segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Hillary é candidata: notícias do “Saban Forum”


2/12/2012, David Remnick, The New Yorker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Hillary à vontade no Saban Forum...
Hillary Clinton é candidata à presidência. E os políticos israelenses governantes são desastre total, amplo, geral e irrestrito. Eis as duas conclusões, valham o que valerem, que se podem extrair de um fórum de sionistas – Saban Forum, que se realiza anualmente – a cuja edição de 2012 assisti, no final de semana, em Washington, D.C.

Haim Saban, o anfitrião
Uma palavra sobre o cenário: Haim Saban, magnata israelense-norte-americano da indústria do entretenimento & mídia, organiza, nos últimos nove anos, um fórum; às vezes, em Jerusalém; mais frequentemente em Washington, sempre focado em questões do Oriente Médio. Participam do fórum, na maioria, funcionários de governos, atuais e ex; as figurinhas carimbadas dos grandes think-tanks; gente do business; alguns jornalistas. Árabes são sempre raros; esse ano, a mais notável exceção a essa regra foi a presença de Salam Fayyad, primeiro-ministro da Autoridade Palestina, mas ficou pouco, porque a Autoridade Palestina, graças, em vasta medida a Israel, enfrenta dificuldades extremas e não pára de perder terreno para o Hamás.

Exceto em umas poucas palestras, reinam as regras de Chatham House (significa que os eventos não são feitos para divulgação e não podem ser comentados fora do recinto onde ocorram). Entende-se que o trabalho dos pequenos grupos e os encontros casuais são mais importantes que as grandes conferências, palestras e discursos.  

Mas o evento da 6ª-feira à noite foi aberto aos jornalistas – e surpreendentemente revelador. Na tribuna, estava Hillary Clinton, principal conferencista do dia. No salão de festas do Willard Hotel transbordante de gente, foi recebida com uma ovação, todos em pé; em seguida exibiu-se um vídeo-homenagem-reverência-adoração sobre a vida da Clinton: primeira-dama, senadora e, sobretudo, secretária de Estado. O filme, produção visivelmente cara, mostra entrevistas e opiniões de políticos israelenses –Benjamin Netanyahu, Ehud Barak, Tzipi Livni – e de políticos dos EUA, como John Kerry. Para Tony Blair, afinado com o tom lunático-futurista geral, “meu [dele] instinto me diz que o melhor ainda está por vir”.

O filme foi o endosso internacional, antecipado, quatro anos antes do caucus de Iowa e da primária de New Hampshire; e em tom tão reverencial que parecia aqueles filmes que, suponho, o Comitê Central do Partido Comunista produziria para a festa de aposentadoria de Leonid Brezhnev, se Leonid Brezhnev se aposentasse, e os soviéticos já conhecessem a mais alta tecnologia dos vídeos de propaganda. No final, em vídeo à parte, ouviu-se o presidente Obama. Olhando diretamente para a câmera, Obama estendeu-se na louvação: “Você esteve ao meu lado em alguns dos momentos mais importantes do meu governo”.

Acabados os vídeos (e com a noitada avançando), houve muito diz-que-diz sobre o que Clinton fará depois de deixar o Gabinete, mês que vem – procurar um bom cabeleireiro; algumas semanas de sono para acertar o fuso horário, em Canyon Ranch; ler pesquisas pré-eleitorais e noticiários sobre o entorno político próximo; fazer boas obras para os bons, digamos, por exemplo, em Iowa – e por aí foi. Cada um tinha uma teoria da qual se sentia 100% seguro. Dúvida, praticamente ninguém tinha, sobre a direção geral final. 2007-8 já não passa de lembrança e 2016 começa a surgir no horizonte. E Clinton está no páreo.

O sionismo reunido em Washington para comandar as diretrizes da política dos EUA
Estou entusiasmada, mas, obviamente, penso que devo sossegar” – disse ela depois de concluída a etapa “vídeos”. “Havia preparado algumas coisas para dizer hoje à noite, mas, agora, já acho que o melhor seria repetir aquele vídeo. E ver se consigo contar os diferentes cortes de cabelo, um de meus passatempos preferidos”. Piada velha, mas o público, sentindo-se grandioso só por ali estar, e de bochechas vermelhas pelo vinho, gargalhou.

Tudo pode acontecer de hoje até 2016, para atrapalhá-la – política, saúde, assuntos familiares; e o povo pode já se ter cansado de Clintons – mas os números de Hillary são impressionantes; é tão ambiciosa quanto capaz; e, pelo menos ali, estava em alta rotação política. Na sequência, falou sério, discurso, em certo sentido, firme. Não pareceu pré-redigido pelo AIPAC, mas muito cuidadoso para não ferir sensibilidades ou criar problemas para os últimos dias da oradora, no Departamento de Estado. Pediu só que Israel manifeste mais “generosidade” aos palestinos. Mas logo repetiu que, tanto na recente crise em Gaza quanto na votação da ONU, “sempre apoiamos Israel”. Repetiu também que os EUA “subscreveram” o Domo de Ferro, o programa para proteger território israelense contra os foguetes disparados de Gaza.

Problema, só, foi que, logo no dia seguinte, o governo Netanyahu agradeceu a preciosa contribuição dos EUA, com atitude cujo principal objetivo foi criar embaraços para o governo Obama: primeiro, anunciou que recomeçará a construir novos colônias na Cisjordânia; segundo, que, para punir a Autoridade Palestina, confiscará os impostos que os palestinos pagam e que teriam de ser repassados mas Israel não repassará. E, isso, depois de os norte-americanos já terem dito que absolutamente não há qualquer crise nas relações EUA-Israel (mais toda a conversa de sempre sobre “valores partilhados” e “nosso único aliado na região”).

Clinton nada fez além de sugestões gentis a Israel, mas cutucou os palestinos. “Se quisessem, os palestinos já teriam seu próprio estado desde 1947; teria a minha idade” – disse ela, na curta sessão de perguntas e respostas. E pôs-se a contar, omitindo os detalhes complicados, que Bill Clinton e Ehud Barak ofereceram excelente acordo a Arafat em 2000; e Ehud Olmert fez o mesmo, oferta feita, dessa vez, a Mahmoud Abbas.

Netanyahu não veio ao Saban Forum. Mas seu afamado ministro de Relações Exteriores e parceiro na coalizão de direita linha duríssima, Avigdor Lieberman. Lieberman, sim. Lieberman, que tem longa história de declarações controversas contra árabes israelenses e vários outros assuntos, só muito raramente fala com a imprensa estrangeira (a chance de criar embaraços ou, mesmo, um incidente internacional é alta demais). Pois lá estava ele, em Washington D.C., na conferência-aperitivo, antes da grande conferência da noite, de Clinton. Lieberman, nascido na União Soviética e que viveu numa colônia israelense em território ocupado, foi entrevistado por Robert Siegel, da National Public Radio, sobre o palco.

Querem que eu seja politicamente correto” – disse Lieberman, instalando-se na poltrona. – “Prometo esforçar-me ao máximo”.

E foi o que fez. Lieberman evitou qualquer expressão que pudesse voar diretamente dali para as manchetes, por racismo ou xenofobia militantes e declarados. Entrevistador sempre atilado, inteligente e sensível, Siegel parecia estranhamento relutante; não pressionou Lieberman, nem falou da longa história de grosserias e preconceitos de seu entrevistado, contra árabes. Lieberman fala inglês com forte sotaque, mas é fluente – e ainda mais fluente fica se pode usar as frases-feitas do governo de Netanyahu: “Os assentamentos não são obstáculo à paz; o contrário, sim, é verdade”. “Israel jamais interferiu na política doméstica, interna, de qualquer país”.

Mentira. Tudo absolutamente falso. De fato, até cômico de ouvir, mas nada de especialmente inflamável, pelo menos se se conhece a verve do homem. Adiante, na mesma cena, Lieberman até riu. Foi quando disse que o principal problema dos palestinos não é Israel ou a ocupação, mas o fato de que a renda média dos palestinos mal chega aos 10 mil dólares por ano; e, em Ramallah ou Rafah, praticamente não vive ninguém que algum dia tenha ouvido falar de Voltaire ou Rousseau. É. 45 anos de ocupação violenta nada têm a ver com a economia deprimida em Gaza, nem com o raro entusiasmo que se observa em Jenin por Cândido, o Otimista e Emílio; e, se têm, não são ideias que entrem nas cogitações de Lieberman.

No sábado, foi dia de reuniões para as quais a imprensa não foi convidada e para conversas tête-à-tête, só para convidados, com Bill Clinton na Folger Shakespeare Library. Mas, depois do jantar, a imprensa pôde entrar para assistir à conversa com Ehud Olmert, o ex-primeiro-ministro que antecedeu Netanyahu, do qual, hoje, é inimigo figadal.

Olmert é ex-linha-dura, revisionista e Likudnik, o qual, como primeiro-ministro, caminhou firme e corajosamente na direção da esquerda na questão palestina, mas foi amplamente desmoralizado pela desastrosa guerra de 2006 no Líbano e pela Operação Chumbo Derretido em Gaza, dois anos depois. Seus números nas pesquisas caíram tanto, que chegaram a zero, mais ou menos a variação da margem de erro. Olmert, que vive uma sucessão de problemas com a lei, desde que deixou a política, anda flertando com a possibilidade de voltar ao jogo – autista jovial, está visivelmente comichando de vontade de ter sua reestreia – mas a questão é como fazê-lo, se se consideram os números miseráveis que continua a obter da opinião pública atual, os processos de que é objeto e muito mais.

Olmert foi entrevistado, também sobre o palco, por David Ignatius, do Washington Post, o qual começou por perguntar se se envolveria nas eleições de 22 de janeiro próximo. Olmert, deliciado com a pergunta, respondeu que nada diria sobre aquele assunto, fora de Israel; e que no início da próxima semana faria um anúncio oficial em Jerusalém. Fontes israelenses informam que Olmert deseja muito concorrer, mas que não há lugar para ele e, por isso, o mais provável é que não se candidate.

Durante o dia, sobretudo entre norte-americanos ligados a governos dos Democratas, ouviram-se gemidos de dor e desespero, pelos corredores, onde quer que se discutisse a atual situação da política israelense – o flagrante contraste entre a vitalidade da vida econômica, cultural e acadêmica em Israel, de um lado; e, de outro, a flagrante vergonhosa miséria da vida política; a falta de talento, de capacidade e de imaginação. Os centristas e liberais de esquerda presentes à conferência – Ehud Barak, Tzipi Livni e outros – estavam tão evidentemente eclipsados, que até a retórica deles soava cansada e desarticulada. O que se via ali era clara consciência da derrota e a correspondente frustração.

Olmert, com legado a defender e ego a alimentar, falou com clareza, discurso vivo, mas até quando acertava a análise ele próprio se autodegradava, pelo excesso de empenho de autopromoção. Acertou ao criticar Netanyahu por ter “esbofeteado Obama” no fim de semana anterior; riu do primeiro-ministro, que insiste em apresentar-se como amigo de Obama, mesmo depois de ter agido “como seu inimigo principal e direto na campanha eleitoral, há apenas poucas semanas”. Olmert apresentou a visita de Mitt Romney a Israel durante sua campanha eleitoral – que incluiu entre os principais doadores, Sheldon Adelson, proprietário de um jornal pró-Netanyahu – como completamente “inadequada (...) Foi feita para criar a impressão, entre os eleitores judeus-americanos, de que Romney estaria chegando à Casa Branca carregado por Israel”. E imediatamente ele mesmo se boicotava, pela gestualidade autorreferente e pela retórica de autoelogio.

Olmert também violou as regras da conferência, ao divulgar o que não deveria ser divulgado. Narrou acuradamente, embora em termos genéricos, a cena na qual, na manhã daquele dia, Rahm Emanuel, prefeito de Chicago e ex-braço-direito de Obama, esbravejava, furioso, e falava sem meias palavras, contra Netanyahu e a quantidade de vezes, repetidas, em que traiu a amizade dos EUA; primeiro, metendo-se a dar lições a Obama no Salão Oval; e agora, novamente, depois de os EUA terem subscrito o sistema de defesa antimísseis “Domo de Ferro”; e apoiado a operação em Gaza; e votado como Israel desejava na Assembleia Geral da ONU... criava embaraços para o governo Obama, ao adotar medidas revanchistas contra a Autoridade Palestina. Depois de ter repetido linha a linha as falas de Emanuel, Olmert acrescentou, de sua lavra, que concordava com tudo.

Olmert foi duro nas críticas a Netanyahu. “Esse governo não se dedica, de modo algum, à causa da paz” – disse ele. “Para um primeiro-ministro, qualquer primeiro-ministro israelense” – disse ele – “a tarefa mais importante” tem de ser a de criar dois Estados para dois povos.

Nem por isso é menos espantoso, quase inacreditável, que a política israelense seja hoje absolutamente dominada por Netanyahu, Lieberman e uma coalizão de tendência cada vez mais assumidamente direitista. Em termos demográficos, o que se vê é que o eleitorado israelense só faz tornar-se mais conservador.

Nesse ínterim, não se vê paz à vista: a Autoridade Palestina perde terreno, ininterruptamente, para o Hamás (“nos termos deles, o Hamás prometeu e cumpriu a promessa; nós, não” – Salam Fayyad admitiu, em conversa comigo.) Assim, a região vai-se tornando cada dia mais imprevisível e mais explosiva. E Israel só tem Netanyahu e Avigdor Lieberman.

Depois da fala de Olmert, a noite prosseguiu – e não pensem que minto: é pura verdade – com um sketch de comédia ao vivo, estrelado por Joseph Lieberman, o velho senador por Connecticut, já prestes a aposentar-se; e Yossi Vardi, empresário israelense da indústria digital. Poupo-lhes os detalhes – embora ninguém tenha imposto ali as Regras de Chatham House; basta que registrem que o senador Joe Lieberman, a contar piadas imundas sobre picles, não é memória que se queira preservar.

Na manhã seguinte, mais conferências. Depois, almoço. Tudo para “uso interno”, nada para divulgar. 
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*David Remnick é editor da revista The New Yorker desde julho de 1998; começou sua carreira no  Washington Post, em 1982. Autor de vários livros, incluindo “King of the World”, “Resurrection”, e “Lenin’s Tomb”, pelo qual recebeu tanto o Prêmio Pulitzer de não-ficção e um Prêmio George Polk por excelência em jornalismo. O mais recente livro de Remnick, “The Bridge: The Life and Rise of Barack Obama”, foi publicado pela Knopf Doubleday, em abril de 2010. Ele se tornou um escritor pessoal em The New Yorker em 1992 e desde então tem escrito mais de uma centena de artigos para a revista. Em 2000, Remnick foi agraciado pela Advertising Age’s o Editor do Ano. Desde que se tornou editor da The New Yorker,  Remnick ganhou 30 National Magazine Awards.

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