18/8/2012, *Luis Casado, La Izquierda/La Pluma, Red de
Prensa No Alineada
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Cada
um celebra os aniversários que possa, e aí estão os alemães “festejando” os dez
anos das “Leis Hartz” (não confundir com Herz – coração, em alemão
– porque, de coração, Herr Hartz pouco tinha).
Peter Hartz |
Hartz,
DRH, como se diz agora – Diretor de Recursos Humanos – da Volkswagen, para
ver-se logo do que se trata, propôs a Gerhard Schröder, então Chanceler
socialdemocrata, uma série de reformas destinadas a flexibilizar o mercado de
trabalho, importante objetivo que também designam como “cagar nos
trabalhadores”. Suas propostas foram rapidamente aceitas e adotadas, o que
provocou a demissão do Ministro das Finanças Oskar Lafontaine e o racha no
Partido da Social-Democracia Alemã (PSDA).
As
Leis Hartz constituem hoje o óleo de rícino que a Alemanha tenta meter goela
abaixo dos países do sul da Europa, – como se fossem objeto de uma espécie de
Anschluss [conexão], para que recuperem a “competitividade”.
Schröder,
que chegou ao poder em 1998, rompeu em 1999 com o projeto keynesiano do Partido da
Social-Democracia Alemã (PSDA) [é o “PSDB/tucano”, só que alemão] (dividir o
bolo) e impôs medidas “liberais”, como único caminho que levaria ao nirvana. Com
Tony Blair – “meu maior êxito”, como dizia Margaret Thatcher – Schröder tentou
teorizar essa conversão ao neoliberalismo, sob o título pouco imaginativo de
“Terceira Via”.
Das
leis inspiradas pelo DRH da Volkswagen, a mais famosa é a lei “Hartz IV”, que
reformou o seguro-desemprego, em detrimento dos assalariados. Já mostrei em
várias ocasiões, que, para os neoliberais, o estímulo mais eficiente para a
laboriosidade e a produtividade dos desempregados é a fome: aí estão eles, de
volta. Trata-se exatamente disso.
Gerhard Schröder |
Ao
liberalizar o mercado de trabalho alemão, Schröder abriu a porta para que os
patrões pagassem salários de 400 euros mensais (239 mil pesos chilenos ou ~ 1000
reais), ou 1 euro/dia aos precarizados. Também se favoreceu o trabalho em tempo
parcial e o emprego “flexibilizado”. A Lei Hartz IV reduziu a indenização por
demissão a apenas um ano, sem considerar os anos de contribuição. Ao fim de um
ano de desemprego, todos os desempregados entram na categoria Arbeitlosengeld
II (indenização por demissão II), na qual recebem 374 euros mensais (223 mil
pesos chilenos ou ~ 930 reais). Daí em diante, o desempregado Hartz IV fica
submetido a controle permanente sobre sua vida e sua atividade de procurar
emprego. Antes de receber sua indenização – para a qual contribuiu de seu bolso
– tem de ter consumido a maior parte de suas economias. E tem de aceitar
qualquer emprego que lhe seja proposto pela agência de trabalho, inclusive com
salário de 1 euro/hora, tendo retida uma parte de sua pobre indenização.
Como
era de esperar, ser “Hartz IV” converteu-se numa modalidade de miséria, sob
outro nome. Todos tentaram escapar dessa qualificação, o que dinamizou o mercado
de trabalho a favor do emprego precário, que cresceu fortemente. Um dos efeitos
mais notáveis das leis Hartz foi a queda do custo da mão de obra para as
empresas: salário mínimo=lucro máximo – outro modo de interpretar a tal almejada
“competitividade”.
Outra
consequência está relacionada à queda do consumo e, portanto, à melhoria da
balança comercial alemã, em detrimento de seus sócios comerciais da União
Europeia. Mas até os partidários das Leis Hartz reconhecem que, a partir de
2005, só o crescimento mundial sustentou a economia alemã. Os produtos alemães
mantiveram-se com preços razoáveis, à custa de se apertar o cinto dos
trabalhadores alemães. A demanda interna continuou fraca até 2011 e ainda não
consegue sustentar o crescimento da economia alemã.
Curiosamente,
quando as contas alemãs estavam no vermelho, em 2005, Gerhard Schröder negociou
com Jacques Chirac a suspensão das sanções previstas no Tratado de Maastricht –
as mesmas que, hoje, Angela Merkel aplica com tanto rigor a Grécia e Espanha.
Tony Blair |
Antes
de deixar a Chancelaria alemã, Gerhard Schröder cuidou, sobretudo, do próprio
futuro: facilitou uns créditos para o conglomerado russo GazProm, que lhe
devolveu a cortesia e nomeou-o para uma de suas suculentas gerências. Tony
Blair, seu amigo de “Terceira Via”, aceitou um serviço de assessoria a bancos
norte-americanos, pela qual recebe um milhão de dólares/ano. Vê-se que, sim, a
social-democracia cuida bem dos trabalhadores...
Outra
consequência não desprezível tem a ver com o redesenho da estrutura política: a
esquerda do PSDA e um grupo de militantes sindicais aliaram-se a ex-comunistas
da Alemanha Oriental e formaram Die Linke [“A Esquerda”]. O PSDA, doente
até hoje, infectado pelas Leis Hartz, obteve 23% dos votos em 2009 – 19 pontos a
menos que em 1998 – o menor número de votos do pós-guerra. Os eleitores de
esquerda preferem ou Die Linke, ou os Verdes. Os centristas – inércia
natural? – apoiam Merkel, quer dizer, a direita. Como diz a imprensa europeia,
Gerhard Schröder foi o coveiro das ambições do PSDA.
Entretanto,
os efeitos das Leis Hartz permanecem: salários baixos, infância na miséria,
aumento das desigualdades. A tal ponto, que a direita alemã reconheceu, há pouco
tempo, a importância do salário mínimo para todos os ramos da indústria, e
também para o trabalho temporário e, isso, enquanto a Corte de Karlsruhe já
obrigou o governo a recalcular o montante das indenizações por número de filhos.
Ninguém
por aqui inventou coisa alguma.
No Chile, as Leis Hartz chamam-se “Leis da
Concertação”. E Merkel, à chilena, chama-se “Piñera”.
*Luis
Casado:
É engenheiro formado no Centre d'Etudes
Industrielles Supérieures (CESI - Paris), foi professor visitante no Institut National des
Telecommunications, na França e consultor do Banco Mundial. Como empresário
foi premiado pela Câmara de Comércio e Indústria de Paris (Inovação Tecnológica
- 2006). Juntamente com Armando Uribe Echeverria é editor
em Paris (Ed. Du Relief). Editor de “Politika”, publicou
vários livros no Chile e na Europa. Em 2009 ajudou a fundar o Partido de
Esquerda (PAIZ). Colaborador de La Pluma.
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