quarta-feira, 19 de junho de 2013

“A mãe de todas as batalhas”


14/6/2013, Dmitry MININ, Strategic Culture
Traduzido e comentado pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido no buteco do Zóio (Vila Vudu): Traduzimos essa matéria exclusivamente para registrar que a imprensa-empresa brasileira absolutamente não existe para informar coisa alguma sobre o mundo real. Existe, como empresa, para acumular lucro da venda de espaço publicitário. E existe, como aparelho ideológico, para reproduzir propaganda norte-americana, repetindo bobagens selecionadas a dedo, dentre o que de pior as agências internacionais distribuem.
Todas as fontes de notícias, listadas nas notas, são perfeitamente acessíveis para as editorias internacionais dos jornais e redes de televisão brasileiras e para os “especialistas” brasileiros. Nenhuma delas é jamais citada no Brasil, como fonte de informação, na imprensa-empresa.
As empresas de imprensa, no Brasil, se forem fechadas, preencherão uma lacuna.

Visualização da situação estratégica da guerra na Síria
O exército sírio está expandindo com sucesso sua operação mais importante desde o início da guerra civil, lançada dia 9/6 desse ano. Essa operação, “Tempestado no Norte”, visa a libertar o principal ponto conquistado pela oposição – a cidade de Aleppo, maior cidade do país e mais importante centro econômico, próxima da fronteira turca. É possível que seja a batalha decisiva de toda a guerra; não surpreende que o presidente Bashar al-Asad a chame de “a mãe de todas as batalhas”. Depois de meses de erros e confusões, as decisões do líder político e do comando militar chegam a espantar pela antevisão e pela elegância estratégica.

Em vez de correr pelo país, perdendo força, que foi o erro cometido nos primeiros estágios, o exército começa a ocupar pontos chaves, cortando as mais importantes linhas de comunicação e de suprimento do inimigo e, assim, determinando a direção do ataque principal. E a liderança política vai, simultaneamente, assegurando que forças aliadas protejam os flancos do exército.

Atividade "rebelde" na Síria até 8/3/2013. Antes da queda de al-Qusayr
Por exemplo, depois da vitória em al-Qusayr, todos esperavam que o governo começasse a operação de longo prazo de expurgar os rebeldes dos arredores de Homs, a terceira maior cidade do país (mais de 800 mil habitantes); mas limitaram-se a cercar os rebeldes e andaram na direção da Turquia, de onde vem a maior ameaça? Movimento arriscado? Sim, mas completamente justificado.

Não é difícil ver que, para que o exército fizesse esse movimento, o flanco esquerdo do lado do Líbano já estava militarmente protegido, e o flanco direito, do lado do Iraque estava diplomaticamente protegido. Importantes pontos de defesa, próximos da Jordânia já estavam sob controle desde o início do ano. O momento foi escolhido com perfeição, também no que tenha a ver com a situação na Turquia; com aquele país acossado por agitações internas, dificilmente optariam por invadir a Síria. Na essência, em Ancara os rebeldes sírios “perderam simultaneamente apoio militar e cobertura diplomática do Estado mais próximo e seu mais íntimo aliado”.

Fahd Jassem al-Freij

Em grande medida, o sucesso das tropas muito deve ao talento militar do vice-comandante em chefe das Forças Militares sírias desde julho de 2012, coronel-general Fahd Jassem al-Freij (nascido em janeiro de 1950 em Hama, com formação militar no Exército Sírio, incluído na “lista negra” do governo dos EUA), sunita, o que basta para demonstrar a tolerância religiosa do regime de Damasco.

O objetivo do primeiro estágio da operação “Tempestade no Norte” é “retomar o controle da estrada federal que liga Aleppo e Azaz, na fronteira sírio-turca, que há um ano está sob controle da oposição e é estrategicamente importante para o apoio logístico dos combatentes em Aleppo” – disse uma fonte do comando militar à agência de notícias síria. No domingo, os soldados atacaram posições rebeldes ao longo do eixo que passa pelas cidades de Kafar-Hamra, Anadan, Hareytan e Atarib, com apoio de blindados. Prosseguem os combates nos arredores da base militar de Minnigh, perto de Aleppo

Bashar al-Assad
As divisões do Hezbollah ainda não estão participando da operação e foram dispostas como reserva estratégica.

O presidente Bashar al-Assad destacou outra razão pela qual a escalada pendeu a favor do exército: uma mudança de atitude na população da província.

Apoiaram os grupos rebeldes nem tanto por falta de patriotismo, mas por que estavam decepcionados. Fizeram-nos acreditar que estaria em curso uma revolução contra os erros do Estado. Agora, mudaram de posição e muitos já se desligaram dos grupos terroristas e retomaram a vida normal.

Essa tendência se confirmou, depois que grupos islamistas em Aleppo executaram um rapaz de 15 anos, por ter feito uma declaração não aprovada.

Elemento radicalmente novo e do qual praticamente não se fala nos desenvolvimentos na Síria, que torna ainda mais precária a situação dos rebeldes, é o ativo envolvimento do Iraque, no conflito.

Nouri al-Maliki
Fontes israelenses, por exemplo observam que, enquanto os especialistas concentram-se nas ações do Hezbollah libanês no oeste da Síria, a entrada na guerra do Primeiro-Ministro do Iraque, Nouri al-Maliki, ao lado de Assad, é evento muito mais significativo. Diferente do Irã, que está sob sanções, os fundos ocidentais fluem livremente para o Iraque em troca de petróleo, e “estão sendo passados em quantidades crescentes de Bagdá para Damasco”. O governo do Iraque até já fez aprovar lei especial que estipula que armas e munições compradas nos mercados internacionais, assim como o petróleo e lubrificantes para o exército, serão repassadas para a Síria, em condições especiais. 

No passado, nem sempre as relações entre Síria e Iraque foram tranquilas, porque os dois países competiam pela liderança regional. Mas, agora, o governo xiita do Iraque percebeu que a ascensão de sunitas ao poder na Síria tem potencial para desestabilizar significativamente a situação também no Iraque. A nova onda de ataques terroristas por iraquianos aliados aos rebeldes sírios (e aliados portanto, embora indiretamente, das potências ocidentais) sugere o mesmo. Só em maio deste ano, mais de mil iraquianos foram mortos nesse tipo de ataques terroristas.

Além disso, por ordem de al-Maliki, cerca de 20 mil soldados iraquianos foram deslocados para a fronteira síria, para cortar as linhas de suprimento para a oposição síria que partiam do Iraque. Relatórios da DEBKAfile de 9/6/2013 dão notícia dos primeiros grandes confrontos entres forças do governo iraquiano e rebeldes sírios, em dois pontos de passagem da fronteira. Os iraquianos sofreram baixas, mas o rebeldes tiveram de recuar. Fontes israelenses dizem que parte dessas forças especiais preparam-se atualmente para raids em território sírio, para dar combate aos rebeldes.

Na reunião do Conselho de Ministros do Iraque, que aconteceu no mesmo dia na cidade de Erbil na porção norte do país, o Primeiro-Ministro, Nouri al-Maliki, alertou que a região estava sendo tomada por um onda de extremismo provocada por organizações terroristas, como al-Qaeda e Jabhat al-Nusra; e conclamou os ministros iraquianos a resistir contra essa invasão.

Telavive também enfrenta dificuldades cada vez maiores em relação ao seu envolvimento no conflito sírio. Nos círculos militares em Israel ouvem-se reclamações contra seus próprios comandantes, que não se ouviam desde a fracassada 2ª Guerra do Líbano em 2006. As reclamações aparecem em vários sites e blogs. Forças militares especiais e da inteligência militar israelenses mostram-se incomodadas, principalmente, com a aliança de-facto entre Israel e “barbudos fundamentalistas” na Síria, dos quais “só se pode esperar ser esfaqueado pelas costas” a qualquer momento, porque estão a poucos quilômetros de bases israelenses; e, também, porque os sucessos da oposição têm sido descabidamente exagerados.[Sobre isso, as publicações da agência mignews.com, russa, dizem muito].

Moshe Ya'alon
Esses especialistas israelenses temem que avaliações falsas da real situação no teatro de operações “levem a decisões erradas”. Por exemplo, o site DEBKAfile, próximo da inteligência militar israelense, criticou abertamente o discurso do Ministro da Defesa, Moshe Ya'alon, no Parlamento quando, dia 3/6/2013, afirmou que al-Assad controla apenas 40% do território sírio, com os rebeldes no controle de parte significativa de Damasco. Na realidade, a inteligência israelense tem informação confiável de que a oposição foi quase completamente expulsa da capital; e que ali só restam bolsões isolados da oposição. O quadro é semelhante em outros fronts, onde o exército, “graças a suprimentos russos e iranianos” pressiona os rebeldes por todos os lados, em vários pontos.

Vários interlocutores, nesses círculos, admitem que a interferência de Israel no conflito sírio, inclusive o bombardeio de arsenais, só faz reacender o espírito combativo do Exército sírio e enfraquece a oposição, porque a faz perder legitimidade aos olhos da população.

Ayman al-Zawahiri
Não só o ocidente, mas também o atual líder da al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, tem tido problemas com as seguidas derrotas da oposição na Síria. Em junho, gravou uma mensagem em vídeo na qual pede apoio aos seus seguidores em todo o mundo para que aumentem os reforços aos jihadistas na Síria, e que os diferentes grupos unam-se sob uma só orientação unificada. A alta prioridade da al-Qaeda na mensagem de al-Zawahiri não é atualmente o Afeganistão, nem o Iraque, mas a Síria.

O centro norte-americano de consultoria Flashpoint Global Partners divulgou que a maioria dos combatentes estrangeiros mortos na Síria, entre julho de 2012 e maio de 2013 eram ligados à al-Qaeda. O relatório desse centro enfatiza, por exemplo, que, no mesmo período, foram mortos pelo menos 280 combatentes estrangeiros, dos EUA, Chechênia, Kosovo, Egito, Jordânia, Tunísia, Líbia e Arábia Saudita. A baixa mais recente é um mercenário belga, morto há alguns dias.

Michael Young, conhecido especialista em Oriente Médio, crê que, considerando os avanços do presidente al-Assad na guerra civil, a exigência feita pela oposição, de que não seja admitido na Conferência de Genebra 2, “não é realista”; e que a recusa dos líderes da oposição que não querem, eles também, participar daquela conferência, é “erro”, porque, nesse caso, toda a responsabilidade pelo fracasso de qualquer tentativa de fazer a paz recairá sobre a oposição. Para a oposição síria, esse erro “pode ser fatal”. Não faz muito, eram poucos os que acreditavam que Bashar al-Assad permaneceria na presidência da Síria. “Parece que erramos” – lamenta Young.

Infelizmente, os principais políticos ocidentais não dão sinais de ver as coisas com a mesma clareza.

Tropas dos EUA na Jordânia
É o que se vê, por exemplo, nas manobras dos EUA e aliados, e no deslocamento de 4.500 soldados para a Jordânia, no auge da “Tempestade no Norte”. Ao encenar falsos preparativos para invadir a Síria pelo sul, tentam, apenas, conter o avanço do exército sírio. De fato, os sírios já têm forças suficientes alocadas para impedir ataque que provenha daí, sem precisar abandonar o avanço em direção a Aleppo.

Como fontes oficiais na Casa Branca já relataram à Associated Press, o presidente Barack Obama também tomará essa semana a decisão sobre fornecer armas aos rebeldes sírios. Obama muito provavelmente aprovará a decisão, “dado que, nos últimos dias, a situação da oposição tornou-se absolutamente precária”. Segundo a AP, o secretário de Estado John Kerry adiou sua viagem pelo Oriente Médio por vários dias, uma vez que deve participar de reuniões do Conselho de Segurança Nacional nas quais se discutirá o fornecimento de armas.

Seja como for, qualquer tentativa de alterar o rumo dos acontecimentos bombeando dinheiro e armas para a oposição dificilmente conseguirá salvá-la, e só causará novas e terríveis calamidades para o povo sírio.

Se a Europa e os EUA “progressistas” não querem defender o Oriente Médio de mergulhar em nova era medieval de perfil al-Qaedista, deveriam, no mínimo, tentar defender-se contra destino semelhante.

ATUALIZAÇÃO:

18/6/2013: A rede Al-Jazeera noticia o início de “conversações de paz diretas” entre os EUA e os Talibã, que se realizarão no Qatar: “onde os Talibã acabam de inaugurar um escritório de representação ‘diplomática’”. Diz a matéria:

Sohail Shaheen
Porta-voz dos Talibã, Mohammad Sohail Shaheen, membro do gabinete político do grupo disse à rede Al Jazeera que o grupo continuará armado e continuará a atacar alvos dos EUA no Afeganistão, mas, simultaneamente, iniciará conversações em busca de solução pacífica para o conflito.

Shaheen insistiu que não há qualquer tipo de acordo de cessar-fogo com os EUA e seus aliados, e que os Talibã trabalharão simultaneamente com opções políticas e militares.

Não há qualquer tipo de cessar-fogo com os EUA. Eles nos atacam e nós os atacamosdisse Shaheen.

O presidente Obama disse que a abertura do escritório dos Talibã é importante primeiro passo rumo à reconciliação entre os Talibã e o governo afegão. Mas alertou que o processo será longo. E insistiu que os Talibã devem romper quaisquer laços com a al-Qaeda e desistir de métodos violentos.


Obama, como se vê, já está dizendo e fazendo absolutamente qualquer coisa...  

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