13/6/2013, Fred Goldstein, Workers World -
“Marxism and the social character of China”Extraído de palestra proferida no Left Forum, New York City, 9/6/2013
“Marxism and the social character of China”Extraído de palestra proferida no Left Forum, New York City, 9/6/2013
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Fred Goldstein |
A
China é das mais importantes questões do século 21 para os trabalhadores e todos
os pobres oprimidos, tanto quanto as classes imperialistas opressoras de todo o
mundo.
Os
movimentos progressistas e revolucionários, sobretudo nos EUA, têm muito a
ganhar se chegarem a uma política correta em relação à China.
Para
começar, a China foi país oprimido, que se libertou do imperialismo britânico,
francês, alemão, norte-americano e japonês em 1949, e fez uma das maiores
revoluções da história. Naquele momento, um quarto da humanidade estava sob as
garras do imperialismo. Como país oprimido por muito tempo, lutando pelo
desenvolvimento nacional, a China tem de ser defendida contra todas as variantes
do imperialismo militar e econômico e contra a agressão política, independente
do que cada um pense do caráter social do governo chinês.
A
China hoje é fenômeno complexo, contraditório e novo na história: estruturas
fundamentalmente socialistas, ao lado de penetração imperialista e
desenvolvimento capitalista. As lideranças chamam a isso “socialismo de mercado”
ou “socialismo com características chinesas”.
O
socialismo está firmemente inscrito na Constituição da China. A classe
capitalista internacional é profundamente hostil à China e nunca desiste de
tentar solapar esse caráter socialista fundante.
Mas
os trabalhadores chineses estão submetidos à exploração capitalista e os
trabalhadores das indústrias do Estado perderam muito do suporte econômico que,
antes, vinha associado aos seus postos de trabalho. Acidentes industriais
horrendos acontecem, e os problemas ambientais ainda são severos.
O
caráter dual dos fundamentos da economia chinesa
Só
o marxismo permite analisar a China. O marxismo mostrou que o caráter de uma
sociedade é determinado pelo fundamento econômico; e que a superestrutura da
sociedade – política, ideologia etc. – é determinada também pelo fundamento
econômico.
Como
esses princípios aplicam-se à China e como podem ajudar a ver a China com mais
clareza?
Para
começar, o fundamento econômico chinês não é homogêneo: é em parte socialista e
em parte
capitalista. A questão para nós e para os trabalhadores do
mundo é: qual deles é dominante? – o fundamento socialista ou as empresas
capitalistas que visam exclusivamente a acumular lucros pela exploração da
classe operária?
Do
mesmo modo, a superestrutura tampouco é homogênea. Por um lado, há o Partido
Comunista, o Exército do Povo e a doutrina que declara o socialismo como pilar
sobre o qual a China está sendo erguida. Por outro lado, há a incansável
promoção da abertura do país ao imperialismo e as reformas capitalistas de
mercado. E, sobretudo, há uma luta por reformas políticas, para assegurar
direitos à burguesia e à pequena burguesia para que se organizem politicamente,
ou dentro ou fora do Partido, ou nos dois espaços simultaneamente. Há clamor
incansável por “reformas políticas” – vindo dos imperialistas e das classes a
ele aliadas, dentro da China.
A crise
econômica de 2008-2009 foi teste crucial
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Como
se pode avaliar essa situação? Devemos começar por um exame das condições
objetivas na China, por um lado; e das mesmas condições, no mundo do capital.
Um
teste crucial aconteceu quando as lideranças chinesas tiveram de lidar com os
efeitos da pior crise que o mundo do capital conheceu desde a 2ª Guerra Mundial.
Quando
a crise se abateu em 2008-2009, muitas dezenas de milhões de trabalhadores nos
EUA, Europa, Japão e em todo o mundo capitalista foram lançados ao desemprego.
A
China, a qual, muito temerariamente, havia-se deixado converter em dependente de
exportações ao ocidente capitalista, viu-se repentinamente diante do fechamento
de milhares de fábricas, sobretudo nas províncias da costa leste e nas zonas
econômicas especiais. Mais de 20 milhões de trabalhadores chineses perderam o
emprego, num curto período de tempo.
O
que fez o governo chinês?
Discutimos o que aconteceu num
artigo de 27/3/2012 neste Workers
World intitulado “The struggle in China:
Capitalist crisis versus planning”. O artigo explicava que os planos
traçados nos idos de 2003, para entrar em vigência em anos subsequentes, foram
acelerados e implementados.
Citamos ali a pesquisa de Nicholas
Lardy, especialista burguês que estuda a China, do prestigiado Peterson Institute for International
Economics, que mostrava como o consumo realmente cresceu, na China, durante
a crise de 2008-09, os salários aumentaram, o governo criou empregos em número
realmente suficiente para compensar as demissões provocadas pela crise global.
Disse
Lardy:
Nicholas Lardy |
Num
ano no qual a expansão do PIB [na China] foi a menor em quase uma década, como o
consumo poderia ter crescido tão poderosamente em termos relativos? Como
aconteceu, em tempos em que o emprego nas indústrias orientadas para a
exportação estava em colapso, com pesquisa realizada pelo Ministério da
Agricultura mostrando mais de 20 milhões de postos de trabalho extintos em
centros de produção para exportação em toda a costa sudeste, sobretudo na
província de Guangdong? O crescimento relativamente forte do consumo em 2009
pode ser explicado por vários fatores. Primeiro, o boom em investimentos, sobretudo em
atividades de construção, parece ter gerado número adicional de empregos,
suficiente para compensar grande parte dos empregos perdidos no setor de
exportação. Naquele ano, no total, a economia chinesa criou 11,02 milhões de
empregos em áreas urbanas, bem próximo dos 11,13 milhões de empregos urbanos
criados em 2008.
Embora o
crescimento do emprego tenha diminuído um pouco, os salários continuaram a
aumentar. Em valores nominais, o salário no setor formal subiu 12%, poucos
pontos percentuais abaixo da média dos cinco anos anteriores (National
Bureau of Statistics of China 2010f , 131). Em termos reais, o crescimento foi de
quase 13%. Terceiro, o governo continuou seus programas de aumentar o valor de
pensões e aposentadorias, e aumentou os repasses para os chineses de mais baixa
renda. Aposentadorias para ex-empregados de empresas privadas aumentaram em
cerca de 10%, em janeiro de 2009, substancialmente mais que o aumento de 5,9%
nos preços ao consumidor em 2008. Com isso, o aumento do pagamento total a
aposentados aumentou RMB75 bilhões. O Ministério do Interior aumentou em um
terço os repasses para cerca de 70 milhões de chineses de baixa renda, que
aumentaram RMB20 bilhões em 2009 (Ministry of Civil Affairs 2010).
O
mesmo autor explicava que o Ministério das Estradas de Ferro introduziu oito
planos específicos, a serem concluídos em 2020, iniciados no auge da crise. Para
o Banco Mundial, “foi talvez o maior investimento em programa de construção de
estradas de ferro para transporte de passageiros que o mundo jamais viu.” Além
disso, também se iniciou a construção de usinas e redes de transmissão de alta
voltagem, dentre outros projetos.
As
estruturas socialistas reverteram o colapso
A
renda cresceu, o consumo aumentou e o desemprego foi superado na China — tudo
isso enquanto o mundo capitalista afundava-se no desemprego, na austeridade, na
recessão, na estagnação, no baixo crescimento e na miséria crescente.
Fazer
reverter os efeitos da crise na China é resultado direto de planejamento
nacional, empresas estatais, bancos estatais e decisões políticas do Partido
Comunista Chinês.
China "Bubble" (Bolha Cinesa) |
Houve
uma crise na China, e foi causada pela crise no mundo capitalista. A questão foi
que princípio prevaleceria ante o desemprego em massa – o princípio racional e
humano do planejamento, ou o mercado capitalista. Na China, o princípio do
planejamento, o elemento consciente, prevaleceu sobre a anarquia da produção
gerada pelas leis do mercado e a lei do valor-trabalho.
Mas
as instituições baseadas nas estruturas remanescentes do socialismo chinês, que
salvaram as massas do desastre econômico, são as mesmas instituições que o Banco
Mundial, o Fundo Monetário Internacional,
Wall Street e Londres querem reduzir e eventualmente destruir. São as
empresas estatais geridas pelo Estado, o planejamento do Estado e o controle
pelo Partido Comunista Chinês.
Há
quem diga que a liderança chinesa fez o que fez para evitar as agitações
sociais. Sem dúvida, os capitalistas na Europa e nos EUA também gostariam de
conseguir evitar as agitações sociais. Mas nem por isso cuidaram de devolver os
empregos de milhões de trabalhadores, aumentaram as aposentadorias ou aumentaram
as transferências de renda ou o investimento em bem-estar. Cuidaram,
exclusivamente, de impor a “austeridade”, para assegurar os lucros dos
banqueiros.
Em
termos, pois de análise marxista, é evidente, pelo modo como a liderança chinesa
enfrentou essa crise, que o lado socialista do fundamento econômico ainda é
predominante na China. E o mesmo se pode dizer da superestrutura política.
Atuais dirigentes chineses (jun/2013) |
Os
inimigos do socialismo alegam que o capitalismo seria o responsável pelos
grandes sucessos na China.
É
falso. A China teve sucesso no seu desenvolvimento econômico porque o setor
socialista conteve o avanço do capitalismo doméstico e os investimentos
imperialistas, mantendo-os subordinados às metas econômicas estipuladas para o
país pela liderança política.
Sem
isso, a China seria como a Índia – onde também há planejamento estatal, mas em
país predominantemente capitalista.
Na
Índia, a pobreza é tão profunda que há quem viva em lixões, lavam roupas em água
contaminada e nas favelas urbanas em Kolkata e Mumbai a miséria
equipara-se à miséria no campo. As massas indianas são desesperadamente pobres –
vivendo com US$1 a US$2 ao dia – enquanto as mais fulgurantes indústrias de alta
tecnologia desenvolvem-se lado a lado com condições de inacreditável miséria em
que vivem centenas de milhões de indianos.
Nada
disso é assim na China. Mas se os imperialistas forem deixados livres, podem
destruir o fundamento socialista e o Partido Comunista, e farão, da China, uma
outra Índia. Isso é que está em jogo, na luta para deter a contrarrevolução na
China.
“Socialismo
de mercado” é conceito falso e perigoso
Essa
análise não deve ser interpretada como argumento a favor da doutrina do
“socialismo de mercado”. Na nossa visão, a anarquia do mercado capitalista é
oposta ao planejamento de uma sociedade socialista e a uma construção
socialista. A propriedade privada capitalista é antagônica à propriedade
socialista; e a produção para acumulação privada é antagonista à produção para
uso social e para necessidades humanas.
Lênin (1918) |
Há
condições históricas de extremo subdesenvolvimento que forçam um governo
socialista a empregar métodos privados e de capitalismo de estado, para promover
o desenvolvimento de forças produtivas e a criação de uma classe operária, da
população rural.
Outra
coisa, contudo, é usar esses métodos como recurso temporário, afastar-se
temporariamente do socialismo, para conseguir fazê-lo triunfar na luta contra os
métodos capitalistas. Esse era o pensamento de Lênin, por trás da Nova Política
Econômica. Começou em 1921 na URSS, nos tempos mais duros, depois que a guerra
civil deixara o país em ruínas e a classe operária sobrevivente teve de voltar
ao campo para conseguir comida.
Mas
Lênin sempre entendeu esse processo como uma retirada estratégica, numa luta
crucial. A questão, como Lênin a propôs, foi “Quem vencerá?”
Deng Xiaoping |
A
China desenvolveu-se economicamente há muito tempo, depois das reformas
capitalistas instituídas por Deng Xiaoping. Mas o que poderia ter sido retirada
estratégica, converteu-se em política nova, de tomar o capitalismo como parceiro
do socialismo. O capital privado cresce automaticamente e, com ele, a força
econômica e política da classe capitalista, dos pequenos burgueses que a
parasitam, e da intelligentsia pequeno-burguesa. Daí advêm graves perigos
de longo prazo para a China.
O
componente socialista do fundamento econômico é hoje dominante. Mas o
capitalismo continua a erodir esse fundamento e a sacrificar os trabalhadores.
Além disso, os novos líderes, Xi Jiping e Li Keqiang já deram sinais de que
querem empurrar a economia para a direita. Expandir as oportunidades para o
investimento imperialista e andar mais e mais na direção de reformas burguesas
na economia é brincar com fogo.
Reviver
o espírito de Mao, o poder dos trabalhadores
Bo Xilai |
Bo
Xilai, ex-líder do Partido para a Província de Chongqing está preso há mais de
um ano, porque tentou reviver o espírito cultural e igualitário de Mao Tse Tung
e porque tinha um programa que visava a retardar o avanço pela estrada do
capitalismo. (Sobre isso, ver artigos em Workers World).
Bo
representou uma resistência de esquerda às atuais políticas que prosperam no
plano da alta liderança do Partido. Derrotado Bo, o caminho estava aberto para
andar ainda mais para a direita.
E
o que é preciso é firme volta à esquerda. Os trabalhadores têm de reivindicar os
direitos socialistas estabelecidos pela Revolução Chinesa e aprofundados durante
o período de Mao. Só isso pode fazer renascer e garantir o socialismo chinês no
longo prazo.
Daqui
até lá, é preciso defender a China, com firmeza, contra todos os ardis do
imperialismo e da classe capitalista doméstica chinesa, que visam a minar o
fundamento socialista que ainda existe lá.
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