sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

É hora de a imprensa informar sobre o sionismo


5/12/2012, Philip Weiss, Information Clearing House
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu




Philip Weiss é judeu e fundador e co-editor do Mondoweiss.net




Margaret Sullivan
Semana passada, Margaret Sullivan, editora do New York Times descreveu-me como “o jornalista judeu-norte-americano antissionista que escreve sobre o Oriente Médio”. É minha reputação; concordo com ela, claro. Mas quando a mesma Sullivan citou Jeffrey Goldberg, não disse que é judeu ou sionista – nem que emigrou para Israel, porque achava que os EUA não eram local seguro para judeus, e serviu como oficial do exército de Israel antes de retornar aos EUA para passar a viver de recomendar que os EUA sigam sem pestanejar a política de Israel contra árabes.

As duas medidas de Sullivan são indefensáveis, mas são típicas de uma modalidade de censura que opera no jornalismo norte-americano. A imprensa-empresa nos EUA absolutamente não informa os leitores sobre o sionismo. Nada dizem. Sequer tentam mostrar a ideologia que está no coração do problema entre Israel e os palestinos. As empresas-imprensa não se impedem de informar seus leitores sobre outros movimentos de caráter religioso, dos movimentos evangélicos que se opõem às pesquisas com células-tronco, ao Islã radical. Têm obrigação, é claro, de informar também sobre o sionismo.

Jeffrey Goldberg
O sionismo é movimento que já tem 115 anos na vida dos judeus, e que prega a necessidade de haver um estado judeu na Palestina, porque os judeus não viveriam em segurança no ocidente e, também, porque os judeus teriam uma conexão bíblica com a Palestina. Há quem diga que esses conceitos seriam complicados demais para explicar aos norte-americanos. (Norman Finkelstein fez piada: disse que não faria diferença, se o sionismo fosse creme para os cabelos; e que absolutamente não interessa a ninguém, na New School, em outubro). Não penso assim.

As crenças são muito importantes e os norte-americanos têm o direito de saber por que tantos judeus norte-americanos creem que Israel seja necessária, num momento da história em que esse conceito tanto pressiona a política externa dos EUA.

Não é suficiente, do ponto de vista informacional, que um repórter diga que alguém é “pró-Israel”. O sionismo tem caráter religioso e determina toda a visão de mundo dos seus crentes, dá significado à vida de cada sionista. Não raras vezes, é como um princípio, uma noção central, que determina as posições do crente em várias outras áreas (como se vê hoje, nos EUA, entre os neoconservadores). E é conceito muito profundamente implantado na comunidade oficial dos judeus norte-americanos.

Spencer Ackerman
Pessoalmente, creio que a imprensa-empresa sempre se recusou a informar sobre o sionismo, porque implicaria forçar alguma espécie de autoanálise, de autoquestionamento entre os próprios judeus. Imagine Ted Koppel, num programa de televisão, no qual Wolf Blitzer, Robert Siegel, David Gregory, Andrea Mitchell, Richard Engel e Ed Rendell tivessem de explicar, ao vivo, o que significa, para cada um deles, o sionismo. Reconhecer que os judeus dominam o establishment nos EUA, e que o sionismo é ideologia poderosíssima entre eles – e, portanto, também no establishment – tiraria muitos judeus de sua zona de conforto; então, a conversa toda é verboten [proibida].

Mas, se não se discutem essas crenças, e se Israel e seus apoiadores continuam a desempenhar papel tão importante na política dos EUA, o silêncio prejudica, para começar, os próprios judeus.

É o silêncio, é a ignorância, que leva tanta gente, que justificadamente se opõe furiosamente contra a política externa dos EUA, a supor que todos os judeus apoiam Israel; ou a suspeitar de que os judeus mascaram a dupla lealdade a ponto de recomendar medidas de segurança aos EUA que, de fato, aumentam os perigos, não a segurança.

Judith Butler
É a ignorância geral que permite que tantos sionistas tentem mascarar o apoio cego dos judeus a Israel e declarem que não haveria diferença entre antissemitismo e antissionismo. E há diferenças. Há diferenças enormes. Basta conhecer Jewish Voice for Peace. Basta conhecer Hannah Arendt. Basta conhecer Judith Butler.

Também permite aos judeus evitar questões históricas/existenciais muito importantes que nós, judeus, deveríamos discutir publicamente e que exigem resposta urgente: É verdade que, como judeu, sinto-me inseguro nos EUA ou na Europa? E, se me sinto inseguro nos EUA, o que estou fazendo aqui? (Tema do novo livro de Shlomo Sand). Se me sinto seguro nos EUA, preciso de Israel? Creio mesmo na necessidade de haver um Estado judeu? A que preço? Quem Israel faz sentir inseguro, dizendo que trabalha em meu nome?

Schlomo Sand
Penso que todos os judeus deveriam estar discutindo abertamente esses temas. Mas não discutirão antes que a imprensa-empresa dominante levante a questão da fé religiosa. Há, afinal, sinais de que o gelo pode estar derretendo. 

Semana passada, Andrew Sullivan, dos líderes mais influentes, publicou um miniensaio (atacando o sonho do sionista liberal Spencer Ackerman, de uma guerra de lasers), no qual afirmava que o sionismo é mais um daninho “ismo” do século 20, cuja época já passou; e que a moderna realidade política já nada tem a ver com o objetivo de criar um Estado de maioria judaica. Ethan Bronner (reputado sionista liberal que parece compreender que o sionismo perdeu o rumo) deu espaço a Rami Khouri, na primeira página do New York Times durante o assalto contra Gaza, para atacar o sionismo. 

Na National Public Radio, NPR, Jim Fallows disse valentemente que sempre houve uma tensão entre a criação de Israel como estado judeu e o que se entende por estado democrático; sugeriu claramente que não há estado que possa ser, simultaneamente, as duas coisas.

Rami Khouri
Como Fallows e Sullivan parecem saber (e Matt Yglesias e David Remnick com certeza professarão algum dia, e como Jonathan Cook sabia há muitos anos, e o falecido Ibrahim Abu-Lughod sabia quando era adolescente em Jaffa), a contradição entre democracia e nacionalismo judeu sempre existiu no projeto sionista, desde o início, mas sempre foi apresentada como uma tensão, não como contradição, para que os sionistas e seus amigos não vissem qualquer objeção em abraçar a causa sionista.

A Nakba – a Catástrofe dos palestinos – de 1948 continua hoje na limpeza étnica em toda a Área C da Cisjordânia e na pulverização de Gaza. Mas os liberais sionistas se autoautorizaram a omitirem-se ante a destruição dos direitos dos palestinos, chamando de “tensão” essa contradição que sempre existiu, e que, como tensão, poderia ser resolvida quando houvesse um estado palestino ao lado de um estado de maioria judaica. Como se, amanhã, os palestinos devessem contar com recuperar seus direitos, no contexto de um Estado judeu expansionista. Como se Oslo trouxesse paradigma político mais significativo para o Partido Likud, cujas raízes prendem-se fortemente à ideologia sionista e que se vai tornando mais direitista, a cada minuto.

O sionismo brotou da real condição em que viviam os judeus na Europa no final do século 19 e início do século 20. Posso facilmente me ver como sionista naquele momento e em outros momentos da história dos judeus. Teria sido sionista, se vivesse no círculo de Kafka, em Praga, aos 19 anos, vendo crescer em volta o antissemitismo. Teria sido sionista, se tivesse nascido na família da melhor amiga de minha mãe, em Berlim, nos anos 1930s.

Hannah Arendt
Mas nasci nos EUA, no século 20. Durante toda a minha existência, o sionismo sempre foi ideologia perigosa para os palestinos e para praticamente todo o Oriente Médio. O sionismo apoiou a estratégia da Cortina de Ferro de militância nas sempre moventes fronteiras de Israel. O sionismo criou uma Esparta, como Hannah Arendt previu que aconteceria, em 1948, quando viu que Israel nascera em guerra e viu o expurgo de refugiados palestinos, iniciado desde antes de haver Estado judeu.

Considero-me hoje um antissionista liberal, ou um não sionista (porque o rótulo é menos confrontacional face aos sionistas que tento arrancar de sua crença equivocada). Gosto das tradições liberais das liberdades pessoais nos EUA, entre as quais a tradição de tolerância ante ideias religiosas e ideológicas que me parecem nada significar ou serem veículo de preconceitos. Esses princípios liberais garantiram minha liberdade como minoria nos EUA e asseguraram-me vida muito, muito boa, inclusive trabalho e emprego assegurados pela Primeira Emenda e o direito de casar com uma não judia – casamento que seria impossível em Israel, onde sequer existe o casamento civil.

Sou antissionista porque rejeito todo o programa religioso-nacionalista do sionismo: não vejo qualquer necessidade de que haja um Estado judeu, não vejo Jerusalém como “mais” meu lar, que o Quênia, de onde vieram meus ancestrais, antes do templo. Não subscrevo a teoria racial do povo judeu. Acredito no que os EUA me dizem e fazem e são. Não gosto de separação entre pessoas por causas étnicas, com cidadania de primeira classe garantida a um e negada ao próximo; e vejo os atuais aspectos militantes e totalitários da sociedade israelense como efeito de um sistema de crenças, o sionismo, exatamente como a opressão do outro lado da Cortina de Ferro foi efeito de interpretação viciosa que o Politburo deu ao comunismo.

Alan Dershowitz
Oponho-me ao sionismo, também, porque o lobby israelense tem papel muito daninho, na nossa política externa, e o lobby israelense é inerente ao sionismo, do qual brotou. Desde o início, o sionismo dependeu do apoio das potências imperiais. Herzl buscou o apoio do Kaiser e do Sultão, Weizmann buscou o apoio do Primeiro-Ministro britânico, Ben Gurion buscou o apoio do presidente dos EUA. “Tornamo-nos parte do esforço de lobbying talvez mais efetivo em toda a história da democracia”, disse Alan Dershowitz.

Sim, e esse lobby contribuiu para que se gerassem as condições que levaram ao 11/9, à guerra do Iraque, aos assassinatos de Robert Kennedy e Rachel Corrie e Furkan Dogan, e a toda a histeria contra o Irã.

Quanto mais rapidamente tenhamos essa discussão, mais distância se construirá entre a comunidade dos judeus e a política exterior dos EUA. É possível mudar essa “relação especial” e isolar Israel por conta das violações de direitos humanos e pressionar para que Israel se autotransforme.

Quando essa discussão for possível, os liberais sionistas serão pressionados a decidir em que acreditam mais: no liberalismo ou no sionismo. Grandes escritores, como Matthew Yglesias, Eric Alterman, Richard Wolffe, Peter Beinart e Spencer Ackerman, que nunca param de repetir suas falas de judeus nacionalistas, trocando ideias sempre iguais entre sempre os mesmos, que tratem de resolver o problema que é deles: aquela ideologia – que piada macabra repetir que Oslo favoreceu os palestinos, se se vê a prisão que é Gaza! – terá de decidir de que lado fica, a favor ou contra a democracia. Tenho certeza de que muitos responderão como eu e dirão que preferem uma sociedade na qual as minorias tenham direitos iguais e respeitados, não uma sociedade em que há um grupo que tem todos os privilégios e outro grupo sem direito algum.

Mas não podemos continuar a dar-lhes cobertura. Temos de ter conversa real e aberta, dentro da comunidade dos judeus norte-americanos, discussão que todos vejam. Você é sionista? Por quê? Você se sente inseguro nos EUA? Pense, então, no tipo de insegurança que suas crenças geraram, para tantos, numa terra distante.

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