1/12/2012, Mohamad Hamas ElMasry, Egypt Independent
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Mohamad Hamas
Elmasry é
professor-assistente no Departamento de Jornalismo e Comunicações de Massa da American University, no
Cairo.
Ser
liberal é ser democrata. Parece óbvio.
Mas
no Egito – como na política externa dos EUA –, a coisa é mais complicada, porque
há vários diferentes modos de trair os princípios da democracia – o que fazem
muitos dos que se apresentam como liberais ou que falam do liberalismo como sua
ideologia política.
Examinemos,
por exemplo, rapidamente o quadro político no Egito, para ver como se desenrola,
ante nossos olhos, um ataque “liberal” contra a democracia, no Egito
contemporâneo.
Em
junho, o Conselho Supremo das Forças Armadas e um Judiciário constituído de
ampla maioria de juízes indicados pelo já expulso presidente Hosni Mubarak
trabalharam juntos para desmoralizar, apoiados numa tecnicalidade, o primeiro
Parlamento que os egípcios jamais elegeram em eleições livres e limpas.
Seria
de supor que essa bofetada perturbaria qualquer um dos neoapaixonados pela
democracia pós-revolução no Egito. Nada disso!
Muitos
“liberais” egípcios não se opuseram ao golpe. Vários até o elogiaram
abertamente. Por quê? Porque a Assembleia Popular estaria dominada por
islamistas, e muitos “liberais” não engolem a ideia de ser governados, por
quatro anos, por Parlamento de maioria islâmica, mesmo que democraticamente
eleito. Em resumo, a ira que os islamistas causam aos “liberais” levou os
“liberais” a esquecer completamente de todos os seus muito alardeados princípios
democráticos.
Aí
está narrativa que não soará estranha a quem acompanhe a atual política externa
dos EUA, com os EUA ativamente envolvidos em golpes contra governos
democraticamente eleitos, porque os eleitores (na Palestina, na Guatemala, no
Irã, na Venezuela, no Brasil, dentre outros países) teriam, na opinião da Casa
Branca, votado “errado”.
Muitos
“liberais” egípcios, como os que governam os EUA, não parecem ter entendido, até
hoje, que, em democracias, vota-se, contam-se os votos e a maioria assume o
poder de pleno direito, mesmo que sejam islâmicos ou que não sejam “alinhados”
com Washington. Supor que haja democracia “certa” – parece democrática para
“nós”, mesmo que não seja democrática para “eles” – não faz de nenhum “liberal”,
um democrata.
Mohamed Mursi |
Mais
recentemente, em julho, quando o movimento do presidente então recém eleito
Mohamed Mursi para reinstituir a Assembleia Popular foi bloqueado, muitos
“liberais” deram de ombros e não se incomodaram. E muitos nem deram de ombros,
nem tomaram conhecimento.
Em
agosto, Mursi, num esforço para atender a uma importante demanda da revolução,
tentou demitir o Procurador Geral do Estado, homem nomeado por Mubarak e
destinado a permanecer no posto até atingir a idade de aposentadoria. Outra vez,
Mursi foi impedido de completar seu movimento democratizatório revolucionário;
e, mais uma vez, os “liberais” egípcios calaram-se, quase completamente; e nada
fizeram, ou quase nada.
Mais recentemente, e talvez o evento mais importante, a
Assembleia Constituinte, democraticamente reunida e encarregada de redigir a
nova Constituição do Egito, foi ameaçada pelos dois lados: pelas forças
políticas “liberais” e pelo Judiciário. Relatos sugerem que o Judiciário chegou
bem perto de dissolver a Assembleia Constituinte, enquanto ainda trabalhava na
redação da nova carta constitucional do Egito [1].
A
Assembleia Constituinte é um importante ponto a ser analisado. Cerca de 20 dos
54 membros não islâmicos dos 100 que constituem a comissão, abandonaram
recentemente o barco, reclamando de excessiva, não autorizada e inadmissível
influência islâmica na redação do documento.
As
renúncias aconteceram apesar de, segundo vários relatos confiáveis, de dentro e
de fora da Assembleia, a vastíssima maioria dos artigos da minuta da nova
Constituição terem sido discutidos e aprovados pelos islâmicos e pelos membros
seculares da Assembleia, com os grupos islâmicos mais conservadores já tendo
desistido de introduzir na Constituição as exigências religiosas mais
restritivas.
Recentemente,
fontes confiáveis também confirmaram que muitos dos “liberais” que abandonaram o
barco não estavam tão incomodados com os artigos “religiosos”, mas, sim, por que
muitos membros da Assembleia não estavam dando atenção a uma de suas exigências
“democráticas” mais importantes – que a presidência de Mursi fosse considerada
concluída no momento em que a nova Constituição fosse aprovada; e que se
realizassem novas eleições presidenciais.
Hamdeen Sabbahi |
Hamdeen
Sabbahi, destacado “liberal” socialista e ex-candidato à presidência expôs
claramente essa preocupação “liberal” em outubro, quando exigiu que Mursi
renunciasse depois de aprovada a nova Constituição. No mesmo parágrafo, admitiu
que, fosse ele, jamais aceitaria tal proposta, no caso de ter sido eleito.
Como
se não bastassem os esforços “liberais” para encurtar o mandato de Mursi, já
circulam notícias confiáveis de que o Judiciário prepara-se para cancelar a
declaração constitucional de Morse, de julho; para reinstaurar a declaração do
Conselho Supremo das Forças Armadas (que limita os poderes do presidente e dá ao
Conselho Supremo autoridade para modificar a Constituição); e para destituir o
Conselho da
Shura
– a Câmara Alta do Parlamento, democraticamente eleita.
Depois
de ver desmontada a Assembleia Popular; de ser impedido de demitir o Procurador
Geral; das ameaças de destituição da Assembleia Constituinte e do Conselho
da
Shura; e de mais ameaças de ter o próprio mandato encurtado ou
encerrado para sempre, com a reinstauração do mandato antidemocrático do
Conselho Superior das Forças Armadas... pouco restou ao presidente Mursi, além
de tentar garantir para ele mesmo, poderes temporários para ficar no posto para
o qual foi eleito – esforço para tentar ainda salvar as instituições
democraticamente constituídas do novo Egito e o processo constitucional, que
ainda não está concluído.
Como
se poderia adivinhar que aconteceria e aconteceu, muitos dos “liberais” egípcios
protestaram que o movimento do presidente Mursi – o qual, sim, do ponto de vista
da propaganda e das Relações Públicas, não foi conduzido e divulgado tão bem
como poderia ter sido – comprovaria que Mursi teria traços autoritários, que
fariam dele ditador semelhante a Mubarak.
O
decreto pelo qual Mursi se assegurou poderes, de fato, serviu como excelente
munição para os “liberais” que tentam derrubá-lo ou limitar sua influência,
medidas que desde bem antes já interessavam muito aos mesmos “liberais”.
As
preocupações “liberais” relacionadas à dita “ditadura” (temporária) de Mursi
são, de fato, muito confusas, embora compreensíveis, se se considera o medo
“liberal” dominante em março de 2011, no período de governo provisório do
Conselho Supremo, quando os militares avocaram para eles poderes especiais, um
“provisório” que se estendeu por dois anos.
Mohamed ElBaradei |
“Liberais”
egípcios, como Mohamed ElBaradei, que sugeriu, ele mesmo, o prolongamento do
governo provisório dos militares, não parecem preocupados com a evidência de que
poderes legislativos e executivos voltem a ser entregues a militares não
eleitos, que ainda têm raízes longas e profundas em toda a estrutura do poder no
Egito.
A
recente agitação contra o decreto do presidente Mursi rapidamente levou a
conclamações para que fossem queimadas as sedes da Fraternidade Muçulmana, gerou
revolta contra o presidente eleito e envolveu países ocidentais – ideias
brotadas, todas elas, do ramo “liberal” da política egípcia.
Para
sermos justos, há, sim, liberais equilibrados e sérios no Egito, entre os quais
Mohamed Al-Omdah, que recentemente denunciou Sabbahi – que Omdah ajudou a
eleger, trabalhando em sua campanha eleitoral durante seis meses – por suas
posições antidemocráticas e autoritárias.
Evidentemente,
ninguém, exceto Mursi e seu círculo mais íntimo, podem ter certeza sobre se o
primeiro presidente que o Egito elege em eleições democráticas tem, ele também,
desejos ditatoriais à moda Mubarak, ou, sabe-se lá, até pior que isso.
Em
todos os casos, parece prudente – e mais democrático – esperar que transcorra o
cronograma que Mursi definiu, antes de se pôr a chamá-lo de “faraó” e “ditador”.
Se, ao cabo de três meses, ficar claro que os poderes que Mursi reivindicou para
si nada têm de temporários, então, sim, os “liberais” estarão em posição de
reivindicar o apoio da maioria da rua egípcia para iniciar revolta popular e
democrática. Serei o primeiro a clamar por mobilização e protestos de rua, se
isso acontecer.
É
preciso saber ver com clareza o quadro, hoje: muitos do “liberais” egípcios
apreciaram muito a ideia de ver desbaratada a Assembleia Popular
democraticamente eleita; tentaram acabar com o presidente Mursi, eleito, antes,
mesmo, de ele tomar posse; e, sem conseguir impedir que tomasse posse,
puseram-se a tentar desconstituir e desmoralizar todo o processo constituinte.
Assim, os “liberais” só conseguiram devolver o projeto de uma nova democracia
egípcia, de fato, a um proverbial marco zero.
Bobby Ghosh |
Verdade
é que, em vez de se mobilizarem para próximas eleições, os “liberais” só se
dedicam hoje, no Egito, a procurar meios – ilegais, não éticos e
antidemocráticos – para tirar do poder, ao qual chegou por vias democráticas e
lícitas – a mais poderosa força política que há no país.
Por
pouco estimulante que pareça, a realidade contemporânea no Egito é clara: alguns
respeitam a democracia; a maioria desses, são islâmicos. Bobby Ghosh, da
revista
Time, acertou perfeitamente quando disse, em 2011, que os
islâmicos são os melhores democratas que há no Egito.
Quanto
aos “liberais” egípcios, ainda têm longo caminho a percorrer, antes de poderem
ser reconhecidos como democratas. Por hora, dedicam-se a “conter a democracia” –
tomando emprestada a expressão de Noam Chomsky – por vias e modos que não são
muito diferentes do que têm feito sucessivos governos
norte-americanos.
Nota
dos tradutores
[1]
Sobre isso, ver também, muito interessante, na redecastorphoto, “A
imperfeita Constituição do Egito”, 3/12/2012, Paul R. Pillar
(Consortium News), traduzido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.