domingo, 9 de dezembro de 2012

Khaled Meshaal, outra vez em casa


9/12/2012, Khaled Amayreh, Ezzedden Al-Qassan Brigades
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Khaled Amayreh
O retorno à Palestina do líder do Hamás, Khaled Meshaal é sem dúvida um grande dia, que enche de alegria todos os palestinos e os que apoiam os palestinos.

De fato, toda a luta dos palestinos visa a trazer de volta para casa os milhões de nossos que foram arrancados de casa e da própria terra pela selvageria dos sionistas.

Dezenas de milhares de palestinos e não palestinos deram a vida em nome de reconquistar o direito de voltar para casa.

E ninguém duvida que, até que o direito de voltar esteja ao alcance de todos os palestinos, mais e mais palestinos e muçulmanos terão de sacrificar a vida, em luta para reconquistar a liberdade e a libertação da Palestina.

Não conheço Khaled Meshaal pessoalmente, mas sei, como jornalista e como professor, que suas credenciais são impecáveis. Poderia ter enriquecido, como outros ‘líderes’ palestinos que usaram a luta nacional dos palestinos contra o sionismo para engordar a própria conta bancária e viver cercados de luxo à custa de nosso povo e de nossa justa causa.

A evidência de que as garras da corrupção sequer arranharam a integridade de Khaled Mashaal honra o homem e o movimento que ele representa e coordena.

Não há dúvida de que um homem que cumpre seu dever do modo mais digno, exemplar, sempre merece todas as honras. Mas, em tempos de corrupção rampante, sobretudo no contexto palestino, a integridade do Hamás destaca-se e é, todos os dias, motivo de admiração e orgulho para os palestinos islâmicos e para todos os palestinos.

Desnecessário dizer, a mídia israelense e ocidental, subalterna e rendida, e que tantas vezes apenas papagueia a narrativa israelense, evita sempre qualquer destaque a esse traço tão característico da vida do Hamás e do modo como administra seus recursos financeiros. O motivo é autoevidente. A mídia israelense e ocidental, com seus numerosos apologistas, porta-vozes, paus-mandados e cães adestrados no Ocidente, jamais noticia qualquer valor positivo associado ao Hamás. Todos esses braços da propaganda sionista existem para mostrar o Hamás como partido de uma resistência a ser odiada, não, como merece, como Resistência admirada, amada e motivo de orgulho para todos os palestinos e para todo o mundo.

Claro que há divergências legítimas. Mas todos os homens e mulheres honestos do mundo reconhecem que o Hamás é movimento legítimo de resistência, que luta para libertar o povo palestino das garras da ocupação israelense nazistóide, que vem, há décadas, tentando a ‘limpeza’ étnica, mediante o extermínio dos habitantes originais da Palestina.

O Hamás é movimento armado. Desnecessário negar. Mas é indispensável reconhecer que sejam quais tenham sido as ações armadas do Hamás, ao longo da luta dificílima que travam, foram sempre ações no campo da Resistência e da resposta a ações incomparavelmente mais violentas perpetradas por Israel – que, sempre, conta com a mais avançada tecnologia de guerra que lhes chega dos EUA.

Khaled Meshaal
É sempre terrível que inocentes sejam mortos, em qualquer conflito. Mas quando um país e seu povo são atacados, e o invasor vem disposto a matar todos os habitantes originários, com projeto de genocídio étnico, as vítimas da opressão têm direito legítimo – direito moral, nacional e também direito religioso – à Resistência e à resposta.

Verdade é que o Hamás não invadiu a terra nativa dos judeus na Polônia, em Cazaria e na Rússia. Judeus europeus invadiram a Palestina, massacraram os povos originários que ali encontraram, destruíram casas, mataram, e expulsaram de sua terra os milhões de palestinos que hoje se espalham em diáspora pelo planeta. O Hamás luta, precisamente, na Resistência contra esses invasores e ocupantes.

O Hamás – diferente nisso, também, da violência dos invasores e ocupantes – jamais teve qualquer política oficial que visasse a assassinar deliberadamente cidadãos israelenses tomados como ‘alvos preferenciais’. Quem tornou inevitáveis os ataques que vitimam colonos israelenses que vivem em terras dos palestinos não foi o Hamás, mas os israelenses e as políticas israelenses de ocupação, em que se mobilizam legiões de agentes e soldados de Israel para deliberadamente assassinar palestinos, também civis e também crianças.

Ao final de um dia de massacre dos seus, o Hamás e outros grupos da Resistência palestina não podem sentar-se à sombra e assistir aos nazistas israelenses que continuam a massacrar palestinos, homens, mulheres, velhos e crianças como lhes apraza, não raras vezes, com jatos e helicópteros que fazem chover bombas sobre tendas de campos de refugiados em Gaza, mísseis e bombas de fósforo branco. Impossível assistir a isso e manter a passividade. Nenhum estado, nenhum exército, nenhum grupo de Resistência que o mundo jamais tenha conhecido manteve-se jamais passivo, vivendo como os palestinos têm de viver, sob a ocupação israelense.

O Hamás e os palestinos não são ‘terroristas’. São as vítimas do terror israelense.

O retorno com honra

Diferente dos agentes e operadores da OLP, que voltaram à Palestina ocupada protegidos pelos rifles sionistas, o Hamás não pediu autorização a Israel para a volta de Mashaal à Faixa de Gaza. Aí está aspecto importante, em comparação a outros arranjos que se fazem na Cisjordânia, onde nenhum palestino pode entrar no território ocupado, sem pedir autorização aos ocupantes israelenses.

O movimento da Resistência islâmica pode se orgulhar: o irmão Meshaal entrou em Gaza sem passar por nenhum bloqueio ou posto de controle israelense em nenhuma fronteira.

É hora de o estado sionista render-se, desistir da típica insolência e da arrogância do poder e começar a ver os palestinos como seres humanos que respeitam a vida e merecem plenamente ser tratados em pés de igualdade entre todos os seres humanos, judeus e não judeus.

Esse é o primeiro requisito para qualquer possível desescalada no confronto, que parece existencial, entre o Islã e o sionismo no Oriente Médio. Sem isso, enquanto o sionismo se mantiver agarrado a crenças suprematistas e megalomaníacas, segundo as quais os judeus seriam superiores aos não judeus e, nessa condição, merecedores de tratamento preferencial, a luta continua, sem descanso.

Mártir vivo

Em 1997, Israel tentou assassinar Khaled Meshaal. Mas a vida dos homens está nas mãos de Deus, e Deus quis que Meshaal sobrevivesse, para voltar à terra onde nasceu.

Como disse Meshaal, ele nasceu três vezes: quando veio ao mundo, em 1956; quando sobreviveu à tentativa de assassinato por agentes do Mossad israelense, em Amã, Jordânia [1]; e ontem, quando pôs os pés outra vez em terra palestina.

Rezamos a Deus para que Meshaal e todos os demais refugiados palestinos renasçam afinal para a vida eterna depois de retornados à sua terra ancestral, a Palestina, e depois de terem podido agradecer, no chão, à frente da mesquita Aqsa em Jerusalém. Amém.

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Nota dos tradutores

[1] Essa tentativa de assassinato é tema de um livro (documento – e leitura – absolutamente sensacionais, que não se entende por que nunca foi traduzido para o português do Brasil), do jornalista australliano Paul McGeough (KILL KHALID. The Failed Mossad Assassination of Khalid Mishal and the Rise of Hamas, New Press. 477 pp., 1999). Nesse livro, narram-se detalhadamente todos os passos dos agentes israelenses e os primeiros movimentos do Hamás, que então se organizava como partido político). Os criminosos israelenses foram perseguidos pela segurança de Meshall pelas ruas de Amã e tiveram de refugiar-se na embaixada de Israel. Informado, o rei da Jordânia enfureceu-se por Israel tentar usar o território jordaniano para ações criminosas e cercou, com forças do Exército, a embaixada de Israel, ameaçando explodir o prédio se Israel não fornecesse o antídoto para o veneno usado na tentativa de assassinato. Israel tentou resistir. Mas, sob pressão do presidente Bill Clinton dos EUA, acionado por telefone pelo rei da Jordânia, Israel teve de ceder; e o antídoto chegou a Amã a tempo de salvar a vida de Meshall.
Em resenha do livro, o Washington Post escreveu: “Binyamin Netanyahu era primeiro-ministro e foi quem autorizou a operação para assassinar Meshall. No final, e embora o Hamás não fosse parte das conversações, essa ação [criminosa] do Mossad israelense foi um dos mil cortes pelo qual se drenou a energia vital do processo de paz que se iniciara, cercado de esperanças, nos Acordos de Oslo de 1993” (8/3/2009, Washington Post, Paul McGeough em: “The Martyr Who Did Not Die”. 

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