29/12/2012, Slavoj Žižek, Salon [entrevista a Katie Engelhart]
(excertos)
Traduzida pelo pessoal da Vila Vudu
Recadinho da Vila Vudu: Excluímos, nessa tradução, além das opiniões da
jornalista entrevistadora que a ninguém aqui interessaram, também outros
parágrafos, em que a jornalista entrevistadora dedica-se empenhadamente em
tentar fazer seu entrevistado – muitíssimo maior e mais interessante que a
jornalista entrevistadora – caber, a qualquer custo, nos limites estreitíssimos
das perguntas. Nós aqui DESTESTAMOS jornalistas. Há algo de obscenamente
pervertido no jornalismo empresarial-comercial. É a perversão obscena que há no
jornalismo empresarial-comercial, que o faz ser, ao mesmo tempo, tão
furiosamente defendido pelos liberais perversos e tão furiosamente detestado
pelos comunistas. Antes de construirmos o mundo dos muitos, teremos de dar cabo
de todo o jornalismo empresarial-comercial: da imprensa-empresa e dos
jornalistas formados pela e para a imprensa-empresa.
Slavoj Žižek |
(...) Salon entrevistou
Žižek pelo Skype. (...)
Salon: Recentemente a
revista Foreign Policy incluiu seu nome entre os Pensadores Globais
Top 100 de 2012.
Žižek: Sim, mas me puseram no fundo do
topo! [1]
Salon: Você é o número 92.
Acha que merece estar naquela lista?
Žižek: Ah, não, você não me pega nessa,
nem que me torture! Sei que é mais polido dizer que não. Mas... a primeira da
lista não é aquela senhora de Myanmar? Sempre esqueço o nome dela. Como é mesmo?
Salon: Aung San Suu Kyi?
Žižek: É, essa! Nada contra ela, mas...
explique-me, por favor: em que sentido aquela senhora seria filósofa ou
intelectual?
Salon: Bom... É uma lista
de “pensadores”, não de “filósofos”.
Žižek: Sim, sim, mas... em que sentido
ela seria pensadora? Quer democracia no Myanmar. OK, é ótimo, muito bom. Mas não
se pode simplesmente aceitar que um ideal nunca passe de um ideal. Oh, a
democracia! Todos têm orgasmos com a democracia. Então, ok, democracia, algum
dia, para todo mundo.
Isso não é pensar. O pensamento
começa quando você propõe questões realmente difíceis. Por exemplo: o processo
democrático decide, realmente, o quê? (...)
Sabe... Na minha vida privada sou
sujeito extremamente deprimido. Olhe onde estou agora. Olhe em volta. Estou em
Paris.
[Žižek levanta o laptop para
mostrar o quarto de hotel, poucos móveis, uma cama simples e uma janela
pequena.]
Está vendo? Estou num quarto
pequeno. Fugi da minha casa por uma semana, porque precisava sair de lá. Aqui,
só saio do quarto uma, às vezes duas vezes por dia, só para comer. Exceto você,
agora, e um amigo com quem falo pelo Skype, não troco uma palavra com nenhum ser
vivo há quase uma semana. E gosto tanto disso!
Esse, por falar nisso, é o motivo
pelo qual acho tão incrivelmente chatos os reality shows; porque as
pessoas não são aquilo. Estão mostrando uma imagem delas mesmas, o que é tão
insuportavelmente chato, tedioso, estúpido. Não entendo por que tanta gente
assiste àquilo. Acho que deve ser proibido. Acho também que Facebook e Twitter também devem ser proibidos. Você
não acha? (...)
As únicas fotos que tenho de mim
mesmo são as fotos dos documentos, no meu passaporte. Mas, calma! Não significa
que eu me despreze completamente. Não. Gosto do meu trabalho publicado. Vivo
para aquele trabalho – de fato, vivo para a teoria. Não me envergonho de viver
para a teoria. Detesto essa atitude esquerdista humanitária: As pessoas estão
com fome! Criancinhas na África! Num mundo desses, quem precisa de teoria?
Nada disso! Digo que hoje precisamos muito de teoria inútil, mais do
jamais antes na história do mundo.
(...) Quem me conhece sabe que sou pessoa bem organizada. Sou extremamente organizado. Tudo é planejado, até os minutos. Por isso, consigo produzir muito. Digo: em quantidade; não falei de qualidade.
(...) Quem me conhece sabe que sou pessoa bem organizada. Sou extremamente organizado. Tudo é planejado, até os minutos. Por isso, consigo produzir muito. Digo: em quantidade; não falei de qualidade.
Sou muito bem treinado. Trabalho
em qualquer
lugar. Aprendi no exército.
Pareço meio atirado, desleixado,
eu sei. Porque acho escandaloso comprar calças, camisas, jaquetas, paletós para
mim. Minhas camisetas são presentes que ganho de colóquios ou manifestações de
que participo. Minhas meias são as que distribuem em voos internacionais.
Aqui , então, praticamente esqueço do que visto.
Mas meu apartamento tem de estar
limpo; sou maníaco por organização e controle. Por isso, precisamente, fiquei
tão desapontado quando prestei serviço militar. Não que eu fosse filósofo
trapalhão, incapaz de viver vida disciplinada. O choque foi ver que o velho
exército iugoslavo era, sob a aparência de ordem e disciplina, uma sociedade
caótica na qual nada dava certo e nada funcionava. Fiquei profundamente, muito
profundamente decepcionado com o exército, quando descobri que era tão caótico.
Meu ideal seria viver num
monastério.
Salon: (...) Você disse ao Guardian, ano passado [2]:
“Sou filósofo, não profeta”. Mesmo assim, seus seguidores são crentes fiéis.
Muitos o cultuam como profeta. Por quê?
Žižek: Não sei. Sou ambíguo, quanto a
isso. Por um lado, volto a um marxismo mais clássico, do tipo “Isso não pode
durar! A loucura é geral! A hora do acerto de contas vai chegar, e blá blá
blá”.
Mas também odeio toda essa
conversa do politicamente correto, essa merda de estudos culturais e tal e tal.
Se alguém me fala de “pós-colonialismo”, respondo “Foda-se o pós-colonialismo!”
Pós-colonialismo é invenção de uns riquinhos, na Índia, que perceberam que
poderiam fazer carreira nas universidades top do ocidente, jogando com a
culpa dos liberais brancos.
Salon: Você então oferece
um respiro ao pessoal de 20 e poucos anos, que quer fugir dos frutos do
pós-modernismo: o politicamente-correto, estudos de gênero, etc.?
Žižek: Isso, isso! Muito bom! Gostei!
Mas... também há algo de
megalomania em mim. Quase me concebo, eu mesmo, como uma figura de Cristo.
OK! Me matem! Estou pronto para o sacrifício. Morro, mas a causa
permanece!
Mais
ou menos isso...
Mas, paradoxalmente, detesto
aparições públicas. Por isso, precisamente, deixei quase completamente de dar
aulas. Para mim, nada pode ser pior que o contato com estudantes. Gosto de
universidades sem alunos. E odeio, muito especialmente, os alunos
norte-americanos. Eles acham que você lhes deve alguma coisa. Cercam você... Só
trabalho no horário obrigatório!
Sim, sim, nisso sou completamente
europeu – especificamente: sou pela tradição autoritária alemã. A Inglaterra já
está corrompida. Na Inglaterra, os alunos pensam que podem parar você na rua e
perguntar qualquer coisa. Acho isso repulsivo.
Friedrich Hegel |
Mas em outros aspectos... admiro
muito os EUA e o Canadá. Hoje, em vários sentidos, são melhores que a Europa. A
França e a Alemanha, por exemplo, estão hoje em situação muito baixa,
intelectualmente – a Alemanha, sobretudo. Absolutamente nada acontece de
interessante, na Alemanha. Os EUA e o Canadá, surpreendentemente, estão
intelectualmente vivos. Dou-lhe um exemplo: estudos hegelianos. Europeu que
queira entender Hegel, tem de ir para Toronto, Chicago ou Pittsburgh.
Salon: O que Hegel diria da
popularidade do filósofo Žižek?
Žižek: Não seria problema, para ele.
Hegel até escreveu – acho que no fim da Fenomenologia – que se, como
filósofo, você realmente articula o espírito do tempo, o resultado é
popularidade ... mesmo que as pessoas não entendam tudo o que você diz. As
pessoas de algum modo sentem que o espírito do tempo foi articulado... Essa é
uma bela questão dialética: como é que as pessoas sentem isso?
Salon: Quando você
escreve os livros de popularização, dos quais diz que não gosta [3]
quem você imagina que seja seu leitor?
Žižek: Não, não! Pergunta proibida!
Jamais me pergunto tal coisa. Pouco me importa! Outra proibição absoluta é que
jamais me autoanaliso. A ideia de me autopsicanalisar é repugnante. Nisso, sou
uma espécie de pessimista católico conservador. Acho que, se olhamos muito fundo
dentro de nós mesmo, descobrimos montes de merda. Melhor não saber. (...)
Laura Kipnis |
Odeio jornalistas e
documentaristas, gente que faz filmes da minha vida. Acho que há alguma coisa de
obsceno nos filmes que fizeram sobre mim. Claro, claro... Aí, você me pegou: se
eu fosse realmente indiferente àqueles filmes, porque mentiria como sempre
minto, quando filmam a minha vida? É. Aí há um problema.... (...)
Falando de amor e sobre a vida das
pessoas, há um livro que eu realmente detesto: Against Love [Contra o
Amor], de Laura Kipnis. [4] A ideia dela é que a última defesa
da ordem burguesa é “Nada de sexo fora do amor”. É aquela conversa de Judith
Butler: reconstrução, identidade e blá, blá, blá...
Digo que é exatamente o contrário
disso. Hoje, os envolvimentos de amor são considerados quase patológicos! Acho
que há algo subversivo em declarar: esse é o homem ou a mulher no qual aposto
tudo. Por isso, nunca fui capaz de transas de uma noite. Sempre preciso de uma
perspectiva de eternidade.
Judith Butler |
Salon: Você parece usar a
filósofa feminista Judith Butler como uma espécie de antítese. Já a mencionou
várias vezes. É como um espantalho, para você?
Žižek: É. Mas pessoalmente somos
grandes amigos. Judith, uma vez, me disse “Slavoj, você deve me achar bem
mesquinha.” Respondi: “De jeito nenhum! Alguém que goste tanto de Hegel, como
você, não pode ser completamente idiota”.
Salon: Com que figuras
históricas você se identifica?
Žižek: Robespierre. Um pouco, talvez,
com Lênin.
Salon: Lênin? Trotsky não?
Žižek: Em 1918-19, Trotsky era mais
duro que Stálin. E gosto dessa dureza, nele. Mas jamais o perdoarei por ter
fodido tudo em meados dos anos 20s. Foi estúpido, arrogante. Sabe o que ele
fazia? Chegava às reuniões do Partido com clássicos franceses debaixo do braço,
Flaubert, Stendhal... Como se dissesse aos outros: “Fodam-se! Eu sou
civilizado”.
Salon: Você escreve que
temos de pensar mais e agir menos. Mas, no fim, identifica-se com Lênin,
conhecido homem de ação.
Žižek: Não, não é bem assim! Calma.
Lênin é sempre o cara certo. Quando tudo deu errado em 1914, o que fez Lênin?
Mudou-se para a Suíça e começou a estudar Hegel.
Notas dos tradutores
[1] A lista está em: “2012's Global Marketplace of Ideas
and the Thinkers Who Make Them”. A seleção dos “pensadores” é ridícula: Paul Ryan, que
jamais pensou coisa alguma, aparece em 8º lugar; o governo de Israel lá aparece,
nos postos 12º a 15º (ministro da Defesa, primeiro-ministro, ex-diretores do
serviço secreto); Mario Draghi, Christine Lagarde, também são “pensadores”
listados; Dick Cheney (aliás, dois ‘'pensadores'’ da mesma família, marido &
mulher); 88º é Habermas.
[2] 15/7/2012, The Guardian,
Stuart Jeffries em: “A
life in writing: Slavoj Žižek”
[3] ZIZEK, Slavoj, 2011. “O ano em que sonhamos perigosamente”.
São Paulo: Boitempo Editorial, 2012.
[4] A revista (não)VEJA, ao que
parece, adorou o livro. Deu-lhe ampla cobertura ainda no pré-lançamento da
edição brasileira, em maio de 2004. Está em: Entrevista: Laura Kipnis
- Contra o amor
_______________________
Leia mais de/sobre Slavoj
Žižek:
-
29/10/2012, redecastorphoto, “Nosso inimigo é a ilusão democrática”
-
8/11/2011, redecastorphoto: Slavoj Zizek fala à rede Al Jazeera: “Agora, o campo está aberto”
-
20/8/2011, redecastorphoto: Slavoj Žižek: Assaltantes de lojinhas do mundo, uni-vos!
-
25/4/2012, redecastorphoto: Assange:“Esquerda e direita, no século 21: Žižek e Horowitz”
- 28/5/2012, redecastorphoto: “A Europa e os gregos: Deus nos salve dos salvadores!”
- 8/9/2010, redecastorphoto: “Ecologia, ópio do povo”
-
17/1/2012, redecastorphoto: “A revolta da burguesia assalariada”
e
leia muito mais inserindo a palavra Slavoj na barra de pesquisa
do blog redecastorphoto
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