Publicado
em 06/12/2012 por Urariano Motta*
Recife
(PE) - Aqui
mesmo nesta coluna, publiquei em 18/02/2009 o texto “A vitória do frevo”. Foi
como uma previsão desta notícia, que vem agora, mais de três anos
depois:
Frevo
é declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela
UNESCO
O
frevo, principal ritmo que anima o carnaval pernambucano, foi reconhecido nesta
quarta-feira (5) como Patrimônio Imaterial da Humanidade. O anúncio foi feito em
Paris, durante a cerimônia organizada pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
É
claro, os traços da previsão, deste colunista que é profeta apenas pelas barbas,
diziam mais respeito à vitória do frevo porque a juventude o tomara como seu,
nas ruas de Olinda e do Recife, muitos anos antes da notícia acima. Já antes e
ali nos encantava o fenômeno, a todos que andamos com esta peruca de cabelos
brancos, quando dizíamos:
Nós,
os senhores encanecidos, com ar respeitável, mas com um espírito de moleque,
este sim, imortal, devemos saudar os nossos filhos que pulam nas
ladeiras,
“Olinda,
quero cantar a ti esta canção,
Teus
coqueirais, o teu sol, o teu mar,
Faz
vibrar meu coração de amor
a
sonhar, minha Olinda sem igual,
Salve
o teu Carnaval!”
Ouvir
e ver esta renovação com os olhos e ouvidos bem abertos, plenos de curiosidade,
para melhor receber este presente do frevo. Temos agora a certeza, com algo
vivo, que uma cultura não se destrói. Isto é bom, uma felicidade e bela. Estamos
todos bestas, cantarolando com aparência de idiotas, que nunca perdemos, “você
diz que ela é bela, ela é bela, sim, senhor. Porém poderia ser mais bela, se ela
tivesse meu amor. Bela é toda a natureza, bela é tudo que é belo”. Nem sequer
sonhávamos com semelhante fevereiro. Bela é tudo que é belo. Todos podemos
afinal dizer que o frevo venceu.
E
mais dizíamos. A música do frevo para os corações fracos não se recomenda. Ouçam
e escutem Vassourinhas.
Curtam
as variações de Felinho no sax. Que magnífico! Vassourinhas lembra que o frevo é
uma intimação, uma ordem. “Vamos, esmorecido”. Se o amigo não é mais de pular,
como um certo cidadão que ora escreve, procure um abrigo de abstração ao ouvir
Vassourinhas.
Diga-se,
por exemplo, que melodia estranha e bela. Que acordes, você deve se dizer de
olhos bem fechados para não ver a multidão na praça, no largo e nos largos que
se tornam pequenos.
O
frevo de rua, que vem encantado em instrumentos de sopro, de metais, puro filé,
poderia ser dito, mas não, frevo de rua está mais para sangue coagulado de
porco, que melhorado com suas vísceras chamamos de sarapatel, o frevo de rua
ainda guarda elementos de música de guerra.
Nelson Ferreira, que era maestro supremo nesse
gênero, dava uma lição bem prática: “Peguem o Hino Nacional. Toquem rápido, mais
rápido... isso já é frevo”. Com isso ele queria dizer que o frevo veio das
bandas militares, que em uma estranheza tão rara quanto a passagem do primo do
macaco para o homem, evoluíram dos dobrados marciais para o frevo.
De
rua, e de rua foi para o frevo-canção, que se espraiou para o frevo de bloco,
com um andamento mais leve, suave, mais família e menos raivoso, digamos
assim.
No
entanto olhem a contradição: o que víamos então com olhos de ver e coração de
sentir, ainda estava longe da vitória universal destes mais recentes dias: o
frevo é patrimônio da humanidade, reconhecido mundialmente.
A
vontade que dá é de falar mais nada. Somente ficamos com vontade de chorar como
pai besta diante dos filhos geniais que pulam e gritam nas ruas de Pernambuco do
Brasil, “o frevo é do mundo, de todo o mundo”.
O que antes era quase um exotismo, uma
esquisitice de um povo tido como bárbaro, agora é a bênção suave da cultura de
todos os lugares e pessoas.
Mas
como escritor que rejeita a mentira, devo dizer ao fim: o frevo que toca para o
mundo ainda não toca nas rádios pernambucanas. Sabiam?
Com
exceção do programa de Hugo Martins, “O tema é frevo”, na Rádio Universitária, o
frevo em Pernambuco só é tocado nas emissoras durante o carnaval. E olhem lá.
Atenção, diretores artísticos de rádio, atenção, idiotas do hit parade: o frevo
precisa tocar todos os dias, de manhã, de tarde e de noite.
Quem
há de enjoar de ouvir Capiba, Nelson Ferreira, Levino Ferreira, Edgard Moraes,
João Santiago, J. Michiles, Alceu Valença, Getúlio Cavalcanti, Antonio Nóbrega,
Maestros Forró e Spok ...?
Pois
o carnaval pernambucano agora é eterno em documento da Unesco. É mole? É frevo.
Não sei se vocês notaram, mas o colunista ficou meio
besta.
Urariano Motta* é
natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista,
publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de
oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador
do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente
também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo,
2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em
1973, e Os corações futuristas (Recife,
Bagaço, 1997).
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