente hora, nada falou sobre a liberação de uma
cópia. Em desespero de causa, cheguei a solicitar, intermediado pela doutora
Sarah, até mesmo a compra de um exemplar, com a ajuda, é claro, de outros
jornalistas brasileiros, que também o procuram. Nada. Mais uma vez, por razões
de Estado primeiro, depois por razões do capital, e mais adiante por desatenção
dos acadêmicos do Brasil, que não veem a importância do documentário, o Brasil
deixa de ver a própria cara, num flagrante das relações históricas de opressão
em 1961.
No
filme, segundo o repórter e escritor Vandeck Santiago, o latifundiário
Constâncio Maranhão trava o seguinte diálogo com a documentarista Helen Jean
Rogers :
“-
Não dê ouvidos a essa gente. Aqui todos têm um trabalho e os que querem
trabalhar estão satisfeitos”-
diz ele à jornalista americana.
Ela
retruca falando sobre reações de descontentamento dos camponeses e da
possibilidade de a situação agravar-se.
“-
Nesse caso eles terão o que merecem, a força”-
rebate o proprietário, empunhando uma pistola e dando tiros para o ar, afirma:
-“Olhe
aqui o que terão!”
The
Troubled Land
passou
nos EUA, onde alcançou grande repercussão, mas nunca foi veiculado na televisão
brasileira. De acordo com Furtado, que tem em seus arquivos uma cópia do
programa, “o Conselho de Segurança Nacional o julgou
inconveniente”.
Os
tiros de Constâncio Maranhão diante da câmera mostravam bem o poder secular do
latifúndio, que faria em abril de 1964 os rios correrem repletos de cadáveres de
camponeses das ligas.
Quem
entraria no mutirão para liberar o documentário?
Enviado
por Direto
da Redação
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