quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Pepe Escobar: “Ainda à cata do sonho americano”


6/9/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

NEW YORK. “Não parem... de pensar no amanhã!” [1] Os Fleetwood Mac [2] voltaram! Os loucos anos 1990s voltaram! Tio Clinton-Bubba-meu-rei [3] voltô prá-casa. O sonho americano voltou com estrépito. O pesadelo acabou. 

Pepe Escobar
Acabou?!

Que político vivo, em qualquer canto do mundo, rivalizaria, em carisma, com o ex-presidente Bill Clinton dos EUA? E, além do carisma, também a fala (sempre substanciosa) e a serena autoridade. Sua Carismidade trouxe todos os seus dons e os depôs aos pés do presidente Barack Obama dos EUA, na Convenção do Partido Democrata em Charlotte, North Carolina. É possível que, sozinho, tenha conseguido a reeleição para Obama.

Bill Clinton
Mestre Tio Clinton-Bubba-meu-rei conseguiu vender o mais rarefeito ar engarrafado, a mais rarefeita das esperanças: uma promessa não cumprida, cuja alma transmigrou para Obama, que foi ali transmutado e convertido em único canal que poderá levar os eleitores àquela há tanto tempo empalidecida felicidade incompleta perdida dos anos 1990s.

E tudo baseado só em retidão fiscal e ímpeto humanitário; orçamento equilibrado; impostos mais altos para os absurdamente ricos; proteção para uma classe média já quase na lona; preocupação profunda com o suplício dos pobres e excluídos.

E feito, tudo, numa porrada – pegou e rasgou, meticulosamente, em pedacinhos, cada uma das “questões” Republicanas, em detalhes e com precisão quase dolorosa.

Comparem esse golpe e a cadeira vazia, semana passada, que derrotou um envelhecido ícone hollywoodiano – para nem falar do patético, miserável candidato Republicano à presidência. Tudo isso depois que a Primeira Dama Michelle Obama também já o jogara o adversário para fora do ring, na véspera. Michelle – para incorporar uma metáfora do futebol latino-EUA – fez un golazo!

Michelle Obama para presidente? Com certeza, Michelle Obama para o presidente dela. Clinton foi todo urgência, exigência. Michelle foi toda sobre o tipo de homem que vive e respira, dentro de complexas decisões políticas.

Casal Romney
Comparem isso e o casal Romney. Por mais que seja difícil escapar do explosivo subtexto racial, é caso, mais, da rica realeza norte-americana branca, certa de seus direitos assegurados por Deus versus “os usurpadores” – um casal de negros de combate, que alcançaram o sonho americano, de baixo para cima, porque são talentosos e cheios de pique.

Para citar o interlocutor Cadeira Vazia, “o cara tem de responder, na coragem: e agora, você confiaria em quem?”

Michelle deu uma de Tio Clinton-Bubba-meu-rei ao associar - direta e profundamente - a biografia de Barack narrada por ela às decisões políticas do presidente Obama. Ninguém poderia desejar entonação política mais poderosa. Um exemplo: “Éramos tão jovens, tão apaixonados e tão endividados...” – por causa de um empréstimo para estudar, ainda mais caro que a hipoteca que pagavam para morar. E a linha de ataque: “Por isso Barack tanto lutou para aumentar a ajuda para quem estuda”.

Aprender a esquecer

Contudo, a questão chave que atravessou todos aqueles discursos atentamente construídos e polidos, às vezes muito duros - na convenção dos Democratas – do governador de Massachusetts, Duval Patrick; ao prefeito de San Antonio e nova sensação dos EUA latinos, Julian Castro – foi se os EUA estão hoje em melhor situação do que há quatro anos. Não haveria avaliação positiva possível, se se deixassem prender nesse paletó apertado.

Michelle Obama
Então, trataram de ampliar o prazo. De Michelle ao Tio Clinton-Bubba-meu-rei, todos afirmaram que o Obama real, o grande centro-avante artilheiro do sonho (restaurado) da classe média dos EUA, só poderá brilhar, ou, no mínimo, só poderá começar a mostrar seus poderes e cumprir tudo que prometeu, se obtiver um segundo mandato.

Fato indiscutível é que Michelle e, sobretudo, Tio Clinton-Bubba-meu-rei, foram suficientemente transcendentes para fazer esquecer, dentre outras coisas, todos os traços da desastrada (para dizer o mínimo) política externa de Obama – da promessa quebrada de fechar Guantánamo, ao frenesi das guerras clandestinas movidas a drones.

Deem uma olhada na plataforma política dos Democratas.[4]

Sob um mar de platitudes, é mais que visível um confronto com a China como possível concorrente. O Oriente Médio é, essencialmente, questão de “inabalável compromisso” com “a segurança de Israel”; e “robusta cooperação no campo da segurança” com as petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo, aqueles exemplares ímpares de governantes democráticos. O Irã não passa de praticante agressivo de “atividades desestabilizantes”.


Hillary Clinton
Tudo isso, enquanto a secretária de Estado Hillary Clinton chega a Pequim para, mais uma vez, dar lições aos chineses. Como diz, sem piedade, o Global Times:

“Clinton fracassa como secretária de Estado e sonega aos americanos a mais simples lógica: no longo prazo, os EUA serão forçados a cooperar com a China e a competir em pés de igualdade; com o tempo, terão cada vez menos recursos para dominar ou subjugar a China.” [5]

E ainda sem falar que Michelle e Tio Clinton-Bubba-meu-rei também tornaram possível esquecer o mantra de Tio Clinton-Bubba-meu-rei – “é a economia, estúpido!” – de modos que, com certeza, nem a Primeira Dama nem o ex-presidente algum dia previram.

O colapso de Lehman Brothers – o quarto maior banco de investimentos dos EUA – completará quatro anos na semana que vem. Foi a palha que quebrou a espinha do camelo financeiro – desencadeando um desastre global que ainda não acabou. Para lembrar Rimbaud, foi esse “Barco Bêbado” [6] financeiro que engoliu o que foi uma epifania global: a vitória de Obama em 2008.

Sim, as expectativas eram tão imensas que Obama não as poderia ter atendido, nem que aparecesse e se posicionasse, ele mesmo, como a encarnação da Esperança. O tempo passando, Obama parece ter sido reduzido ao papel de simples parafuso da máquina infernal.

Bill Clinton e Barack Obama
Em resumo – apesar dos altos cumes aos quais chegaram Michelle e Tio Clinton-Bubba-meu-rei: Obama nunca será o novo Roosevelt. Não haverá New Deal – dentre outras razões, porque os Republicanos fizeram o impossível para sabotá-lo.

Mesmo assim, Michelle e Tio Clinton-Bubba-meu-rei foram suficientemente brilhantes para levar legiões a esquecer que Obama não atacou Wall Street; o Departamento de Justiça, por exemplo, não processará o Banco Goldman Sachs. Que a desigualdade de renda nos EUA aumenta dia a dia. Que algumas das empresas norte-americanas que mais lucros acumularam pagaram menos de zero em impostos entre 2008 e 2010. [7] Que apenas cinco megabancos grandes-demais-para-quebrar controlam 56% de toda a economia dos EUA. Que a maioria absoluta dos empregos criados durante o governo Obama são de baixos salários.

“O ontem passou... o ontem passou” [8]. Michelle e Tio Clinton-Bubba-meu-rei, pelo menos retoricamente, deram sobrevida ao sonho americano. Mas que equipamento terá Obama – o homem e o presidente, não o mito – para fazer a coisa, mesmo, a coisa real?



Notas dos tradutores

[1] Orig. Don’t stop … thinking about tomorrow. É verso do rock de mesmo título, sucesso da banda Fleetwood Mac (ver n. 2). Pode ser visto e ouvido a seguir:

[2]Fleetwood Mac é uma banda britânica (do soul ao rock), formado em 1967.

[3] Bubba (ing.) é expressão que designa, familiarmente, o irmão mais velho, pressuposto com autoridade sobre irmãos mais jovens. Não encontramos equivalente em português. Talvez “mano”, mas é carinhoso-afetivo demais, nos vários registros em que ocorre em português. Optamos por “tio” e, para tentar neutralizar o traço (ainda muito afetivo) que há em “tio” nesse registro coloquial, “inventamos” esse “meu rei”, que pode conter alguma ironia, pelo menos em alguns casos, em português do Brasil. É solução tentativa, à espera de ideia melhor.


[5] 4/9/2012, Global Times, em: “Hillary reinforces US-China mistrust”.

[6] Arthur Rimbaud (1854-1891), Le Bateau Ivre (1871). Leem-se os cem versos, na linda tradução de Augusto de Campos para o português do Brasil, em Rimbaud Livre, São Paulo: Perspectiva, Coleção Signos 14, 1986, edição bilíngue, p. 28-35;  ouvem-se os versos a seguir:

[7] 11/3/2012, Huffington Post, Jillian Berman em:Thirty Of America’s Most Profitable Companies Paid “Less Than Zero” In Income Taxes In Last 3 Years: Report”.  

[8] Orig. Yesterday's gone…yesterday's gone. Versos, também, da banda Fleetwood Mac (ver n. 1). Pode ser visto e ouvido em:

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