30/5/2010, Richard Coles, The Observer, UK
“On
Evil by Terry Eagleton” (2010) [1]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Nós
cristãos temos muito que agradecer a Terry Eagleton. É autor não só
de
Razão, Fé e Revolução
(Trad. Regina Lyra. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2011), a mais deliciosa e útil resposta ao neoateísmo,
como também acaba de publicar outro livro também delicioso e útil, pelo qual
devolve o MAL ao seu lugar.
Detalhe de “Adão e Eva”, de Lucas Cranach, o Velho (1472-1553) |
O
mal tem-se dado pessimamente em anos recentes, muitas vezes ignorado pela – ou
ininteligível para – a ponta vibrante da cultura. É surpreendente, de certo
modo, porque ali, em campo, o mal continua a ter o mesmo potente desempenho de
sempre. Já praticamente sem ser tema de discussão na sociedade bem educada, o
mal, contudo, emerge, luxuriante, nos jornais de massa. E é por aí que Eagleton
começa a examiná-lo, no caso do assassinato de James Bulger e da proclamação de
Jon Venables e Robert Thompson como encarnações do mal. Um policial que
trabalhou no caso disse: “No instante em que pus os olhos nele [em Thompson], vi
que ali estava o mal”. Aí está o tipo de coisa, diz Eagleton, que dá má
reputação ao mal.
Richard Coles |
Como
teólogo, Eagleton adora paradoxos e, embora tenha passado a vida inteira na
vanguarda marxista, é como escritor profundamente católico que ele mais me chama
a atenção.
Certamente,
é homem de gostos literários católicos; e examina o tema do mal em obras de,
dentre outros autores, Graham Greene, Flann O'Brien e Pierre Choderlos de
Laclos, cujo As Ligações Perigosas estimula Eagleton a registrar que “há
boas razões para crer que o demônio seja francês”. Eagleton reserva escárnio
especial para o deão dos intelectuais marxistas franceses, Jean Paul Sartre, e a
frase famosa “O inferno são os outros”. Errado, diz Eagleton. “É exatamente o
oposto. Inferno é passar a eternidade condenado à companhia mais
inexcedivelmente entediante e monótona que há: eu-mesmo”.
Às
vezes, a reflexão é menos direta. Uma vez, descreveu as bruxas de Macbeth como
uma fraternidade de mulheres, na fronteira mais sombria de um regime obsessivo.
Não só faz Birnam Wood parecer Greenham Common, mas, também, ignora o diabolismo
das ações das bruxas. Em On Evil revisa, em parte, aquela ideia: “A
negatividade delas é das que vê a existência positiva, ela mesma, como
horrenda”.
Terry Eagleton |
Assim
se chega ao coração do que Eagleton entende como o mal, diferente da maldade. “O
mal é absolutamente sem razão ou meta. Qualquer tipo de objetivo ou meta,
macularia sua pureza letal. Nesse sentido, o mal e deus são parecidos...” O mal
aspira à criatividade de deus, mas a reverte, tornando o dom de ser em não-ser
mediante várias técnicas de aniquilação. O mal, porém, só pode anular o que já
tenha vindo a ser; mas cancelar o criado intensifica muito nosso senso do que há
de plena e perfeitamente bom, em ser. O que faz enlouquecer os agentes do mal, e
a destrutividade deles, onde o permitam as circunstâncias, alcança píncaros
inimagináveis, frenéticos, se não se autoconsomem, eles mesmos, primeiro. O mal
é turrão, conclui Eagleton.
Também
questiona a ideia, hoje já lugar-comum – segundo a qual o mal seria puro
glamour. Admiramos pessoas, Eagleton admite, “que erguem o nariz
desafiante frente à autoridade, mas não contra estupradores ou empresários que
corrompem ou fraudam”.
Nossos
sentimentos podem ser mais complexos que isso; Don Juan, por exemplo,
desencadeia emoções contraditórias. Algumas das distinções de Eagleton convidam
a outras indagações: “Duas ações podem ser parecidas, mas uma pode ser má e a
outra pode não ser. Pense, por exemplo, em quem pratica sadismo pelo prazer
erótico em relação consensual; e em quem provoca dor terrível em outra pessoa,
para apaziguar o próprio nauseante sentimento de não-ser”.
Não
me parece muito fácil entender a diferença. Às vezes, o juízo de Eagleton choca,
idiossincrático. Por exemplo, ecoando o poeta e católico converso Gerard Manley
Hopkins, ele escreve: “O mal absolutamente não suporta máculas, pontas soltas,
aproximações fracas. Essa é uma das razões pelas quais o mal tem certa afinidade
com a mentalidade burocrática e o raciocínio dos juízes. O bem, ao contrário,
ama a natureza precária, inacabada das coisas.” A limpeza será então uma das
marcas da besta? A bondade saiu sem lavar a louça?
Henry Kissinger |
Mais
assustadora, contudo, é a distinção que Eagleton estabelece entre o mal e a
maldade. Se o mal é a procura do nada em nome da nadidade, então, argumenta ele, não há
muito por aí, nem precisamos perder o sono por causa do mal. Hitler sim,
possivelmente chegou lá, mas Stálin ou Mao não ultrapassaram o degrau inferior
da maldade, porque, embora tenham tentado reduzir os inimigos à nadidade, fizeram-no por um propósito
nobre: a revolução. Eagleton não argumenta que seriam menos culpados por terem
sido apenas maldosos; de fato, é o contrário.
Mas,
se se acolhe essa definição estreita, será que Henry Kissinger, a quem Eagleton
dedica o livro, definido como a mais perfeita personificação do mal, não seria,
ele também, apenas maldoso?
Nota dos
tradutores
[1] Pode ser baixado ou lido a seguir:
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