sábado, 8 de setembro de 2012

Estranha, assustadora semelhança com o Afeganistão


6/9/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Yuri Ushakov
Yuri Ushakov, funcionário do Kremlin, revelou que Washington solicitou e Moscou concedeu um encontro entre a secretária de Estado Hillary Clinton e o presidente Putin, durante a conferência dos países da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation) que se realiza em Vladivostok, dias 7-9/9/2012. Mas será conversa rápida, à margem da recepção de rotina que Putin oferecerá aos dignitários visitantes, nada de propriamente “bilateral” como outros encontros já agendados com outros 15 líderes mundiais, entre os quais o presidente Hu Jintao.

Ushakov disse que o principal interesse de Putin é conhecer a opinião de Clinton sobre a cena político-eleitoral nos EUA [1]. É revide, claro, pela excessiva interferência dos EUA nas eleições presidenciais russas e, em geral, nos assuntos domésticos da Rússia. Mas falarão da Síria.

Putin pode já ter definido a marcha dessa conversa com Clinton em entrevista na qual bateu duro, ao canal de televisão Russia Today. Foi bastante enfático ao comentar a política dos EUA para a Síria. Faltou pouco para que dissesse que Washington já está mancomunada com afiliados da al-Qaeda na campanha na Síria para derrubar o governo do presidente Bashar Al-Assad.

Vladimir Putin
Sarcástico, Putin sugeriu, a certa altura, que Washington bem poderia “destrancar Guantánamo, armar os prisioneiros que vivem lá e mandá-los lutar na Síria”. Curiosamente, Putin elaborou sobre uma comparação entre a Síria e a jihad afegã dos anos 1980. Disse:

Você sabe, quando alguém quer muito alcançar determinado resultado, todos os meios servem. Tentam por bem e tentam por mal – sem nem pensar nas consequências. Foi o que aconteceu na guerra afegã, depois que a União Soviética, em 1979, mandou tropas para o Afeganistão. Naquele momento, nossos atuais parceiros apoiaram um movimento rebelde e essa associação, basicamente, fez nascer a Al-Qaeda, criatura que, adiante, atacou seu criador. Hoje, há quem queira usar militantes da al-Qaeda e de outras organizações com posições igualmente radicais, para alcançar seus objetivos na Síria. É política temerária e de visão muito estreita.

Há um mês, escrevi, no Deccan Herald, que há um “estranho paralelo” entre a Síria e o Afeganistão [2]. O processo de pensamento foi recolhido, semanas depois, por Atul Aneja [3] do jornal The Hindu. Agora, vejo que o “estranho paralelo” ocorreu também a David Ignatius, colunista do Washington Post. É interessante, porque Ignatius é terrivelmente bem informado sobre Washington.

David Ignatius
Em coluna publicada hoje no WaPo, sob o título “Síria e o assustador paralelo com os anos 1980s no Afeganistão” [4] Ignatius manifesta profundo incômodo com a política dos EUA e a compara à tragédia afegã. Interessante, a coluna aparece três dias depois da visita bate-e-volta do chefão da CIA, David Petraeus, à Turquia. Há seis meses, Petraeus também esteve na Turquia; da visita, resultou a implantação de agentes da CIA em solo turco, para dali coordenarem operações clandestinas dentro da Síria.

Se Ignatius tem informações sobre a política dos EUA na Síria, não há dúvidas de que o governo Barack Obama anda assediado por muitas dúvidas sobre as táticas que estão aplicadas atualmente na operação síria. Ainda mais interessante, contudo, é o ponto de interrogação dubitativo que Ignatius acrescenta à ideia de os EUA continuarem a apoiar a “dinâmica sunitas-xiitas da guerra”. Escreve o seguinte:

A fúria contra os xiitas e seus patrões iranianos foi propulsor útil para que EUA e Israel mobilizassem a oposição sunita contra Assad o qual, como alawita, é visto como parte do Crescente Xiita. Mas essa é batalha envenenada e potencialmente ruinosa, do tipo que quase destruiu o Iraque e o Líbano e está hoje lançando a Síria em pleno Inferno. Os sauditas querem combater os xiitas, sim, não só em casa mas também no Bahrain ou em Qatif na província leste do reino. Os EUA não devem reforçar o elemento sectário que há nesse conflito.


Claro: muitas vezes Ignatius escreve apenas para desviar a atenção. Os russos avaliam que não se trata de os EUA acompanharem os sauditas no caso da Síria, mas o contrário. Foi o que respeitado especialista em Oriente Médio escreveu essa semana: [5]

Bashar al-Assad
Do modo como Moscou vê o quadro, a Arábia Saudita é jogador chave num plano dos EUA que visa a criar uma frente unida sunita contra o Irã (velha ideia que Washington tentou por em prática, pela primeira vez, nos anos 1980s). Se o governo de Bashar al-Assad cair, Teerã terá perdido seu último aliado no Oriente Médio.

É possível que Ignatius esteja – sem saber, talvez – apenas desviando a atenção para o verdadeiro objetivo da missão de Petraeus [6] na Turquia? Só o tempo dirá. E, por falar nisso, da Turquia Petraeus viajou para Israel.

Lê-se a transcrição da entrevista de Putin à televisão, em inglês, na página do Kremlin. [7]



Notas de rodapé
[1] 6/9/2012, Itar Tass News Agency em: Putin and Clinton to meet on APEC summit sidelines”.
[2] 10/8/2012, Deccan Herald, M.K. Bhadrakumar em: Strange parallel”.
[3] 27/8/2012, The Hindu, Atul Aneja em: Shades of Afghanistan in the Levant.
[4] 5/9/2012, Washington Post, David Ignatius em: “Syria’s eerie parallel to 1980s Afghanistan”.
[5] 5/9/2012, Rianovosti, Alexey Pilko em: Russia–Saudi Arabia: Strained Relations”.
[6] s/d, Turkish Week, em: CIA Chief Petraeus Pays Surprise Visit to Turkey”.
[7]6/9/2012, em Russia Today, KevinOwen em: President of Russia Interview to Russia Today TV Channel”.  
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MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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