16/8/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Reunião de Chefes de Estado da Organização de Cooperação Islâmica. Meca, Arabia Saudita em 14/8/2012 |
Não
há dúvidas de que a coisa-lá foi, sim, GRANDE. Lá estavam todo mundo que conta e
mais o resto. O emir do Qatar, o presidente Mursi do Egito, o presidente Gul da
Turquia, Mahmud Abbas da Autoridade Palestina, Hamid Karzai, O Afegão, o
Primeiro-Ministro Zardari do Paquistão, Marzouki novo líder da Tunísia, o Rei
Abdullah da Jordânia, o Presidente Mahmud Ahmadinejad do Irã em pessoa. Todos os
57 estados-membros da Orgranização de Cooperação Islâmica [orig. Organization
of Islamic Cooperation (OIC)] – representando nada menos que 1,5 bilhão de
muçulmanos em todo o planeta.
A
rede Arab News não resistiu à mais pura poesia.
Observem:
“Em Meca, noite passada, viam-se a Santa
Kaaba e a Grande Mesquita banhadas em luzes brilhantes. A alta
Torre do Relógio cintilava em luzes verdes, na noite clara, sem luar. Com a voz
calorosa do muezzin ainda
reverberando na cidade montanhosa em Isha, acalentando os corações, os líderes
do mundo, sentados no Palácio Al-Safa, junto à Grande Mesquita, repetiram com
ele:Allah-o-Akbar [Deus é
grande]”. [1]
Allah
Akbar sim,
sem dúvida alguma. E em seguida começou a sessão de negócios nos quais são
mestres todos os “líderes” ali reunidos: bater boca & puxarem-se mutuamente
os tapetes. E suspenderam da OIC, a Síria. E acabou a parte pública da discussão
patrocinada pelo “respeitado líder do mundo islâmico e Zelador das Duas Santas
Mesquitas, rei Abdullah”, com ideias sobre “como unificar e fortalecer o mundo
muçulmano assolado pela crise”.
A
parte importante – da qual nada transpirou para o mundo exterior – foi o que
sauditas, iranianos e turcos realmente discutiram por trás das portas de Meca,
depois que o muezzin de voz calorosa que acalenta corações já fora
dormir.
Para
efeito externo, os notáveis de Meca aprovaram três resoluções: suspenderam a
Síria; reconheceram a Palestina como estado soberano (mas a Palestina foi
tratada como nota de rodapé); e defenderam a causa dos muçulmanos rohingya em
Myanmar (ninguém viu os militares tremendo de medo em Naypyidaw).
O
show do “Zelador das Duas Santas Mesquitas”
O
que o Zelador das Duas Santas Mesquitas parece ter perpetrado dessa vez foi um
esmerado golpe de Propaganda & Relações Públicas à moda de Washington.
Evidentemente foi instruído a sentar Ahmadinejad à sua esquerda e o Emir do
Qatar à sua direita. A mensagem gráfica é: esse triunvirato (duas potências
sunitas wahhabistas e uma potência xiita khomeinista) está decidindo o futuro do
Oriente Médio. Nós, os wahhabistas, não estamos obrando para destruir os
(amaldiçoados) xiitas (infiéis).
Muita calma nesta hora. Meu colega
Kaveh Afrasiabi já escreveu que Teerã pode, isso sim, ter caído numa armadilha:
estavam esperando um verdadeiro esforço de mediação e de diálogo político
efetivo, não o que encontraram na reunião (suspensão e, eventualmente, expulsão
da Síria, aliada do Irã).[2]
Por
trás das declarações melífluas, fato é que a Casa de Saud e Teerã não concordam
– nem haveria como ou por quê concordarem – sobre, pode-se dizer, coisa alguma.
No máximo, alguma coisa como “manteremos contato” – espécie de versão Meca do
velho bom telefone vermelho entre EUA e URSS. O “Zelador das Duas Santas
Mesquitas” pediu “solidariedade, tolerância e moderação” (itens que
absolutamente não se veem, enquanto a Casa de Saud – e o Qatar – armam gangues
de foras-da-lei e farta coleção de jihadistas-salafistas degoladores, na
Síria).
A
OIC, como grupo, defendeu a “unidade, soberania, independência e integridade
territorial da Síria”, exatamente ao mesmo tempo em que a Casa de Saud e o Qatar fazem
o que podem para acabar, precisamente, com os mesmos itens. Nisso, a OIC é como
uma extensão do Conselho de Cooperação do Golfo (cujos demais membros são
Bahrain, Kuwait, Omã, Qatar e Emirados Árabes Unidos). Vários países – do
sudeste asiático à África – deram sinais de extremo incômodo com o arranjo, mas,
no fim, obedeceram ao que ordenava o “Zelador das Duas Santas Mesquitas”.
O
mesmo “Zelador” também quer arranjar um “centro para diálogo”, em Riad. Estão
abertas as apostas: será que o “centro” investigará para saber quem é o
verdadeiro responsável pela guerra já praticamente declarada entre sunitas e
xiitas, em toda a
Ummah ? Imaginem a cena: o tal “centro” investiga e
descobre que os protestos no Bahrain são legítimos; tão legítimos quanto os
protestos na província leste da Arábia Saudita. Tão legítimos quanto o que
aconteceu ano passado na Praça Tahrir no Cairo (não há quem não saiba que a Casa
de Saud tremeu de horror, ao ver seu aliado Hosni Mubarak desafiado por legiões
de jovens urbanos modernos).
O
“Zelador” disse também: “A nação islâmica
vive em estado de sedição e desunidade que levou à matança do próprio povo nesse
mês santificado, em muitas partes de nosso mundo islâmico”.
Em matéria de sedição – em árabe,
fitna – é absolutamente impensável e inadmissível que o “Zelador” e os
príncipes da Casa de Saud não conheçam muito bem o “Plano Yinon”[3] e
muitíssimos outros planos, cujo fundamento de “dividir para governar” é aplicado
invariavelmente para incitar guerra sem fim entre sunitas e xiitas, com lista
enorme de subdivisões, entre as quais muçulmanos x cristãos; árabes x persas;
turcos x persas; árabes x turcos; e – por que não? – curdos x turcos.
É
exatamente o que se vê em ação, com a ampliação (prevista ou inesperada) da
guerra por procuração na Síria e correspondentes tiros pela culatra.
Por
que não fazer as duas coisas, ao mesmo tempo, por duas vias?
O
“Zelador” parece ter vendido a noção de que o Irã e o CCG estão conversando –
embora estejam os dois agarrados, um à garganta do outro, na prática. Mas a
agenda da Casa de Saud continua extremamente tortuosa; talvez não sonhem com um
Irã destroçado, mas com certeza querem um Irã muito enfraquecido, seja mediante
sanções ocidentais, seja mediante potencial ataque israelense. Não é segredo que
o CCG deseja furiosamente que Israel ataque o Irã; haveria bons frutos a colher
e júbilo secreto se se criasse uma potência xiita regional muito enfraquecida,
ao mesmo tempo em que seria possível condenar publicamente a agressão
israelense.
Pepe Escobar |
Mas
a farsa está longe de superada. No prosseguimento, Teerã já convidou o “Zelador”
para a reunião do Movimento dos Não Alinhados (MNA) a acontecer no final desse
mês. Boa chance para descobrir se a Casa de Saud, o Conselho de Cooperação do
Golfo e o Irã têm real interesse em por fim à fitna, além do efeito
“aparecer bem na foto”.
Não
há ainda qualquer garantia de que os “líderes” de 1,5 bilhão de muçulmanos terão
ALGUM DIA ação conjunta comum.
Nem
Alá em pessoa consegue fazê-los ver a luz.
Notas de
rodapé
[1] 15 de agosto de
2012, ArabNews, Siraj Wahab em: “Makkah summit spreads message of
global peace”.
[2] 16/8/2012, Asia
Times, Kaveh L Afrasiabi: “Saudis use summit
to isolate Syria”.
[3] “A Strategy for Israel in the Nineteen
Eighties”, Oded
Yinon, 1982, The Zionist Plan for the
Middle East (port.: O plano sionista para o Oriente
Médio)
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