24/12/2012, Sergey Lavrov, Chanceler da Rússia - Russia Today, Moscou
Vídeo - entrevista traduzida pelo
pessoal da Vila Vudu
Russia Today
[RT]: O senhor está
terminando o ano com uma visita à Índia. A Rússia muito claramente apoia a
Índia, que aspira a tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Como o muito criticado CS da ONU poderá ser beneficiado com a participação da
Índia?
Serguey Lavrov
[SL]: Em primeiro lugar,
nem todas as críticas que se fazem ao CS são fundamentadas. A mais recente onda
de crítica tem a ver com o fato de que se diz que o CS não poderia agir na
Síria. Porque muitos queriam ver alguma ação do CS, os críticos tentaram fazer
aprovar uma Resolução, baseada no Capítulo 7º, pela qual se aplicariam sanções
e, eventualmente, se usaria a força na Síria. E Rússia e China estão 100%
convencidas de que isso seria desastre total e que seria o primeiro movimento
ladeira abaixo, na direção de uma repetição do que se viu na Líbia, o que não se
pode admitir, nem a região suportaria. Assim sendo, os que dizem que o CS nada
faz devem lembrar que a Carta das Nações Unidas assegura o direito de veto, não
para ser simpática aos membros permanentes, mas porque os que criaram as Nações
Unidas, depois da indigesta experiência da Liga das Nações, decidiram que, a
menos que cinco grandes potências mundiais tenham idêntica opinião sobre algum
tema, nenhuma decisão seria aprovada para gerar efeitos. Por isso, o direito de
veto foi incluído na Carta da ONU, aliás, por muito empenhada insistência dos
EUA.
Claro
que muito tempo passou desde 1945, o Conselho de Segurança ampliou-se, para a
categoria de membros não permanentes, e agora, depois de várias décadas de o
Conselho funcionar sempre com a mesma composição, há movimento forte na direção
de ampliar o número de membros, para que reflita melhor o pluralismo da
comunidade mundial. A Rússia é empenhadamente favorável a essa ampliação,
estamos convencidos de que países em desenvolvimento, novas economias e novas
potências econômicas no Terceiro Mundo, como Brasil e Índia, por exemplo, devem
ser representados no Conselho de Segurança. Somos favoráveis a que sejam
recebidos como novos membros permanentes, desde, é claro, que se criem novos
postos de membros permanentes. E é justamente nesse ponto que a ONU está
dividida. Um grupo entende que deve haver novos membros permanentes; outro
grupo, que também são países muito respeitáveis, entende, categoricamente, que
não se devem criar novos postos para membros permanentes; e que só se poderiam
acolher novos membros não permanentes.
A
Rússia entende que esse tipo de divisão não pode ser decidida por voto
“aritmético”. Que se deve buscar o consenso, sobretudo porque já se decidiu, há
algum tempo, que a reforma do Conselho de Segurança deve ser objeto de acordo
amplo entre os estados-membros. Assim, qualquer tipo de reforma, que resulte de
acordo geral entre os estados-membros terá o apoio da Rússia. Não seria bom
votar a reforma do Conselho de Segurança, antes de haver acordo amplo, porque a
questão dividiria os estados-membros. E, aos olhos dos que votassem contra uma
reforma imposta pela maioria “aritmética”, o CS “expandido” perderia
legitimidade, em vez de obter mais legitimidade. E o que nós queremos é que o CS
tenha cada vez mais legitimidade, ao mesmo tempo em que deve ser mais amplamente
representativo. Mas, seja como for, estamos trabalhando muito para alcançar esse
acordo geral amplo a favor de uma reforma, porque acreditamos que a Índia, sem
dúvida, merece ter assento ao Conselho de Segurança como membro permanente.
Síria:
“terroristas do mal” vs. “terroristas aceitáveis”?
RT: Como o senhor disse, a Rússia continua a
bloquear os esforços de alguns estados-membros do CS, interessados
em aprovar uma
Resolução que permitiria uma intervenção de forças estrangeiras
na Síria. O senhor acha que mesmo assim poderá haver ação militar, “pelas
costas” da ONU, como aconteceu no caso do Iraque?
SL: Ora... Já
aconteceu, e não só no caso do Iraque, também no caso da ex-Iugoslávia. Sim, é
possível. Você citou um exemplo; há outros. Mas sinto que os que gostariam de
interferir na crise da Síria não querem agir absolutamente sem nenhum tipo de
cobertura, sem nenhuma legitimidade; ou, no mínimo, sem alguma ação na ONU que
permita apresentar a intervenção como se fosse legítima. Temos de defender o
texto da Carta, que absolutamente não tem “saídas de emergência” e que diz que o
CS é autoridade em questões de paz e segurança internacional, e que sua função
não é apoiar um lado ou outro, em conflitos internos.
Isso , exatamente, é o que está em andamento na Síria.
Muita
gente tem grande interesse em internacionalizar o que se passa na Síria, para
poder ampliar a guerra e a violência para além das fronteiras sírias; continuam
a tentar e tentar, sobretudo nos casos em que haja refugiados obrigados a fugir
da Síria, expulsos por ações de violência desproporcional das forças
governamentais.
Mas,
do outro lado, inúmeras gangues armadas da oposição, que não se ligam entre elas
por nenhum tipo de comando ou de objetivo, também se têm servido de métodos
inaceitáveis, absolutamente contrárias à lei humanitária internacional: fazem
reféns, organizam ações terroristas.
É
desalentador que nossos colegas ocidentais no Conselho de Segurança já comecem a
falar favoravelmente desses ataques terroristas na Síria, dizendo que, sim, o
terrorismo não é bom, mas é preciso levar em conta o contexto geral na Síria e
os “motivos” pelos quais os terroristas estão recorrendo ao terrorismo. Esse
raciocínio é absolutamente inaceitável.
Se
seguirmos essa lógica, seremos empurrados para situação muito perigosa, não só
no Oriente Médio, mas em outras partes do mundo, se nossos parceiros ocidentais
começarem a classificar terroristas em “terroristas do mal” e “terroristas
aceitáveis”.
De
Damasco a Moscou: não se usarão armas químicas “em absolutamente nenhum caso”
RT: Outra questão que
surge de tempos em tempos, como motivo para justificar a intervenção estrangeira
é a Síria possuir armas químicas. O senhor acha que esse perigo é real, ou não
passa de novo pretexto para uma invasão?
SL: Não acredito que a
Síria use armas químicas. Seria suicídio político para o governo, se usasse.
Sempre que se ouvem esses rumores, ou surgem fragmentos de notícias de que os
sírios teriam feito algo com as armas químicas, nossa inteligência examina e
reexamina, e novamente reexamina os indícios; e vamos diretamente ao governo e
sempre nos dizem, formalmente, que não há nenhum tipo de plano para usar armas
químicas, sejam quais forem as circunstâncias. A informação que temos – e que é
a mesma informação que os EUA também têm, pelo que sei – é que o governo fez
alguns movimentos com os estoques de armas químicas, mas para concentrá-las,
porque haviam sido espalhadas em diferentes locais, em dois pontos; o objetivo é
garantir que as armas químicas estejam protegidas.
De
fato, todos concordam, inclusive os diplomatas ocidentais (os europeus e os
norte-americanos) que, hoje, o maior risco é a probabilidade de os rebeldes
chegarem às armas químicas. Problema é que, embora reconhecendo isso, nossos
amigos ocidentais dizem que “seja como for, a responsabilidade pelo uso das
armas químicas é integralmente do governo sírio... mesmo que os rebeldes cheguem
às armas”... É lógica, de fato, estranhíssima: ao mesmo tempo em que eles mesmos
ajudam e encorajam os rebeldes a não negociar com o governo sírio... eles, os
mesmos, continuam a estimular a guerra, fornecendo armas, dinheiro e apoio moral
e político aos rebeldes. É posição estranha, muito discutível.
A
lógica dos que dizem “nada de negociar com Assad” é controversa. Mas, sobretudo,
é extremamente perigosa. Nós absolutamente não justificamos o que o governo
sírio faz. Cometeram muitos erros, têm usado força desproporcional; as forças de
segurança claramente não estavam, nem estão, preparadas para enfrentar protestos
populares, nem, tampouco, para enfrentar oposição armada nas cidades e vilas. O
Exército Sírio, evidentemente, foi treinado para enfrentar agressão estrangeira.
Absolutamente não foram treinados para manter a ordem e fazer cumprir a lei, no
plano nacional.
Mas
a oposição, hoje, vive de provocar o governo sírio. Já recorrem até a ataques
terroristas, a sequestros, fazem reféns, e estão introduzindo, também, no
conflito, uma dimensão sectária, extremamente perigosa. O que se passa na Síria
já começa a reverberar em todo o mundo muçulmano – sunitas, xiitas, árabes,
curdos... A composição étnica e confessional da Síria é tão complexa, que, se se
estabelecer o caos na Síria, praticamente toda a região será afetada.
Mas,
voltando à situação presente – se os que dizem “não negociaremos com Assad”
supõem que a partida de Assad seria, seja como for, a questão mais urgente,
prioritária, enganam-se. Eles têm de entender que, para alcançar o objetivo
geopolítico deles, terão de pagar o preço – e o preço é cobrado em vidas de
civis sírios.
A
Rússia entende que não nos interessa, como prioridade absoluta, a cabeça de
alguém. Nossa prioridade absoluta é fazer cessar a violência e a matança. Se os
que se recusam a negociar estivessem realmente interessados em salvar a Síria e os
sírios, estariam conosco e contra as gangues que matam livremente dentro da
Síria; e também desejariam chegar, o quanto antes, à mesa de negociações e sem
precondições. Fato é que o destino de Assad tem de ser decidido pelo povo sírio,
não por forças de fora, ativas ao lado da oposição síria.
RT: Mas há diferentes grupos de sírios em
guerra entre eles mesmos; começou como um levante e, hoje, já é guerra civil. As
chances de aquelas várias gangues sentarem para negociar numa mesma mesa de
negociações são zero.
SL:
Bem... A história
ensina que todas as guerras levam a alguma paz; e que não há paz sem negociação.
É inescapável. Não me parece concebível que os sunitas, que são a espinha dorsal
do Exército Livre Sírio, assim como muitos outros grupos da oposição que lutam
alinhados com o ELS, suponham hoje, em termos realistas, que alguém conseguirá
controlar a Síria inteira, varrendo do mapa todos os demais grupos religiosos;
falo de alawitas, outros grupos xiitas, cristãos, curdos... Ainda que alguém
acalente esse sonho delirante, essa “dominação” por um dos grupos jamais
acontecerá na Síria. E se por acaso chegar a configurar-se, será momentânea e
não durará. Não é sustentável.
A
Rússia não está no business de “mudança de
regime”
RT:
O senhor sabe o
quanto, desde o início desse conflito, a Rússia foi criticada no ocidente por
bloquear os esforços dos EUA e aliados para resolver as coisas na Síria. O
senhor acha que, se a Rússia tivesse conduzido as coisas de outro modo, desde o
início, se, digamos, há um ano a Rússia tivesse convencido Assad a renunciar, as
coisas seriam diferentes na Síria?
SL: A Rússia não está
no business da “mudança de regime”. Alguns atores regionais nos sugeriram
“Por que vocês não dizem ao presidente Assad que saia de lá? Conseguiremos
abrigo seguro para ele”. Minha resposta é muito simples: se os que nos sugeriram
isso estivessem de fato interessados nessa solução, deveriam levar a ideia
diretamente ao presidente Assad. Por que tanto interesse em nos usar como
intermediários? Se o presidente Assad se interessa, é assunto que teriam de
discutir diretamente com ele.
O
presidente falou várias vezes em público, inclusive por esse canal de televisão
que também transmite em árabe, e disse que não deixaria a Síria; que nasceu lá e
morreria lá com seu povo, que seu principal interesse é seu país. Nessas
circunstâncias, estaríamos interferindo na decisão que o presidente tornara
pública, se lhe sugeríssemos o que fazer, porque, como já disse, é assunto que
cabe ao povo sírio decidir.
Em
segundo lugar – nossa política para a Síria não depende do quê ou de quem fale
sobre ela, com críticas ou elogios. Ouvimos críticas, mas também ouvimos muitas
vozes de encorajamento, de países que entendem a importância da questão, não só
para a região, mas para a política mundial, pelo modo como se faz e segue-se a
política mundial.
Quando
a crise começou, em agosto de 2011 – poucos meses depois do início da crise –
foi a Rússia quem sugeriu que o Conselho de Segurança reagisse. E aprovou-se uma
declaração, consensual, na qual se diziam as coisas certas: que todos os
combates tinham de cessar e que era indispensável que se iniciasse o diálogo.
Depois,
em setembro de 2011, Rússia e China propuseram uma minuta de Resolução que daria
firmeza aos elementos, aos componentes do acordo, todos bem claros naquela
Resolução. Os países ocidentais disseram que não estava ao gosto deles, porque a
Resolução exigia que a oposição suspendesse os ataques, assim como o governo. A
proposta não funcionou.
Em
seguida, apoiamos o plano da Liga Árabe. Persuadimos o governo sírio, e
absolutamente não foi fácil, a aceitar o plano da Liga Árabe. Endossamos a ideia
de enviar observadores da Liga Árabe à Síria, e trabalhamos muito também com
Damasco, para que os recebessem. Infelizmente, a missão foi abortada, sem que se
saiba exatamente por quê. Foi abortada exatamente quando, em dezembro de 2011,
aqueles observadores entregaram seu primeiro relatório ao Conselho de Segurança,
relatório absolutamente objetivo, e que não culpava exclusivamente o governo,
mas também descrevia as atrocidades e violências que estavam sendo cometidas
pelas gangues de oposição. Então, a Liga Árabe abortou toda a missão.
Foi
a vez, então, do plano Kofi Annan; outra vez consumimos muito tempo para
explicar ao governo sírio que seria interessante que aceitassem aquele plano; o
governo sírio aceitou o plano Kofi Annan. Foram enviados observadores da ONU. Os
observadores trabalharam e conseguiram que começasse a haver alguma relativa
calma, não sustentável, mas, ainda assim, os observadores da ONU obtiveram
alguns sinais de estabilização. Foi quando começou uma onda de
ataques-provocação nas áreas onde os observadores estavam trabalhando; o
objetivo daquelas provocações pareceu-nos absolutamente óbvio: criar uma
situação insuportável, que tornasse impossível a manutenção do trabalho da ONU
na Síria. Esse objetivo foi rapidamente alcançado. E os observadores também
saíram da Síria.
Mas
o que quero destacar é que, quando o plano Kofi Annan foi aprovado, quando os
observadores da ONU foram mandados à Síria, o Conselho de Segurança aprovou, por
consenso, duas Resoluções, n. 2.042 e n. 2.043, que manifestavam a posição de
todo o CS. De fato, praticamente sem novidade, se se considera o que já lhe
disse: fim da violência e início do diálogo. Significa dizer que o CS não estava
paralisado. O CS tinha posição clara, formulada nessas duas Resoluções.
Comunicado
de Genebra: ainda o plano para a Síria
Então,
claro, em junho, em Genebra, criou-se o “Grupo de Ação” iniciado por Kofi Annan
com empenhado apoio da Rússia, porque já dizíamos há algum tempo que os
principais atores externos deviam reunir-se e trabalhar para encontrar uma
abordagem comum, criando as condições pelas quais as partes sírias pudessem
negociar o próprio futuro, sem interferência externa. Mas os atores externos
podem desempenhar papel importante, se criarem as condições necessárias para um
acordo na Síria.
Em
primeiro lugar, do ponto de vista de enviar sinais sincronizados de
encorajamento, todos na mesma direção: para o governo e para todos os grupos de
oposição, que digam, por exemplo “Dia X, às Y horas, todos os combates devem
cessar, e devem ser nomeados delegados”. Então se deve começar a negociar a
composição do que chamamos “órgão transicional de governo”, que terá plena
autoridade durante o período de transição, para garantir que as instituições do
governo não desapareçam – como desapareceram no Iraque (e as consequências de as
instituições terem sumido, no Iraque, são sentidas até hoje). Em seguida,
preparam-se eleições, uma nova constituição... e daí por diante.
Em
Genebra, de fato, conseguimos fazer isso: todo o P5 (todos os membros
permanentes do Conselho de Segurança), mais a União Europeia, a Liga Árabe,
Turquia, ONU – todos esses concordaram sobre a sequência dos passos iniciais.
A
sequência que conseguimos aprovar por consenso foi: fim dos combates, indicação
de delegados interlocutores, que negociem a composição do órgão transicional e
governo. Esse órgão manterá as instituições do estado e deve organizar eleições
e redigir uma nova Constituição.
Então,
concluímos “Ótimo. Afinal, há algum consenso. Vamos nos firmar nesse consenso.
Assim enviamos um sinal forte, sincronizado entre nós e dirigido a todos os
grupos em luta.”
Mas então nossos amigos ocidentais, que acabavam de firmar aquele documento, recomeçaram: “Só isso não basta. Temos de ter uma Resolução do CS, nos termos do Capítulo 7º, e é preciso acrescentar uma linha, no esquema inicial, que determine que Assad tem de sair.” Ora... Já não se tratava mais do que acabávamos de decidir!
Mas então nossos amigos ocidentais, que acabavam de firmar aquele documento, recomeçaram: “Só isso não basta. Temos de ter uma Resolução do CS, nos termos do Capítulo 7º, e é preciso acrescentar uma linha, no esquema inicial, que determine que Assad tem de sair.” Ora... Já não se tratava mais do que acabávamos de decidir!
Na
nossa tradição russa, quando se negocia alguma coisa e se chega a um acordo, nós
respeitamos o que tenha sido acordado.
Infelizmente,
parece, vários dos parceiros com os quais negociamos em Genebra têm outros
hábitos. Os efeitos negativos disso ainda se fazem sentir hoje.
O esquema de
Genebra mantém-se absolutamente atual
L.Brahimi,
indicado para substituir Kofi Annan, já disse várias vezes que aquele acordo é a
base de sua atividade. Tentou convidar russos e norte-americanos para discutir
novos meios para implementar o Acordo de Genebra. Estamos contentes de ouvir um
representante dos EUA dizer que eles desejam “solução pacífica”
Coalizão
Nacional Síria: objetivos “inalcançáveis” e princípios “ruinosos para o país”
Mas
ainda não obtivemos resposta alguma para uma questão muito importante. O
ocidente e vários países da região – Turquia, estados do Golfo Persa – apoiaram
e reconheceram a Coalizão Nacional Síria, criada num encontro em Doha, elogiada
como passo importante para unificar a oposição. Somos a favor de unificar a
oposição, e desde a reunião em Genebra insistimos que os que tenham influência
sobre os grupos de oposição devem trabalhar para aproximá-los, exatamente nos
termos do que ficou acordado em Genebra, formalizado no Comunicado de Genebra.
Essa é a mensagem que temos enviado, não só ao governo, mas também aos grupos de
oposição. Nos reunimos com todos eles: semana passada, um daqueles grupos esteve
em Moscou; antes do final do ano outros grupos da oposição também virão.
Quero
dizer que estamos enviando a mesma mensagem aos dois lados, ao governo e aos
grupos da oposição: “Senhores, a base é essa. Façam o que o Comunicado de
Genebra sugere, que é o melhor a fazer, para todos vocês. Sentem-se e negociem”.
Mas
o encontro de Doha, que endossou a Coalizão Nacional Síria e que foi apoiado
pelo ocidente e por importantes atores regionais, divulgou também uma declaração
segundo a qual o principal objetivo da oposição é desmontar, de fato, derrubar o
regime e desmantelar as instituições do regime. É posição que se opõe
frontalmente ao que ficou decidido no Comunicado de Genebra. E, naquela
declaração, também está dito que “nada de negociar com o regime” – o que também
agride frontalmente os princípios de Genebra.
Quando
perguntamos aos nossos colegas norte-americanos (falei com Hillary Clinton, com
quem estive durante uma reunião da OSCE em Dublin), sobre como explicar que os
EUA apoiem posição que é absolutamente oposta aos princípios de Genebra, ela
respondeu que “Bem, no estágio atual o importante é unir os vários grupos. E
depois podemos corrigir a substância dos objetivos que eles definam”. OK.
Passou-se um mês.
Quase
todas as semanas examinamos os esforços que estariam sendo feitos para modificar
a tal “substância”: absoluta rejeição a qualquer negociação e ênfase total no
uso da força. Não vimos nenhuma mudança. A única conclusão possível é que
ninguém está conversando com a oposição sobre a importância de pensar com mais
realismo, nem sobre a necessidade de evitarem-se posições que, de fato, estão
arruinando a Síria.
Mísseis Patriot na Turquia: dizem “Síria”, mas
pensam “Irã”?
RT:
O deslocamento dos
mísseis Patriot da OTAN, para a
fronteira turco-síria, seria em parte uma solução? Qual o verdadeiro alvo
daqueles mísseis?
SL: Em primeiro lugar,
é claro que compreendemos a preocupação da Turquia e de outros países que
continuam a receber refugiados sírios; é uma carga extraordinária, sob quaisquer
circunstâncias. Claro que a situação é bastante tensa. A oposição na região, nas
regiões sírias da fronteira com a Turquia, está bastante ativa, tentando,
provavelmente, provocar ações transfronteiras, tentando gerar revolta na
comunidade internacional contra a violação de fronteiras. Incidentes acontecer,
e já houve fogo de um lado para o outro várias vezes. Imediatamente levantamos a
questão com os sírios. O que nos disseram pareceu-nos perfeitamente racional e
crível. Disseram que não iniciaram qualquer ação; que revidaram ataques de
grupos de oposição que invadiam a Síria, atacavam e fugiam de volta para
território turco.
Imediatamente
sugerimos aos turcos e aos sírios que a Rússia poderia colaborar e criar uma
linha de comunicação direta, em tempo real, que permitiria que se checasse cada
incidente. Os sírios aceitaram, os turcos disseram que já tinham seus próprios
canais de comunicação. E foi quando surgiu a questão dos mísseis Patriot.
Reconhecemos
o direito da Turquia de pensar ela mesma sobre a própria segurança e o direito
de usar, nessa finalidade, os acordos internacionais dos quais a Turquia
participe – nesse caso, os direitos que tem como membro da OTAN. E aceitamos a
implantação dos mísseis como fato. Por outro lado, quanto mais equipamento de
guerra for acumulado num mesmo local, maior o risco de que as armas sejam
usadas, mais dia menos dia.
Quanto
ao objetivo do deslocamento das baterias de mísseis, sim, ouvi e li o que
especialistas dizem, que, se o objetivo dos mísseis, ali, fosse impedir qualquer
ataque vindo da Síria, nesse caso os mísseis deveriam estar em outra posição,
diferente da atual. Há quem diga também que, do modo como estão posicionados, os
mísseis ajudam, mais, a proteger o radar dos EUA que é parte do sistema
norte-americano de mísseis de defesa que está sendo montado; em outras palavras
(cito) “contra a ameaça iraniana”. Nesse caso, eu diria, a situação é ainda mais
perigosa, porque esse deslocamento e a implantação de mísseis para “vários usos”
podem criar tentações adicionais.
RT: Quer dizer que se trata mais do Irã, que da
Síria, é isso?
SL: É o que muitos
dizem. E a configuração, como está sendo divulgada pela mídia, sim, faz pensar
que os Patriot possam ser usados contra o Irã.
A “Lei Magnitsky” [1] é um “Ardil 22” [2] para
o governo Obama
RT:
A Síria não é a
única questão entre EUA e Rússia. O primeiro ato de Obama depois de reeleito foi
assinar a chamada “Lei Magnitsky”, que impõe sanções a cidadãos russos e alguns
funcionários do governo russo. Em que pé lhe parece que estejam as relações
EUA-Rússia, com Putin e Obama no comando?
SL: Acho que esse não
foi o primeiro ato de Obama depois de reeleito. Mas a coisa toda sempre foi
inevitável. Quando os senadores – sen. Cardin e alguns outros – apresentaram o
projeto da chamada Lei Magnitisky, tudo foi feito de modo a criar um “Ardil
22” para o
governo Obama.
Porque o governo estava
trabalhando pelo fim da Emenda Jackson-Vanick,[3] com o apoio de
muita gente no Capitólio. E era absolutamente óbvio que os norte-americanos
queriam o fim da velha lei, porque, depois que a Rússia chegou à Organização
Mundial do Comércio (OMT), a manutenção da emenda Jackson-Vanick implicava
impedir que empresas norte-americanas auferissem os benefícios de a Federação
Russa estar integrada à OMC. Foram, pode-se dizer, obrigados a pôr fim à velha
lei.
Mas
então, me parece, os Republicanos decidiram armar esse ardil e associar o fim da
Emenda Jackson-Vanick à nova Lei Magnitsky.
É
bem claro que, naquele momento, tudo foi feito para criar problemas para o
presidente Obama. Quanto aos cidadãos russos incluídos nas proibições da nova
lei (a relação dos nomes ainda não foi publicada)... Se os EUA queriam impedir
que cidadãos russos entrassem nos EUA, mais fácil seria listar os nomes
proibidos, como sempre foi feito, sem precisarem de lei para fazer isso. Claro
que também poderiam fazer isso, como tantas vezes se vê, sem todo o show
que montaram.
Se
queriam congelar bens de russos, bastaria ir à qualquer corte e apresentar
provas de crimes – mais uma vez, sem show, sem propaganda. Mas os
Republicanos usaram o fato de que o governo Obama muito se vangloriou, durante
seu primeiro mandato, do “reset” das relações com a Federação Russa. Então,
decidiram atacar Obama exatamente nesse ponto: no “reset” com os russos.
Meras
questões eleitorais determinam a agenda internacional dos EUA
É
uma lástima, porque assim se vê o quanto questões miúdas, da política doméstica,
determinam a agenda internacional. De fato, na opinião de muitos, dominam também
tudo que está acontecendo entre Rússia e EUA. E as questões são muito, muito
mais amplas e complexas do que ditos direitos humanos interpretados por
senadores norte-americanos.
RT:
Todos recordamos a
conversa entre Obama e Medvedev, quando Obama prometeu ser mais flexível depois
que passassem as eleições. Mas, pelo que o senhor disse, o quanto o presidente
Obama conseguiria ser realmente mais flexível, se enfrenta esse tipo de oposição
no Congresso?
SL: Bem... Acho que
são as peculiaridades do sistema norte-americano. Qualquer deputado ou senador
pode impedir que se analisem questões extremamente importantes... só porque um
determinado estado dos EUA, uma determinada empresa, não está conseguindo vender
para um ou outro país, por motivos fitossanitários. As questões globalmente
importantes podem ser simplesmente congeladas pelos interesses de um estado, de
uma empresa, mesmo que esse específico interesse nada tenha a ver com a
substância de algum grande tema mundial.
A
própria Emenda Jackson-Vanik foi várias vezes renovada, mesmo depois de todos os
problemas de emigração estarem resolvidos na ex-União Soviética e, claro, também
na Federação Russa. Mas a Emenda Jackson-Vanik foi várias vezes renovada, sob os
mais diferentes pretextos, inclusive a falta de entusiasmo, entre os russos, por
importar as tais coxas de frango, e todo o tipo de coisas.
Natan
Sharansky, conhecido dissidente da ex-União Soviética, que participou do governo
de Israel, disse, ao ouvir falar dessas disputas comerciais-eleitorais, que “não
passei sete anos num campo de prisioneiros dos comunistas, para assegurar
direitos a coxas de frango”. Tudo isso mostra, de fato, como o Congresso dos EUA
várias vezes perde completamente a sincronia e a lógica e torna-se absolutamente
incapaz de fazer qualquer interpretação lógica e realista do que sejam os
verdadeiros interesses nacionais dos EUA.
Por
isso, às vezes, questões muito importantes – como o conflito Israel-Palestina e
a urgente necessidade de resolver aquele conflito – viram reféns de políticos
norte-americanos autistas. É uma peculiaridade dos ciclos eleitorais nos EUA.
Considerações domésticas, a absoluta prioridade que os governantes dão à própria
reeleição, passam a bloquear a administração pública e a impedir que os EUA
tomem medidas que o resto do mundo entende que tenham de ser tomadas. Há
eleições a cada dois anos. E esses ciclos, sem dúvida alguma, influenciam toda a
agenda internacional. É uma fatalidade, um infelicidade.
Muito
melhor seria que se pudesse abordar as grandes questões internacionais
considerando-se mais o mérito de cada questão, a importância gigantesca de o
mundo poder empreender ações conjuntas, para o bem de todos, sem sermos
empurrados para um ou outro curso de ação, ao sabor dos interesses pequenos,
politiqueiros, de um ou outro candidato, nos EUA.
Notas
dos tradutores
[1] Orig. “Magnitsky Bill”,
também referida como “Magnitsky Act”, ou pela designação formal oficial “Russia and Moldova Repeal and Sergei
Magnitsky Rule of Law Accountability Act of 2012” [Lei de Transparência, 2012, contra
Rússia e Moldávia, rejeitada a Proposta Jackson-Vanik, no caso Sergei
Magnitisky]: lei proposta pelos dois partidos, aprovada no Congresso dos EUA e
sancionada pelo pres. Obama dia 14/12/2012.
Sobre o caso [versão
norte-americana]: em 2009, o advogado e auditor, Sergei Magnitsky, foi
assassinado numa prisão em Moscou, depois de haver divulgado vasta fraude que
envolvia funcionários do setor estatal russo de arrecadação de impostos. Em
junho de 2012,
a Comissão de Assuntos Externos da Câmara de Deputados dos
EUA aprovou o lei que passou a ser chamada de “Lei Magnitsky”. O objetivo
principal da lei é punir os funcionários russos considerados responsáveis pela
morte de Sergei Magnitsky, proibindo-lhes a entrada nos EUA e qualquer acesso ao
sistema bancário norte-americano. A lista dos funcionários russos proibidos de
entrar nos EUA e de negociar com bancos norte-americanos está para ser
publicada.
[2]
Orig. Catch
22. É título de um romance (Ardil 22 no Brasil; Artigo
22 em Portugal); romance satírico-histórico do autor norte-americano Joseph
Heller, publicado originalmente em 1961. O enredo gira em torno de Yossarian , piloto
de avião-bombardeiro B-25 da Força Aérea Americana, enquanto ele e os demais
membros do “256º Esquadrão” encontram-se baseados na ilha de Pianosa, na Itália.
Devido a seu uso
específico no livro, a expressão Catch-22 passou a ter significado
idiomático, para uma situação sem saída, uma armadilha. No livro, o Ardil-22 é
uma lei militar, cuja lógica de autocontradição deveria impedir, impede que os
soldados fugissem das missões de combate. Mas, como se lê no
romance:
A lei, o Ardil 22,
que dizia que a preocupação com a própria segurança, em face de perigos reais e
imediatos, é processo natural em qualquer mente racional. Orr estava doido e
podia receber baixa. Tudo o que ele tinha a fazer era pedir. Mas, tão logo
requeresse a baixa, provaria que não estava doido e podia, portanto receber
novas missões de combate. Se voasse, provaria que, sim, estava doido e não
poderia voar missões de combate. Mas se declarasse que não poderia voar missões
de combate provaria que estava perfeitamente são e era obrigado a voar missões
de combate.
[3] A Emenda
Jackson-Vanik é lei federal nos EUA desde 1974, criada para reger relações
comerciais entre os EUA e países que não patrocinem economias de mercado (na
origem, visava diretamente o bloco comunista), impondo limites á imigração e
limitando outros direitos humanos. A emenda passou a ser conhecida pelos nomes
do senador Henry M. "Scoop" Jackson e do deputado Charles Vanik, ambos
Democratas, e foi incorporada ao Título IV da Lei Comercial [Trade Act] de 1974; foi aprovada por
unanimidade nas duas Casas e foi sancionada pelo pres. Gerald Ford, dia
3/1/1975. Permanece vigente até hoje, embora tenha deixado de ser aplicada a
cidadãos da Federação Russa. Em 2011, o vice-presidente Joe Biden dos EUA propôs
que a lei fosse derrogada e, dia 18/11/2012, a Câmara aprovou lei que cancela,
para todos os efeitos a tal Emenda Jackson-Vanik. A nova lei está ainda sendo
apreciada no Senado, apoiada pelo pres. Obama, que espera vê-la aprovada antes
do final do ano, mas enfrenta forte oposição da maioria Republicana (mais sobre
isso, dentre outra páginas, na revista
Forbes de 15/3/2012.
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