sexta-feira, 28 de setembro de 2012

De Caracas às ruas de Paris: “Muito internacionalismo nos leva de volta às ruas de Paris”


28/9/2012, Alexis Corbière, Blog de Jean-Luc Mélenchon, Parti de Gauche [Partido de Esquerda]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Alexis Corbière
Escrevo de Caracas, Venezuela, de olho no relógio, porque tenho outros encontros marcados. Tenho de escrever depressa. (...) Já falei do deslocamento militante e insisto nisso. Estamos aqui para, modestamente (mas muito ambiciosamente), ajudar nossos camaradas que, há meses, estão plenamente engajados na campanha para as eleições presidenciais do dia 7/10, em apoio ao candidato Hugo Chávez.

Ter vindo para cá é útil para poder conhecer (ou, pelo menos, começar a conhecer) o processo político profundo que se desenrola aqui, já há vários anos, e que, em breve, ultrapassará mais uma etapa, daqui a só uma semana. Como três franceses como nós podemos ajudar os companheiros que trabalham aqui?

O que temos feito é falar, com a máxima clareza possível, do que a Europa vive hoje, a Europa e a França. Falamos da crise econômica e social que atinge em cheio o que, na Venezuela, é chamado “o velho continente”, e apresentamos as respostas e análises que a Frente de Esquerda vem construindo sobre essa crise, que é ameaça real a todo o mundo. 


Para fazer isso, aceitamos todos os convites para falar pelo rádio e pela televisão.

Ao programa “midiático”, somou-se ontem nossa participação, durante toda a tarde, num seminário organizado sob o título “O neoliberalismo do velho mundo versus o socialismo do novo mundo”

François e Corinne honraram o Partido de Esquerda francês, com a qualidade de suas contribuições. François falou do golpe-de-estado financeiro que atinge hoje a Europa. Corinne falou das consequências ecológicas dessa crise. Depois falei eu, para lembrar o perigo que é o crescimento da extrema direita na Europa, crescimento que se alimenta da crise provocada pelo neoliberalismo. A imprensa local comentou o seminário.

Logo depois de chegarmos aqui, fui convidado para um debate transmitido pela Rede TeleSur. Podem ver e ouvir o programa, de grande audiência, a seguir:


A curiosidade intelectual dos que nos recebem, militantes, jornalistas ou simples cidadãos é, para mim, impressionante. Constato que, aqui, o debate político é permanente.

Ninguém pode negar que nessa parte do mundo há um povo mobilizado, envolvido, implicado, que toma partido, escolhe campos. Vê-se e ouve-se pelas ruas. Reina aqui uma paixão política que aquece a minha alma militante.

Propaganda em Mural
Nas paredes, nos muros, nas varandas e janelas das casas, nas camisetas que vestem, todos exibem suas cores políticas. Sem dúvida os partidários de Chávez são maioria. É visível. Mas descubro, com certa surpresa, presença significativa de apoiadores de Henrique Capriles, candidato da direita, nas ruas de Caracas.

De fato, é o desmentido completo às bobagens que se publicam na França, dos de sempre, que só fazem repetir que as liberdades públicas estariam ameaçadas na Venezuela. Que grande mentira! E que vergonha para os que repetem sem saber esse tipo de mentira. Mas não subestimemos o problema. “Mentira repetida mil vezes vira verdade” – como ensinava o infame Goebbels, o nazista que conhecia muito bem os artifícios da manipulação da opinião pública.

Às vezes me pergunto se já não fomos apanhados, nós também. Conheço gente de boa fé, que tem sincera e real convicção de esquerda, muitos são meus amigos pessoais, e que me disseram várias vezes que eu tivesse cuidado, na Venezuela, que a situação aqui seria de semiditadura, ou que, no mínimo, o país vivia sob regime autoritário. Aqui, vendo as coisas como de fato são, me pergunto como é possível que essas asneiras tenham atravessado o oceano.

Jornais circulam livremente
A verdade é que a oposição a Chávez conta com consideráveis meios de propaganda, o que se constata por todos os lados, na rua. E, em casa, basta ligar a televisão. Mas aqui, diferente da França, vê-se que há divisão na opinião pública. Há canais de televisão diferentes! Conforme o canal a que você assista, a informação muda. Conforme o quarteirão da cidade por onde você ande, muda a proporção de cartazes para um e outro candidato. Se você anda pelos bairros populares, só se veem cartazes de Hugo Chávez, praticamente em todos os muros. Mas, se você anda pelos bairros ricos, praticamente só há cartazes de Henrique Capriles. Há um impressionante (para mim) recorte geográfico. Pode-se saber em que parte da cidade se anda, só de ler os muros das ruas.

Mas isso muda se se consideram as bancas de jornais. Ali, praticamente todos os jornais impressos só falam a favor do candidato da direita, desqualificando sempre a candidatura de Chávez. Não há dúvida de que, se se examinam os jornais expostos à venda nas bancas, há grande desequilíbrio a favor do candidato da direita.

A campanha do candidato da direita tem claro apoio dos jornais e televisões comerciais – o grupo Cadena Capriles, da família do candidato, é proprietário de vários jornais, entre os quais o influente Ultimas noticias. Pelo que dizem alguns estudos, 82% por cento das matérias publicadas na imprensa comercial sobre Capriles são favoráveis; e a proporção de artigos favoráveis cai para 26%, quando os jornalistas falam de Hugo Chávez. Na Europa, quem acreditaria? Visto aqui, salta aos olhos. Se a liberdade de imprensa está sob ameaça na Venezuela, o responsável por isso não é Chávez, como dizem tantos na França.

Portanto, quando Chávez diz, nos seus comícios, sempre muito maiores que os do adversário, que Capriles “é o candidato da burguesia”, além da correta caracterização política, está falando de uma realidade palpável: Henrique Capriles é, antes de qualquer outra coisa, o candidato da burguesia venezuelana, ultracatólica, proprietária dos principais jornais e redes de televisão, a mesma burguesia que habita bairros ricos e que tenta manter seus privilégios.

Se a clivagem é visível nos quarteirões mais afastados do centro, nas ruas do centro de Caracas os grupos de militantes dos principais candidatos também se distribuem em esquinas diferentes. Nas grandes avenidas, veem-se militantes de um, num dos lados da rua; e militantes do outro, na calçada oposta. Convivem, separados por alguns metros, com gritos, sim, uns contra os outros, mas, afinal, respeitando-se democraticamente. Gritam muito. Os alto falantes de um lado, tentam encobrir os do outro lado, com músicas e slogans. Mas não vi violência física nem policiais nas ruas.

O que se vê – e chamou-nos a atenção – é gente que ri. Os partidários de Chávez parecem-me sempre mais animados. Às vezes, num sinal de trânsito vermelho, levas de jovens militantes chavistas aparecem, não se sabe de onde, como uma onda festiva e colorida e compõem, com seus cartazes escritos à mão, feitos em casa, um painel de slogans favoráveis à revolução bolivariana. Quando o semáforo fica verde, eles novamente somem.

Não há dúvidas de que os partidários de Henrique Capriles são menos numerosos, menos animados e muito menos envolvidos na militância de rua. Também são menos convictos do que dizem, quando se fala com eles, mesmo que informalmente, nas ruas, que os que apoiam Hugo Chávez.

O que alguns jornais franceses publicam, sobre Capriles, mais confunde que informa. Nós conhecemos mais sobre Chávez, que sobre Capriles. Falo então, um pouco, sobre o candidato da direita.

É muito jovem, cerca de 40 anos. É herdeiro de uma das famílias mais ricas da Venezuela e esteve na linha de frente do golpe de 11/4/2002 contra Chávez, com um grupo de putschistas. Participou do ataque à embaixada de Cuba em Caracas. Também participou pessoalmente, pela força, na “neutralização” do então Ministro do Interior. Mas apresenta-se hoje como “humanista”, quase como se fosse de centro-esquerda. É devoto há muito tempo da organização internacional ultraconservadora “Tradição, Família e Propriedade” (TFP) próxima da “Opus Dei”, organização cujo ramo venezuelano foi fundado por Capriles.

Apesar da roupagem “quase-social” com que está sendo apresentado, seu programa real é liberal: quer privatizar setores estratégicos da economia que foram estatizados; quer a autonomia do Banco Central da Venezuela; quer por fim ao que chama de “capitalismo de Estado”, etc. Apesar do programa muito claramente privatista neoliberal e do pesado pedigree político, ainda há jornais franceses que o pintam como “homem de centro-esquerda”. É verdade que, na coalizão que o apoia, MUD, conta com o apoio da Ação Democrática (AD), ligada à Internacional Socialista. Mas é apoiado, sobretudo, isso sim, pela extrema direita. É isso. Na Venezuela, os amigos de François Hollande apoiam o candidato único da extrema direita.

É uma vergonha que a 2ª Internacional, que acaba de realizar um Congresso, apoie esse candidato reacionário. E não apareceu uma voz socialista francesa para denunciar esse escândalo.

Vale lembrar que Hugo Chávez conta com o apoio anunciado publicamente do ex-presidente Lula do Brasil, pelo qual os socialistas franceses fingem grande simpatia.


Nos comícios, para mascarar sua verdadeira filiação, Capriles sempre tenta conquistar votos da esquerda. Henrique Capriles apresenta-se como candidatura “leve” e tenta pegar todos os incautos. De fato, sua rede não pega ninguém. Ontem, por exemplo, numa reunião pública, lá estava Capriles, atacando o governo Chávez: “Nunca mais a escuridão entrará na vida dos venezuelanos” – disse ele. A frase diz muito sobre o desprezo que lhe inspira a obra social do atual governo, que já fez diminuir o analfabetismo e aumentou muito significativamente o acesso da população à saúde pública e o nível de vida das populações mais pobres. Que ninguém tome Henrique Capriles por candidato moderado.

Capriles é homem da direita dura, que, no momento, mascara seu projeto. Toda sua vida passada, contudo, mostra que é homem capaz de participar de golpe armado contra presidente eleito.

Quem não acreditar no que estou dizendo sobre quem é o verdadeiro Capriles, ou quem pense que Chávez teria o monopólio da palavra “agressiva”, pode ler (ou reler) no Libération da 2ª-feira passada. Ali, numa entrevista de página inteira (?!) em que só Capriles fala e Chávez nem foi ouvido, Capriles diz: “Aqui, vivemos um governo da esquerda mais retrógrada, que, por alguns de seus atos, assemelha-se ao fascismo”. UAU! Pois é. Nada mais, nada menos.

Aqui, nesse país apaixonado pelo beisebol, faz-se política como se se manobrasse um porrete. “Esquerda retrógrada”, “obscurantismo”, “fascismo”, a lista é longa, das calúnias, das loucuras que a direita publica livremente contra Chávez, em todo o mundo, ou, pelo menos, durante essa campanha.

Pois pasmem: para o jornalista do Libération e seu correspondente, isso seria apenas “a face amena d’O Anti-Chávez” que, segundo o simpático jornal da esquerda francesa, “faz Chávez tremer”. Quanta bobagem! Aqui na Venezuela, nenhuma das pessoas que encontro, em reuniões ou pelas ruas, está tremendo de medo, nem de Capriles nem da campanha do candidato da direita. Os números mostram: até as pesquisas mais favoráveis a Capriles mostram diferença mínima, a favor de Chávez, de 14%. E várias pesquisas mostram diferença de 20%, sempre a favor de Chávez.

Hugo Chávez vencerá. Mas está buscando vitória por grande diferença, para tentar neutralizar a infindável contestação que sempre vem, da direita. A direita absolutamente não aceita as repetidas derrotas que tem sofrido desde 1998 e insiste em apresentar-se como “injustiçada”.

Além do mais, o campo chavista não faz campanha apenas para ultrapassar os 50% dos votos. Trabalha também para convencer o maior número possível de eleitores, para conquistar base popular suficientemente ampla para poder avançar mais rapidamente nas reformas.

Por isso, os comícios de Chávez sempre são grandes momentos de pedagogia política, para convencer, convencer, convencer sempre mais. E funciona, porque a campanha de Capriles patina – diferente de tudo que a imprensa francesa insiste em noticiar.

Nossa presença aqui, para participar dessa campanha tão importante, é mais um episódio de uma luta que se trava no plano mundial.

Lutar na França contra as mentiras que se publicam contra a Revolução Bolivariana e o presidente Chávez está em perfeita coerência com explicar aqui, em Caracas, os motivos pelos quais, há apenas dois dias, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas, em Madrid, em luta contra a “austeridade”. Ontem, também havia centenas de milhares de pessoas nas ruas de Atenas. E o mesmo em Lisboa. E dia 30/9 será o dia de Paris manifestar-se.

Os franceses que queiram engajar-se na luta a favor dos companheiros da Venezuela, façam da manifestação do domingo, em Paris, um grande sucesso!

Escrevendo isso, lembrei-me de uma frase de Jean Jaurès:

“Um pouco de internacionalismo nos distancia de casa; muito internacionalismo nos reaproxima de casa”

De Caracas, desse apaixonante banho de internacionalismo, que já está para acabar, tudo me mantém cada vez mais próximo da necessidade de continuar a construir nossa Frente de Esquerda, empenhada cada dia mais em derrotar, também na França, as políticas de “rigor” e de “austeridade”.

Apesar de todas as diferenças que há entre França e Venezuela, nosso combate é fundamentalmente o mesmo.

Não se trata de copiar nem de cultuar “heróis”. Trata-se de nos inspirar a nunca desistir de uma experiência complexa e muito viva.

Na política, como no amor, é preciso às vezes afastar-se um pouco da rotina da vida cotidiana. Ganham-se perspectivas novas. Muito internacionalismo nos devolve, renovados, às ruas de Paris. 


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