quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Egito: “A marcha da vitória da Fraternidade Muçulmana”


25/12/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Amr Moussa
Na véspera do referendo constitucional no Egito, o ex-ministro de Relações Exteriores, ex-secretário-geral da Liga Árabe e hoje figura de destaque na oposição no Egito, Amr Moussa disse, desafiador, em entrevista à imprensa ocidental, que “há uma regra, válida em todos os parlamentos e em todas as conferências da ONU, segundo a qual questões importantes devem ser aprovadas por maioria de dois terços (...). Todas as circunstâncias obrigam a que essa Constituição [do Egito] tenha de ser aprovada por maioria de dois terços”. [1]

Segundo relatos iniciais, a nova Constituição do Egito foi, sim, aprovada por dois terços dos votantes. Não há dúvidas de que é vitória política importante para o presidente Mohamed Mursi e a Fraternidade Muçulmana.

Ainda que se assuma que a desunião e a fragilidade organizacional da oposição trabalharam a favor da Fraternidade Muçulmana, esses fatores, só eles, não explicam o resultado do referendo. A Fraternidade e seus aliados salafistas trabalharam muito para fazer campanha eleitoral efetiva e conseguir que a nova Constituição nascesse com o apoio democrático de forte maioria.

Mohamed Mursi
Mesmo assim, a oposição recusa-se a aceitar o veredito das urnas. E a imprensa-empresa ocidental trabalha desabridamente para que haja mais agitação no Egito. Todos os tipos de forças ocultas parecem conjuradas e em ação no Egito.

Vários grupos de oposição são patrocinados das coxias, pelos monarcas sauditas do Golfo Pérsico e pela Jordânia, que nutrem profundo ressentimento contra a Fraternidade, que veem como se encarnasse a oposição internacional, revolucionária e islamista que aqueles governos enfrentam em casa.

O jornal Al-sharq Al-awsat, dos sauditas, escreveu no domingo que a diferença entre Mursi e a oposição egípcia é “a diferença entre os que creem na importância do Estado e de suas instituições , e os que querem devorar o Estado e deformar o desempenho de suas instituições e de seus conceitos básicos”. E alertava contra “o perigo do que está acontecendo no Egito e em nossa região”. [2]

Mas os Irmãos têm nervos de aço. Dificilmente se deixarão intimidar pelo ódio visceral que o regime saudita e as outras monarquias do Golfo nutrem contra eles. O trunfo dos Irmãos é que contam com o declarado apoio da vasta maioria da nação, no Egito. O Jerusalem Post resumiu brilhantemente:

Fraternidade Muçulmana
Mursi continuará a solidificar seu poder no Egito e a trabalhar pragmaticamente para ir o mais longe que conseguir, sempre cobrindo a retaguarda, para poder retroceder, se vir ameaçado o próprio poder (...). Se, contudo, a Fraternidade Muçulmana constatar que pode continuar a avançar, atropelando qualquer oposição, o mais provável é que os Irmãos façam exatamente isso. É situação que já se vê hoje, quando já sabem que contam com vasta maioria de “sim”, no referendo constitucional que acaba de ser votado.  [3]

Falta ainda aferir se a posição do presidente Barack Obama dos EUA quanto aos levantes no mundo árabe trabalhou também a favor da Fraternidade Muçulmana no Egito. Obama pulverizou a tradicional política norte-americana de ignorar completamente o povo árabe. Em avaliação extraordinariamente lúcida e distanciada, um dos mais importantes diplomatas iranianos e ex-vice-ministro de Relações Exteriores do Irã, Dr. Seyyed Mohammad Sadeh Kharrazi disse recentemente:

Sadeh Kharrazi
Obama agiu muito sabiamente, ante os levantes populares no mundo árabe e o Despertar Islâmico. Pela primeira vez, ao contrário do que fazem tradicionalmente, sempre apoiando os ditadores, os EUA puseram-se ao lado do povo árabe, não ao lado dos velhos regimes autoritários. Foi uma das decisões estratégicas mais crucialmente importantes, que o governo dos EUA não tenha seguido [sic] seus ex-aliados contra os massivos protestos populares. [Obama] foi hábil: fez o que os EUA sempre fizeram e não se opôs abertamente aos ditadores; mas manifestou alguma simpatia pelos levantes populares no Egito, na Tunísia. Claro que fez o que fez em consideração ao interesse dos EUA. O princípio básico da política externa norte-americana sempre acompanha o interesse dos EUA. Fato é que Obama não se ter oposto abertamente ao Despertar Islâmico pode, sem dúvida, ser considerado o mais importante evento de toda a história das relações entre os EUA e o mundo islâmico.



Notas
[1] 23/12/2012, Tehran Times, em: Egyptian constitution approved by 64% of voters"
[2] 23/12/2012, The Globe and Mail, Patrick Martin em: “Q&A: The division in Egypt is ‘dangerous’, former foreign minister says
[3] 24/12/2012, Jerusalém Post, Ariel Ben Solomon em: Analysis: Morsi continues according to plan

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Embaixador *MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Asia Online. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

Um comentário:

  1. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Detalhe: sim, mais de 2/3 dos “votantes” aprovou a nova Constituição egípcia.
    O problema é que só participou da votação menos de 33% da população do Egito apta a votar. E isso o artigo não diz.
    Menos de 33% de um povo não é maioria, muito menos de 2/3. É minoria total. Sem contar as ilegalidades praticadas pelos Irmãos durante ambas as sessões de votação.
    Sim, é preciso respeitar um governo eleito democraticamente e não advogar sua deposição. Mas é preciso que esse governo se disponha a negociar com a verdadeira oposição à nova Constituição e ao processo que lhe deu origem, também manipulado pelos Irmãos.

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