quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O “affaire” Assange, Venezuela, a mídia golpista na América Latina


4/9/2012, Jean-Luc Mélenchon, Front de Gauche, França (excerto)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Jean-Luc Mélenchon
Em vez de repetir “elementos de linguagem” copiados de releases das embaixadas dos EUA e despachos “orientados”, bastaria que algum jornalista viajasse ao Equador. Ali, ele ou ela logo constataria, muito jornalisticamente, que no Equador reina a mais ampla e total liberdade para caluniar e insultar o governo eleito: toda a imprensa-empresa equatoriana, de propriedade de seis famílias, é absolutamente livre para publicar despachos do Departamento de Estado dos EUA ou todas as mentiras que qualquer jornalista invente ou queira repetir, ouvida de alguma ‘fonte’ também mentirosa ou viciada.

De fato, nada mais difícil de encontrar no Equador que algum jornal, programa de televisão ou de rádio, ou livro nas livrarias, que seja favorável ao governo eleito pela maioria dos eleitores! A oligarquia, no Equador, é completamente livre para fazer campanha eleitoral durante todo o ano e, sempre, sempre, contra o voto da maioria que, afinal, elegeu o presidente Correa.

Julian Assange
O affaire Assange é questão de Estado para os EUA. A partir do momento em que se interpôs, o governo progressista de Rafael Correa atraiu contra si o assalto das agências de influência norte-americanas, pústulas fétidas. Os grandes jornais do “bloco” puseram-se em movimento. E com eles vieram, de modo surpreendente, também jornais da periferia, como Charlie Hebdo, ao qual Maxime Vivas e Le Grand Soir responderam de modo argumentado, considerando a importância desse jornal nos meios da outra esquerda. Mas o essencial da dita “grande imprensa” rapidamente pôs-se em posição de atirar para matar. Primeiro, insidiosos; em seguida, abertamente acusatórios. O assalto aconteceu em dois planos.

Primeiro, contra a pessoa de Assange. Descrito como personagem isolado, cujos apoiadores lhe teriam retirado apoios e se desdito; sujeito psicologicamente instável e, além do mais, acusado de “violações e agressões sexuais”, no plural, claro!

O outro plano de ataque visa o presidente do Equador. Todo o governo do Equador foi apresentado como inimigo da liberdade de imprensa, que professaria concepção de geometria variável do que seja o direito de asilo. Nesses registros apareceram todos os modelos menos recomendáveis, no domínio da repetição de elementos importados de linguagem, abundantes em algumas colunas do Figaro. É um exemplo, e nem todos os artigos seguem a mesma linha, variando conforme os autores. Assim, variando, eles afinam a mira e alcançam diferentes pessoas.

Rafael Correa - Presidente Eleito do Equador
A técnica é sempre a mesma: soma de opiniões apresentadas como se fossem “fatos bem conhecidos”, e que não passam de mentiras, apresentadas de tal modo que o leitor não pode saber que são só opiniões e mentiras. Na mesma linha, meia página no Monde  sobre o direito de asilo que teria sido negado a um bielorrusso no Equador, e exemplo de jornal que se rende à influência de certos “amigos”. Em todos os casos, dizem o que lhes dê na cabeça; depois, publicam notas quase invisíveis, em que as mentiras mais flagrantes são “corrigidas” e desditas.

O que se vê, de fato, é que os “argumentos” das seis famílias que são proprietárias de praticamente toda a imprensa equatoriana são repetidos em toda a imprensa-empresa internacional. Como é possível que a repetição seja tão “unânime”? Será assim, perfeita repetição, porque os jornalistas das editorias internacionais dos grandes jornais da grande imprensa-empresa em todo o mundo leem diariamente todos os jornais do Equador? É claro que não. Então, quem distribui as “notícias”?

Seja quem for, o resultado aí está. Rafael Correa é apresentado, em todos os veículos, sempre com as mesmas palavras e os mesmos registros em que aparece pintado na imprensa-empresa de direita e de extrema direita no Equador, como “desinteressado em defender as liberdades de expressão”. E o Equador – sem qualquer nem vestígio de fato que justifique a ‘'versão'’ ‘'jornalística'’ – é apresentado como “estado conhecido por repetidas violações da liberdade de imprensa” (Le Figaro), como “gestor incompetente da liberdade de expressão” (Le Monde), quando não é abertamente chamado de “ditador” (nos jornalões da América Latina). Ah! Todos conhecemos bens os “veículos independentes”! O problema é que muitos dos maiores jornais são super nada-independentes!

No Equador, por exemplo, os “jornais e televisões independentes” são propriedade de seis famílias completamente empenhadas em fazer oposição de direita e extrema direita ao governo eleito de Rafael Correa. Conhecem bem o affaire Assange, é claro, desde que proibiram seus veículos de publicar os telegramas diplomáticos do Departamento de Estado dos EUA, publicados por Wikileaks.

Mas até Le Monde, El Pais, Der Spiegel, The Guardian e o The New York Times publicaram aqueles telegramas. Naquela ocasião, com grande alarido e muitas manifestações de autoelogio e bla-bla-blá de autocelebração da “imprensa livre”.

Todos deveríamos olhar com extrema desconfiança o que aqueles jornalões publicaram – e, sobretudo, o que não publicaram. Ocorre-me que, muito provavelmente, publicaram o que lhes pareceu que ajudava os interesses deles. E muito provavelmente não publicaram o que mais interessaria ao grande público. O que se sabe é que todos esses grandes jornais triaram o material bruto, o que não deixa de ser surpreendente. Triar por quê?

A verdade é que os telegramas de WikiLeaks publicados pela imprensa francesa só mostraram aos franceses algumas cenas estranhíssimas: um desfile infindável de socialistas em reuniões com os EUA, sempre a garantir que apoiavam a Guerra do Golfo – o que a França acabara de recusar-se a fazer, por iniciativa do presidente Jacques Chirac.

Mas, pouco tempo depois, o micromundo “midiático” virou casaca. Abandonaram Assange e, com ele, abandonaram toda a doxa tradicional sobre a preservação e proteção das fontes; e Assange foi convertido em alvo do vingancismo mais furioso das agências de segurança dos EUA!

De modo muito significativo, quer dizer, como manifestação coordenada, os golpes concentram-se em atacar e por sob suspeita o Equador e seu governo progressista. É mais do que razoável supor que não haja e jamais tenha havido algum “affaire Assange”; que o que houve foi o affaire das agências norte-americanas de segurança numa parte do mundo onde as práticas imperiais estão sob discussão e crítica, e os braços armados do “império” enfrentam derrota sobre derrota!

Em vez de repetir “elementos de linguagem” das embaixadas e despachos “orientados”, bastaria que algum jornalista viajasse ao Equador. Ali constataria, muito jornalisticamente, que no Equador reina a mais ampla e total liberdade para caluniar e insultar o governo eleito: toda a imprensa-empresa equatoriana, de propriedade de seis famílias, é absolutamente livre para publicar todas as mentiras e despachos do Departamento de Estado dos EUA que queira. De fato, nada mais difícil de encontrar no Equador que algum jornal, programa de televisão ou de rádio, ou livro nas livrarias, que seja favorável ao governo eleito! A oligarquia, no Equador, é completamente livre para fazer campanha eleitoral durante todo o ano e, sempre, contra a maioria que elegeu o presidente Correa.

Não há quem não saiba de onde vêm as subvenções que sustentam os “Repórteres Sem Fronteira” franceses – verdadeiro ninho de cobras peçonhentas onde habita o neo-LePenista Robert Ménard, mas citado como autoridade com competência para classificar o Equador em 104º lugar, de 179 países, como local de fracasso quase total da liberdade de expressão!

E quem conhece os critérios da tal “classificação”?! Evidentemente, não são nem “repórteres” ou “jornalistas” que trabalhem para noticiar o assalto que aquelas meia dúzia de famílias “midiáticas” promovem contra a opinião pública.

Baltazar Garzon
Só assim se compreende que o Le Fígaro dê a palavra a um ex-ministro de Aznar, que se põe a falar sobre “fraude ao Estado de direito” no caso de Assange, porque o advogado de Assange é agora o juiz Baltasar Garzon, contra o qual o governo de Aznar moveu céus e terra – mas esse detalhe, o tal “grande jornal independente” jamais noticia!

Em seguida, o grande jornal da direita francesa apresenta-se como autoridade para declarar o caráter ditatorial do governo de Correa... o que o jornal “prova”! A “prova” é que Correa recebe o apoio da Aliança Bolivariana das Américas (ALBA)... quer dizer, o governo do Equador é apoiado pela Venezuela e por Cuba! Claro! Está(ria) provado!

E houve também a investigação judicial feita pelo Monde, que, sem esperar pela sentença da Justiça equatoriana, denuncia “a hospitalidade equatoriana de geometria variável”, no caso do bielorrusso Alexandre Barankov. Dever mínimo de respeito aos leitores, do Monde, seria mencionar que o presidente Correa vive sob leis de separação dos poderes entre Executivo e Judiciário e não poderia ter-se pronunciado sobre a extradição de Aliaksandr Barankov na Suprema Corte do Equador.

É o tal jornalismo de mentiras, de insinuações, de desavergonhada calúnia. A função desse “jornalismo” é condicionar a opinião internacional para que não reaja no caso de golpe de Estado. Porque, evidentemente, o império jamais se desarma e nunca para de tentar golpes de Estado: tentou golpes contra Correa, Chávez, Evo Morales. Conseguiu recentemente derrubar Fernando Lugo no Paraguai e Manuel Zelaya em Honduras. Nesses dois casos, a “notícia” calou. Calou-se até o corporativismo ordinário dos jornalistas, porque nesses dois países houve jornalistas presos e assassinados. Nem por isso se viu movimento de indignação dos jornalistas de consciência de economia variável.

O encarniçamento contra o presidente Correa tem também uma âncora local, se se pode dizer assim. Por toda a América do Sul em processo de libertação, está posta a questão do papel dos meios de informação! Em cada país, nossos amigos definiram diferentes estratégias de ação. Mas hoje estamos por cima. Os trabalhos de emancipação e de libertação estão postos também na esfera midiática. Discutem-se e votam-se novas leis de liberdade de imprensa democráticas e republicanas. Sem exceção, visam a quebrar os monopólios da imprensa e a garantir a pluralidade de expressão. Também o Equador abraçou essa luta.

O governo do presidente Correa está firmemente decidido a aplicar a Constituição do país, aprovada em referendo pela população por maioria de 63,9% dos votos. A nova Constituição prevê, sobretudo pelo artigo 17 a proibição de oligopólios ou monopólios nas empresas de imprensa e o apoio aos veículos públicos, comunitários e privados. Para adaptar-se ao que ordena a Constituição, o governo Correa está propondo uma lei orgânica das comunicações. A oposição, claro, em primeiro lugar as próprias empresas midiáticas, já se puseram a denunciar o projeto de lei, que chamam “ley mordaza”, “lei da mordaça”.

Mas a nova lei é, de fato, o fim da mordaça: a lei proíbe qualquer tipo de censura prévia à publicação ou difusão; e cria um conselho de regulação da informação, com a missão de combater a censura. E também sempre a posteriori, a nova Constituição oferece meios para punir qualquer apologia da violência, as discriminações (do racismo, da toxicomania, do sexismo e da intolerância religiosa ou política), nos termos da Constituição do Equador. O texto obriga os veículos à transparência sobre o modo como operam. Obriga o governo a por em ação todos os meios necessários para garantir o acesso de todos os cidadãos a uma informação plural. Legendagem e tradução em língua dos sinas [no Brasil, Libras, Língua Brasileira de Sinais, NTs] também serão obrigatórias.

Quanto à pluralidade, será assegurada por uma divisão em três, do espectro de frequências de rádio e televisão: 1/3 serão privadas, 1/3 serão associativas (sem objetivos de lucro) e 1/3 serão frequências para uso público (de propriedade do Estado, mas também de coletividades territoriais). Eis aí a “lei terrível” que ameaça a oligarquia equatoriana e que os veículos da imprensa-empresa internacional denunciaram em coro, sem qualquer atenção à necessidade da pluralidade das informações ou respeito ao voto dos equatorianos.

(...) Todos conhecemos os pontos negros da imprensa-empresa que conhecemos. (...) Para começar, o horrendo corporativismo que vicia, sem exceção, até à completa traição à verdade dos fatos e que, apesar disso, nunca se cansa de propagandear a infalibilidade dos novos “grandes sacerdotes”. Além disso, a grosseria dos insultos que esses ridículos budas empresários “da mídia” nunca se cansam de vomitar contra quem bem entendam, porque os desagrade, falhando sempre na tão alardeada luta da imprensa contra a violência e a intolerância que os mesmos empresários “jornalistas” nunca se cansam da alardear, hipócritas. Em vários campos, a lei da omertá, de criminosos que protegem criminosos, reina absoluta na imprensa-empresa. (...). De fato, já praticamente nem mais nos surpreendemos: uns dão dinheiro aos partidos políticos; outros, diretamente a jornais e jornalistas. Grande diferença!

Em todos nossos países em vias de libertação, nossos amigos governam sem a mídia e contra a mídia. A França, quando a hora chegar, terá de aprender a fazer o mesmo.

Mas o que nossos amigos do sul têm a nos ensinar é que, por mais encarniçada campanha de difamação e mentiras que sofram da empresa-imprensa, nada perdem em termos de popularidade.

Há décadas, as seis famílias dos empresários da imprensa-empresa sempre fizeram chover e fazer sol em matéria de política no Equador. Continuam a ser o que sempre foram e a fazer o que sempre fizeram. Mas o presidente Correa mantém seus 80% de intenções de votos, às vésperas de novas eleições. Pior para os inimigos! A chuva deles chove, o vento deles venta, e as provas dos progressos obtidos pelo governo do presidente Correa são tão tangíveis para os equatorianos e as equatorianas, que as mentiras da imprensa-empresa já não surtem efeito.

O mesmo se vê na Argentina, da qual a França em breve ouvirá falar, e da qual falarei em breve, nessa página. Antes disso, falarei sobre o posto que vou assumir na Venezuela, onde a campanha eleitoral caminha bem.

Nesse mês de setembro, efeito de vários artigos e “dossiês” armados pela empresa-imprensa venezuelana, correrão rios de lama sobre nossos amigos. A palavra de ordem das agências já é preparar a opinião pública com vistas a mais um golpe de Estado que está, como já é hábito, em preparação. Se ganharmos por larga margem nas urnas também na Venezuela, os reacionários nada poderão fazer. Mas se ganharmos vitória mais apertada, criarão espaço para vastíssima campanha de desestabilização e, sem dúvida, para operações violentas.

Voltarei em breve ao assunto... (...)

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