Adriano
Benayon* – 29.07.2012
1.
Venho
mostrando que a desnacionalização está na raiz das travas ao desenvolvimento
econômico e social do País, que se traduzem em suplícios diariamente
vivenciados pela imensa maioria dos brasileiros.
2.
Entre
os aspectos da vida em que nossa população é mais sacrificada está o transporte
para ir ao trabalho e de lá voltar, em que se perde, em muitos casos, seis horas
diárias, ademais de passá-las em extremo desconforto.
3.
Isso
atinge mais duramente os que dependem totalmente dos meios de transporte
públicos, mas não poupa os que têm veículo próprio, emperrados no trânsito
urbano e nas estradas deficientes e congestionadas, ou exploradas por
concessionárias vorazes na extorsão dos pedágios exorbitantes.
4.
Esses
prejuízos e os decorrentes dos preços dos veículos mais altos do mundo - que,
por vezes, passam do dobro do que pagam os consumidores de outros países - são
os mais visíveis, mas não são os únicos nem os maiores.
5.
As
colossais transferências de recursos financeiros que as subsidiárias das
transnacionais efetuam em favor de suas matrizes são a causa principal dos
déficits das contas externas e o fator básico do endividamento.
6.
Este,
por seu turno, deu lugar aos abusos que fizeram exponenciar a dívida pública,
através da composição de juros extorsivos e de numerosas e injustificáveis
taxas, sem falar na estatização de dívidas privadas.
7.Assim,
nos últimos 30 anos o “serviço da dívida” come a parte do leão das receitas
públicas, fazendo minguar os investimentos na infra-estrutura, na saúde e na
educação. Para cúmulo, a insuficiência quantitativa é grandemente agravada pela
escolha “errada” em onde investir e como investir.
8.
Quanto
ao onde, priorizou-se, entre os
transportes, o rodoviário. Mas quem induziu ao erro? Há erros tão grosseiros,
que não podem ocorrer só por ignorância: alguém exerceu poder para que eles
fossem cometidos. Esse é o fulcro da
maior – e menos comentada – corrupção existente no País.
9.
Os
juristas da Roma Antiga recomendavam procurar a quem o crime aproveita. A quem,
senão à indústria automotiva e ao cartel do petróleo, cujos interesses, em
âmbito mundial, são, em grande parte, os mesmos?
10.
Quanto
ao como, os investimentos
são feitos antes para propiciar ganhos às grandes empresas mundiais que em
proveito do País. Omitindo as verdadeiras causas do “custo Brasil”, os que
reclamam dos impostos altos, energia e transportes caros não sabem do falam, ou
fingem não saber.
11.
De fato,
não fosse a dívida inflada por obra do modelo dependente, não teríamos, como
hoje, de usar quase metade da receita de impostos e contribuições no serviço dessa dívida. Além disso, as
alíquotas poderiam ser reduzidas para a metade das atuais, gerando o dobro da
receita, se tivessem ficado no País e fossem investidos sensatamente os recursos
apropriados e transferidos ao exterior pelas transnacionais.
12.
Quanto
à energia o Brasil tem todas as condições naturais
para que seja barata, e assim seria se não se importassem, com enormes
sobrepreços, as turbinas e outros equipamentos dos cartéis mundiais, sob o
esquema da dependência financeira e tecnológica. Depois, a dívida resultante
subiu para estratosfera.
14.
O Brasil
é superdotado em recursos aquaviários, base da modalidade mais econômica
dos transportes: extensíssima
costa marítima e abundância de rios navegáveis, ou transformáveis em tal, e
interligáveis por canais. Há 70
anos, o Prof. Affonso Várzea elaborou o projeto “Ilha do Brasil”, que
incluía a ligação entre as bacias do Prata e do Amazonas. E, até hoje,
nada!
15.
Se
tivesse investido em ferrovias e material rodante, prosseguido com as estatais e
estimulado o desenvolvimento de tecnologia, não se teria aprofundado a
desvantagem em que o País se encontrava há 56 anos, quando a política passou a
exacerbar as falhas da malha ferroviária, ao invés de corrigi-las.
16.
Veículos
automotores em excesso atravancam as vias urbanas, pois faltam densas linhas de
metrô nas metrópoles, enormemente infladas em suas periferias pela migração
decorrente da estrutura fundiária e da baixíssima renda das massas, gerada pelo
modelo. Nos transportes interurbanos e interestaduais dá-se problema
semelhante.
17.
Conforme estudo
do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), as transnacionais montadoras servem-se da pesquisa tecnológica, feita
aqui, para remeterem, como despesa, seu lucro real às matrizes, muitíssimo mais
que introduzir inovações em processos produtivos.
18.
O IPT
observa:"O Brasil tem no mundo o maior número de marcas produzidas
internamente, mais até que os Estados Unidos”. Aduz o
pesquisador do IPT, Mário Sérgio Salerno: “Isso não é bom para o produto,
porque cria uma pulverização, e essa indústria depende de escala para ser
competitiva”.
19.
O
engenheiro Carlos Ferreira comenta: “4º
maior mercado de veículos e 6º maior montador. Nenhuma marca
nacional.
Entretanto,
fartura de subsídios às transnacionais, que aqui produzem veículos de baixa
tecnologia, e remessas de bilhões para suas matrizes no exterior. Algumas delas
já teriam desaparecido sem este “eldorado dos
trópicos”.
20.
Como
aponta Salerno, as montadoras realizam, em geral, testes, e não, pesquisa e
desenvolvimento (P&D), já que a parte substantiva dos modelos é projetada
nas matrizes. Assim, o País paga
elevados royalties em favor delas, que contabilizam, como investimento em
P&D, numerosas horas de engenharia aplicadas nos testes.
21.
Essa é,
portanto, uma das rubricas usadas pelas transnacionais para remeter ganhos ao
exterior, obtidos com os elevados preços do mercado brasileiro, acrescidos
dos subsídios que o “poder público”
brasileiro presenteia as montadoras, ademais das isenções e reduções
fiscais.
22.
Os
insumos importados a preços superfaturados são outro grande conduto de recursos
para o exterior, resultando, ao mesmo tempo, no preço final elevadíssimo no
mercado brasileiro.
23.
Os mais
importantes deles são os motores, que não são desenvolvidos no Brasil.
Fabricam-se aqui, mas sempre por transnacionais, como ocorre com a maior parte
das autopeças, indústria que, até os anos 70, era controlada em cerca de 80%
por empresas de capital nacional.
24.
Esses
são dados da realidade demonstrativos de que, embora tenha crescido
quantitativamente, a produção no Brasil decaiu qualitativamente. O atraso é
espantoso não só em relação aos países asiáticos - que se industrializaram muito
depois do Brasil - mas também em relação aos progressos havidos, enquanto teve
governo passavelmente autônomo, i.e., na Era Vargas.
26.
Com a
deposição de Vargas em 1945, deu-se o primeiro retrocesso, convertendo-se a
produção para motores de eletrodomésticos. Em 1949, a FNM iniciou a fabricação de
caminhões, retomada em 1951, em associação com a estatal italiana Alfa-Romeo,
com Vargas de volta.
27.
Depois,
a fábrica de Xerém, RJ, produziu novo modelo do exitoso caminhão FNM e depois o
automóvel de passeio Alfa-Romeo JK, mas, em 1968, o governo do novo golpe
militar fez alienar a FNM para a empresa italiana, mais tarde privatizada em
favor da Fiat.
29.
O
resultado disso espelha-se na balança comercial do 1º quadrimestre de 2012: as exportações de automóveis somaram US$ 1,2
bilhão, enquanto as importações atingiram US$ 3,3 bilhões.
30.
Segundo
o estudo do IPT, Volkswagen, General Motors e Fiat desenvolveriam alguma
tecnologia local, em produtos aqui concebidos, como o Fox, da Volks, e a Meriva,
da GM.
32.
Mas não
são desenvolvimentos significativos. Pior: em qualquer caso, pode-se ter
certeza que eles se tornam propriedade das transnacionais, protegida por
patentes.
33.
Na
realidade é para
isto que a Volkswagen
ganhará mais um subsídio: o financiamento pelo BNDES (BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social),
no montante de nada menos que R$ 342 milhões para “desenvolver” um subcompacto e
um sedã, e “modernizar” modelos existentes.
34.
Como
assinala o economista Paulo Kliass, em artigo
publicado em 13.07.2011, “Prioridades do governo, BNDES e
indústria do automóvel”, trata-se de modelos já vendidos em outras praças, como o
supercompacto “Up”. O crédito, da linha “Proengenharia” do BNDES, serve para
gerar valor agregado no exterior.
35.
Aduz
Kliass: “Os projetos chegam aqui prontos e acabados”. Lembra, ainda, que o BNDES já havia favorecido a
Renault, em projeto semelhante, com R$ 374 milhões para “adaptação de
veículos ao clima e às condições de ruas e estradas do País. Uma
loucura!”
36.
Poder-se-ia
concluir que o BNDES – com “N” de “Nacional” – dissipa recursos fazendo de conta
que as transnacionais sejam brasileiras, por ocuparem os mercados do País e
exercerem poder sobre o “governo”.
37.
Leonardo
Sakamoto, em 03/07/2012, no seu blog, apud Folha SP informa que as
montadoras planejam demitir, apesar do aumento de vendas trazido pela redução de
IPI. GM e Volkswagen abriram programas de demissão voluntária, e a GM estuda
fechar a linha de montagem em
São José dos Campos e extinguir 1.500 vagas, segundo o
sindicato de metalúrgicos local.
38.
Cita,
ademais, matéria do Estado de São Paulo, conforme a qual, desde a crise
internacional, o governo brasileiro abriu mão de R$ 28 bilhões em impostos para
a indústria automobilística, e esta enviou, ao exterior, no período, US$ 14,6
bilhões. Saliento que essa cifra não inclui o grosso da transferência real dos
lucros.
39.
Sakamoto
assinala que, na lógica que as transnacionais impingem ao “governo”, o Estado
ajuda as empresas, mas estas não devem sofrer intervenção alguma: “um
liberalismo de brincadeirinha, com o Estado atuante, mas subserviente ao poder
econômico, em que o (nosso) dinheiro deve entrar calado ...”
40.
Recorda
Gabriel Barros, do Instituto Brasileiro de Economia da FVG: “A indústria
automotiva do Brasil tem 60 anos e a da Coreia do Sul, 35, e eles são tão mais
competitivos, que o consumidor consegue perceber isso simplesmente entrando no
carro”. Ele não explica, porém, que na Coréia do Sul a indústria é de
capital nacional.
41.
Nos
âmbitos estadual e municipal, os subsídios não são menos escandalosos que na
esfera federal. Ancelmo Gois, em O Globo , de 20.06.2012, informa que
Andrea Calabi, secretário de Fazenda de São Paulo ficou “escandalizado” com o
incentivo fiscal dado a duas montadoras por Sérgio Cabral, “governador” do Rio
de Janeiro: “O
governo fluminense vai financiar 80% do ICMS em 50 anos, com 30 de carência,
para Nissan e PSA (Peugeot/Citroen). Juntos, os benefícios chegam a R$ 10
bilhões. A medida é insana. Outras empresas e setores vão querer as mesmas
condições...”
*Adriano
Benayon
é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento,
editora Escrituras SP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.