Publicado
em 06/06/2013 por Urariano
Motta
[*]
Recife
(PE) - As
imobiliárias, as construtoras, são irônicas e bárbaras em um só movimento quando
põem nomes nas suas armadilhas, mais conhecidas pela alcunhas de Residenciais e
Edifícios. Não têm escrúpulos nem limites. Vão de Leonardo da Vinci, de Praia do
Sol, de Costa Azul a Paraíso Tropical. Ou de Morada dos Deuses, de Céu de Anil a
Recanto das Acácias, e a tudo o quanto o cérebro do lucro inventar.
Existe
toda uma poética de logro e embuste, de roubo e furto, para enganar incautos e
necessitados. Que chegam, que caem, sempre caem, pois a carência de um lar, de
uma casa, é um desejo que resiste a todas as ilusões.
O
recente caso do Conjunto Residencial Eldorado, de 14 prédios juntos no Recife, é
ilustrativo dos edifícios de nomes belos que se revelam trágicos. A começar por
sua localização. A partir do bairro onde precário se plantou houve uma primeira
vitória da imobiliária e corretores, que levaram bem na lábia os compradores das
arapucas.
O
Eldorado foi construído, mal e porcamente construído, como se viu depois, em um
subúrbio mais conhecido por Água Fria, mas as notícias e moradores mais bem
nascidos (pois sempre há nobres nos que se envergonham da pobreza) teimam
em chamar de
Arruda , como se houvesse um salto de qualidade, quem sabe de
renascimento, do Arruda para Água Fria.
E
para quê tanta distinção, se o destino de todos nós é comum, amigos?
As
primeiras notícias anunciaram que a fachada do prédio, de um só em todo o Eldorado das
14 construções de ouro, havia cedido e os moradores correram às pressas para a
rua. A desgraça veio com um estrondo, que gritou para exibir rachaduras
profundas no paraíso. Então o que era perpendicular, ou quase firme e
perpendicular à terra, ficou penso, oblíquo.
O
que fazer?
Os
técnicos da Defesa Civil, que atuam como enfermeiros da doença avançada,
avaliaram o dano e concluíram, “sem dúvida, vai cair”. E tomaram a justa medida
de providenciar caminhões de mudanças para os que possuíam alguma família de
abrigo um pouco mais sólido.
Depois,
o que começou em um bloco de estrondo se alastrou por todo o Residencial
Eldorado. Então a Prefeitura do Recife decidiu pela retirada dos moradores de
todos os blocos dourados de Água Fria, ou do Arruda, na Rua da Regeneração (o
nome é esse mesmo), por conta do risco de desabamento de todos os prédios.
Daria
uma comédia se o assunto não fosse trágico.
Os
administradores públicos atuam como bombeiros sem mangueira, dotados apenas da
boa vontade em conjunturas e sociedades em fogo. Jogam água em um incêndio aqui,
ele rebenta em outro. A população pede providências. O prefeito vai à
comunidade, sorri, conversa, anota, dá ordens e sai declarando que o governo
está ao lado dos sem teto, enquanto a ganância do capital se alastra e prospera.
Mas o governo está a seu lado.
Então
vem o mais comovente. Os ex-donos de apartamentos comprados em sacrificadas
economias, que decoraram suas paredes com quadros, cores e pensavam ali estar em
morada que atravessasse os tempos como herança para os filhos e netos, e que,
por outro lado, julgavam-se diferentes dos que nada têm lá nas favelas, então
vem o mais deprimente, para usar a palavra mais precisa.
Os
ex-donos fazem protestos com apitos e cartazes cuja maior reivindicação é um
auxílio-aluguel. Ou auxílio-moradia. Pois estão sem nada, mas ainda têm
direitos, pelo menos o da miséria de uma ajuda municipal.
E
a construtora, a criminosa?
Dizem
que ela faliu, deixando como legado a falência para os que ansiavam morar nos
apartamentos do Eldorado.
Ali,
a casa possuía um valor de vida, sonho e morte....
É
de se notar que havia uma profunda e indecifrável ironia nos nomes que em tudo
cercavam aquela gente.
A
fieira, ou enfileirado correr de quartos, era chamada de Vila Alegria. A
estreita faixa onde passavam pessoas em fila, o beco, era Rua do Éden, que de um
lado saía para a Rua Esperança....
No
entanto, esse aluvião irônico, tamanha era a sua riqueza e impacto, não era
então percebido. Talvez como um choque, uma descarga de altíssima voltagem, que
abalasse e ferisse tão rápido e forte, que deixava a impressão de destruir sem
dor a vida.
Assim,
mesmo que corra o risco de não ser maturado, digerido no espírito de quem lê
estas linhas, acrescento que havia em torno da Vila Alegria
uma Vila Felicidade, uma Rua Alegre, mais a Rua das Moças, e uma Rua dos Sete
Pecados, que não distava da Rua da Regeneração.
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