9/6/2013, Juan Luis Sánchez (de
Istambul), El Diario, Espanha
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Juan Luís Sánchez |
·
As
torcidas dos times de futebol da cidade – com longa história de lutas entre elas
– unem-se na praça e fazem subir o tom do protesto
·
O Primeiro-Ministro mantém a Polícia longe da praça Taksim, age em outros pontos
da cidade e convoca manifestações para apoiá-lo
·
A
ocupação vive seu momento de afluência máxima, e os organizadores dão-se conta
do cansaço. Resistência é questão, também, de tempo.
Praça Taksim em 8/6/2013 |
Primeiro,
Erdogan tentou, pela força, desalojar a ocupação. Em seguida, aproveitou a
viagem ao estrangeiro, para ver se sua ausência acalmava os ânimos, e os
ocupantes abandonavam espontaneamente a Praça. Essa semana, não conseguiu evitar
uma sequência de atos contraditórios: insultou os manifestantes, pediu perdão
pela violência policial usando para isso um porta-voz, disse que manteria
inalterados os planos de urbanizar o Parque Gezi e, em seguida, que ouviria as
demandas populares. Tudo isso na mesma semana e com o mesmo resultado: nenhum.
Nem
as provocações do Primeiro-Ministro turco Tayyip Erdogan geraram sequer um
estalo de violência dentro da multidão que ocupa o Parque Gezi, nem suas
desculpas esvaziaram a praça. A ocupação já tem vida própria, seus próprios
ritmos. E não acabaria de um dia para o outro, nem se os que lá estão desejassem
que acabasse.
Praça Taksim em 8/6/2013. Ao fundo o Parque Gezi. |
Não
há um metro de grama onde não haja um cobertor, um colchão, uma barraca. Filas
de centenas de pessoas, recém-chegadas ao Parque Gezi, esperam sua vez para
receber alguma coisa para pôr no chão e poder deitar e cobrir-se. Além das horas
e horas de caminhadas de dezenas de milhares de pessoas que se vão reunindo por
afinidades as mais variadas.
A
ocupação do Parque Gezi viveu ontem, sábado, o momento definitivo da própria
afirmação, um apogeu muito incômodo para o governo e também de muito desgaste
para os que trabalham na vida interna do movimento.
Durante
as noites de fim de semana, “Occupy
Gezi” deixa de ser espaço comunitário de resistência e converte-se em
acampamento de um Fórum Social.
Alguns
jovens em Taksim começam a dar-se conta de que, se falam de resistência, falam,
de fato, de tempo. E de que nem todos têm a mesma capacidade física para
resistir: “Todos os dias vou trabalhar, passo por aqui e só durmo três horas.
Não sei por quanto tempo mais aguentarei” – confessa Gökçe (nome fictício), um
dos ativistas de Gezi, muito cansado, mas profundamente satisfeito com a
experiência. “Chegou um momento em que, em vez de cuidar dos que chegam, mal
conseguimos atender às suas necessidades básicas. Acabou-se a magia dos
primeiros dias. Já não temos os olhos brilhantes que se via por todos os lados”
– queixa-se outro, que trabalha na cozinha, que cresce e se reorganiza quase que
de hora em hora. “Estou sem dormir,
literalmente, há cinco dias. Meto-me no saco de dormir e tento fechar os olhos,
mas não consigo dormir” – conta uma terceira voluntária.
Contra
o cansaço, nada melhor que um antídoto moral, um momento de euforia coletiva. Um
desses momentos aconteceu ontem em Taksim.
Torcedores
das três equipes de futebol da cidade (Galatasaray, Fenerbache e Besiktas)
tomaram a Praça Taksim numa marcha conjunta que deixou para trás as brigas
históricas que sempre os separaram, muitas vezes com episódios de extrema
violência. Vê-los lado a lado numa mesma manifestação talvez não chame a atenção
de estrangeiros que não conhecem o país. Mas emociona os turcos.
Torcedores
de um recém criado “novo time”, “Unidos de Istambul” – como se vê em vários
cartazes – cobriram de luz de fogos de artifício o fim de tarde do Parque. Foram
acesos coordenadamente em vários pontos do Parque Gezi, e de cima de um dos
edifícios vazios que se destaca na grande esplanada, em cuja fachada
penduraram-se cartazes com fotos dos heróis políticos de diferentes grupos e
faixas com palavras de ordem contra Erdogan.
Praça Taksim em 8/6/2013 |
“Isso
aqui é muito, muito maior que Occupy Wall
Street” – diz Olivia, jovem austríaca que viajou a várias cidades para
participar e documentar levantes populares e esteve em Nova York. “É,
provavelmente, a maior ocupação de espaço público que vi, em todo o mundo” – diz
o repórter esloveno Bostjan Videmsek, que esteve no Cairo, em Atenas, em Madrid.
Não
é só a praça. Todas as avenidas que levam à praça estão fechadas e tomadas por
milhares de pessoas, em alguns casos por várias centenas de metros. Há
barricadas, construídas com ônibus municipais, pedras arrancadas das calçadas,
valetas de obras públicas ou de segurança, pilhas de móveis... Montanhas de
objetos empilhados.
Praça Taksim em 8/6/2013 |
O
risco de um acidente, uma desgraça repentina, de que irrompa alguma briga entre
os muitos grupos que ali se aproximaram (partidos políticos, grupos sociais,
culturais, torcedores de futebol) paira sobre toda a ocupação. “Você está vendo:
há bandeiras curdas, dos nacionalistas, de diferentes torcidas organizadas, de
Fenerbache, dos Galatasaray... Já estamos há dias, e volta e meia algum atrito
acontece, embora sejam sempre brigas pontuais” – diz Gökçe. Uma grande briga ali
é tudo de que Erdogan mais precisa.
Mesmo
assim, a Polícia não voltou a aparecer. Não se veem policiais uniformizados na
Praça Taksim, nem em volta. Depois que recolheu os policiais da polícia de
choque, o governo de Erdogan optou pela total ausência de polícia no Parque Gezi
– embora continuem os enfrentamentos violentos em outras cidades do país,
principalmente em Ancara, onde a Polícia usou gás lacrimogêneo e canhões de água
para reprimir os protestos. Vídeo a seguir:
Mas
não há policiais em Taksim, que é onde Erdogan disputa a grande batalha
midiática internacional – única batalha que obrigou os grandes veículos turcos a
começar a reconhecer que algo acontece em Istambul.
Erdogan
organizou para ele mesmo um banho de massas, na chegada a Istambul, vindo da
Tunísia. Dezenas de milhares de pessoas o receberam com ovações no aeroporto,
onde falou de prosperidade e democracia.
Dia
seguinte, seis
jornais turcos publicaram a mesma manchete
Erdogan parece pensar que a jogada deu certo. Seu partido anunciou, para a
semana que vem, grandes
comícios em várias cidades e grandes manifestações em Ancara e
Istambul.
A queda
de braço continua. Erdogan começa a pôr suas forças na rua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.