segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Mitt Romney, Partido Republicano e América Latina


O confronto mais declarado de todos os tempos

19/9/2012, Mike Allison, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Romney critica Obama por não fazer o suficiente para proteger a fronteira EUA-México de "migrantes indocumentados" e não facilitar a movimentação de “trabalhadores documentados” do Sul
A dois meses das eleições nos EUA, Mitt Romney e o Partido Republicano começam a mostrar que ares terá sua política externa, se chegarem à Casa Branca. Mas, para os que esperavam que os Republicanos tivessem pensado com mais seriedade sobre a América Latina depois da última vez que ocuparam a Casa Branca, há poucas probabilidades de que governo Republicano de Romney venha a melhorar as relações entre EUA e América Latina, considerado o ponto em que hoje estão.

Mike Allison
Infelizmente, o que se vê é que o Partido Republicano optou por abordagem mais confrontacional com a América Latina, que com qualquer outra região do mundo.

A plataforma dos Republicanos [1] para essa eleição, sobre a liderança dos EUA na Comunidade do Pacífico asiático, começa com conclamação à solidariedade: “Somos nação pacífica, com laços econômicos, militares e culturais com todos os países do contorno oceânico, de Austrália, Filipinas e as ilhas dos nossos Estados Livremente Associados nas ilhas do Pacífico, até o Japão e a República da Coreia”.

Mas sua discussão sobre “Estreitar laços nas Américas” começa mal: “Resistiremos contra influência estrangeira em nosso hemisfério”. Os Republicanos estão preocupados, sobretudo, com o que consideram atividade de desestabilização, pelo Irã e o Hezbollah na região [2]. Mas no momento, ao que parece, seus medos não são partilhados por nenhum outro governo no hemisfério. E o mesmo vale para Cuba e Venezuela.

Os eleitores Republicanos poderiam estar preocupados com ameaças vindas de Cuba e Venezuela, mas esses países tampouco despertam preocupações entre outros países da região. Cuba e Venezuela participam atualmente das conversações de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o governo da Colômbia.

Nas questões econômicas, as principais críticas de Romney concentram-se contra a abordagem do governo Obama para a América Latina; Romney entende que Obama falhou ao não enviar ao Senado, para rápida ratificação, acordos de livre comércio com Panamá e Colômbia. O candidato diz que teria feito isso imediatamente depois da posse, se tivesse sido eleito em 2008.

Sobre o que fará imediatamente logo no primeiro ano de governo, Romney prometeu [3] “lançar vigorosa diplomacia pública e esforço de promoção de comércio na região – a Campanha para Oportunidade Econômica na América Latina [orig. Campaign for Economic Opportunity in Latin America (CEOLA) – para exaltar as virtudes da democracia e do livre comércio e construir a partir das vantagens dos acordos de livre comércio que se obtenham com Panamá e Colômbia, e com os já vigentes com Chile, México, Peru e os estados-membros do CAFTA (Central American Free Trade Agreement).

Nada muda, se não há unanimidade sobre benefícios que os acordos de livre comércio tragam aos EUA e aos países citados, mas poucos dos países aí não citados da América Latina – Equador, Bolívia, Venezuela, Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Cuba – estão atualmente interessados no tipo de livre comércio que os EUA exportam. E não se trata de explicar, mais uma vez, àqueles países, os benefícios do livre comércio. Melhor fariam os EUA se reforçassem os acordos vigentes com nossos parceiros comerciais no hemisfério, cuidando de oferecer às populações mais vulneráveis na região comércio mais livre e mais justo.

Romney espera que a CEOLA possa “preparar o cenário para que nações de toda a América Latina engajem-se na Zona Econômica Reagan [orig. Reagan Economic Zone] e para a criação de relações econômicas mutuamente benéficas entre a região e os EUA”. Mas, ao batizar a iniciativa como “Zona Econômica Reagan”, o governador Romney pode já ter bombardeado a própria iniciativa já antes, até, de assumir algum governo.

Uma coisa é promover o presidente Ronald Reagan como força a favor da democracia no mundo, em campanha para obter a indicação dos Republicanos, há alguns meses. Outra coisa, bem diferente, é usar seu nome e seu legado para promover reformas econômicas e democracia numa região onde muitos – inclusive vários dos atuais presidentes – associam o mandato do ex-presidente dos EUA com tortura, desaparecidos, assassinatos e outras violações de direitos humanos. E não é só sobre a história recente que Romney e os povos das Américas divergem.

O coordenador geral da campanha de Romney disse recentemente que o presidente James K Polk [4] é bom modelo para a presidência de Romney. Ao mesmo tempo, os Republicanos andam à caça do voto dos latinos. Que sentido, portanto, faria comparar aproximativamente Romney e o Presidente Polk? A “Guerra Polk” – como é conhecida a guerra entre México e EUA e a invasão do México pelos EUA – resultou em os EUA tomarem quase metade do território mexicano (pelo Tratado de Guadalupe Hidalgo, em 1848).

Os Republicanos estão preocupados 
com o que consideram “atividade 
desestabilizadora” do Irã na AL.
Outra preocupação que aparece com destaque na plataforma dos Republicanos, com a América Latina tem a ver com o tráfico de drogas. Em meses recentes, líderes do governo e da sociedade civil vêm debatendo os méritos da descriminalização. Presidentes e ex-presidentes, além de cidadãos com diferentes inserções, têm conclamado os EUA a reconsiderar seriamente a abordagem militar-armada, na questão das drogas.

O governador Romney e os Republicanos, com razão, têm chamado a atenção para o dano que a “guerra às drogas” tem provocado na América Latina. [5] Sob vários aspectos, a proposta de Romney e dos Republicanos é similar ao modo como o presidente Obama aborda a questão regional das drogas. Mas, diferente de Obama, Romney não faz qualquer referência a responsabilidade compartilhada dos EUA, nos quadros de violência na região.

Jamais fez qualquer menção a diminuir a atividade dos EUA na região, como fator necessário para reduzir a violência. Nada diz sobre reduzir o fluxo de armas dos EUA para o México ou sobre fortalecer a democracia e o estado de direito. Nessa mesma linha, como seria de esperar, nem Romney, nem os Republicanos parecem considerar sequer a possibilidade de qualquer descriminalização de narcóticos ilegais.

Romney e o Partido Republicano “propõem um esforço unificado contra o crime e o terrorismo, com inteligência coordenada e reforço aos nossos aliados regionais, além de treinamento militar aos exércitos locais e compartilhamento de inteligência com o México, cujo pessoal está resistindo ao assalto selvagem dos cartéis da droga”. Não está claro que diferença haveria entre isso e o que o governo Obama está fazendo.

De fato, as declarações de Romney levam a temer que, no governo, os Republicanos teriam abordagem ainda mais militarista, no trato dos problemas de produção e tráfico de droga nas Américas. (...)

Relações Brasil-EUA

Uma das áreas em que Romney poderia criticar, com acerto, a abordagem do presidente Obama em relação à América Latina diz respeito ao Brasil. O Brasil é a 6ª economia do mundo, com população de aproximadamente 200 milhões. Em anos recentes, o Brasil adquiriu posição de liderança no hemisfério e em todo o mundo.

Obama cometeu gafe grave, no início desse ano, ao não recepcionar a presidenta Dilma Rousseff do Brasil com cerimonial de Jantar a Chefe de Estado. [6] Também tem sido muito criticado por não apoiar decididamente o pleito brasileiro, que aspira a assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

O que faria um presidente Romney no relacionamento com um dos mais importantes parceiros dos EUA no hemisfério? Não se sabe: o Brasil é dos mais importantes ausentes da plataforma de governo do Partido Republicano e de todas as discussões de Mitt Romney, quando fala da América Latina.

Dentre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é o único sobre o qual não há qualquer referência na plataforma do Partido Republicano, no item “Relações Exteriores”, do capítulo sobre o “Excepcionalismo Norte-americano” [7]. Quanto à Rússia, só se diz que “O heroísmo – e o sofrimento do povo russo – merecem o respeito do mundo”. Sobre a Índia: os EUA “veem com bons olhos relacionamento mais forte com a maior democracia do mundo, a Índia, no plano econômico e cultural e em termos de segurança nacional. Nesse documento, afirmamos e declaramos que a Índia é nossa aliada geopolítica e parceira comercial estratégica”.

E no Leste... “Consideramos bem-vinda a emergência de uma China pacífica e próspera e será também bem-vindo desenvolvimento cada vez maior de uma China democrática”. Não é grande coisa, mas Rússia, Índia e China pelo menos são lembradas na política exterior de Romney. Ao Brasil, nem referência. [8]

Plataformas de partidos políticos publicadas durante campanhas eleitorais nem sempre refletem acuradamente o que qualquer partido ou candidato planeja efetivamente fazer, se eleito. No caso de os EUA chegarem a ter um presidente Romney, esperemos que o que se lê sobre a América Latina [9] na plataforma que os Republicanos publicaram nada tenha a ver, de fato, com o que vier a ser feito.


Notas de rodapé e dos tradutores

[2] 6/9/2012, The Nicaragua Dispatch, Tim Rogers em: Nicarágua: no comment on reports of Hezbollah activity (em inglês).
[4]  5/9/2012, Foreign Policy, Joshua Keating em: What would a Polkian presidency look like?(em inglês).
[5]  Idem nota [1].
[6]  6/4/2012, Reuters, em: What Brazil wants from White House visit: dinner(em inglês).
[7]  Agosto de 2012, Republican Platform 2012 (em inglês).
[8]  Sobre isso ver: 8/9/2012, redecastorphoto, Vila Vudu: O Brasil no relatório/plataforma política do Partido Democrata (EUA)”. 
[9] A Rede Al Jazeera acrescentou originalmente o vídeo: “Counting the Cost: The rise of Latin America” [trad. Contabilizando o Custo: A ascenção da América Latina] que o pessoal da redecastorphoto considerou interessante e decidiu inserí-lo a seguir, em inglês:

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