Pepe Escobar |
6/1/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Uma emenda chave à
Lei de Defesa Nacional [orig.
National Defense Authorization Act] assinada pelo presidente dos
EUA Barack Obama no último dia de 2011 – quando ninguém estava prestando atenção
– impõe sanções a todos os países ou empresas que comprem petróleo iraniano e
paguem a compra através do banco central iraniano. Entrará em vigência no
próximo verão: quem desobedecer, ficará impedido de comerciar com os EUA.
A emenda – que,
para todas as finalidades práticas, é declaração de guerra econômica – é trazida
até vocês sob o alto patrocínio do Comitê EUA-Israel de Relações Públicas
[orig. American Israel Public
Affairs Committee (AIPAC)], obedecendo ordens diretas do governo de Israel
comandado pelo primeiro-ministro Benjamin “Bibi” Netanyahu.
Cataratas de
artigos e comentários de especialistas tentaram introduzir alguma racionalidade
na ideia: seria um plano B do governo Obama, o qual estaria assim impedindo que
os cães de guerra israelenses atacassem diretamente o Irã (para destruir um
suposto programa de armas nucleares).
A verdade é que a
estratégia original de Israel era ainda mais histérica: impedir que todos os
países e empresas do mundo pagassem ao Irã pelo petróleo que importassem,
exceto, talvez, China e Índia. E, como se não bastasse, o pessoal do AIPAC ainda tentava convencer todos de que essa
ideia não resultaria em aumentos insaciáveis nos preços do petróleo.
Outra vez,
comprovando capacidade inigualável de atirar no próprio pé calçado em sapato
Ferragamo, governos na União Europeia debatem se compram ou não compram petróleo
iraniano. A dúvida existencial é compram já ou dão um tempo. Inevitavelmente,
como a morte e os impostos, o resultado já é – e o que mais poderia ser? –
petróleo mais caro. O cru já oscila em torno de $114, e a única porta aberta é
para cima.
Me
entreguem ao pé do cru, na hora certa![1]
O Irã é o segundo
maior produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP),
exportando até 2,5 milhões de barris de petróleo ao dia. Cerca de 450 mil desses
barris vão para a União Europeia – o segundo maior mercado para o Irã, depois da
China.
Gunther Ottinger,
burocrata sem rosto como exige a função de Comissário para Energia da União
Europeia, andou espalhando que a União Europeia poderia contar com a Arábia
Saudita, para suprir o que não comprasse do Irã.
Qualquer analista
de petróleo que se dê ao respeito sabe que a Arábia Saudita não tem capacidade
ociosa para suprir essa grande demanda extra. Além disso, e mais importante, a
Arábia Saudita tem de vender caro o seu petróleo caro. Afinal de contas, a Casa
de Saud contrarrevolucionária precisa muitíssimo desses fundos para subornar
todos que tenha de subornar para impedir que brote por lá algum tipo de
Primavera Árabe local.
E há também a
ameaça que Teerã já fez, de bloquear o Estreito de Ormuz, impedindo assim que
1/6 do petróleo do mundo e 70% das exportações da OPEP cheguem aos mercados
consumidores. Os varejistas estão fazendo o diabo para estocar a maior
quantidade de cru que consigam comprar.
Esqueçam petróleo
a preços acessíveis de $50, mesmo $75, o barril. O preço pode subir depressa,
chegar a $120, $150 o barril, no próximo verão, como aconteceu em 2008, no auge
da crise. E a OPEP, por falar nisso, está extraindo mais óleo do que nunca desde
o final de 2008.
Assim sendo, o que
começou como objeto explosivo improvisado que Israel escondera numa beira de
estrada, já se vai transformando em colete de explosivos para suicídio coletivo,
preso por cadeado a setores inteiros da economia global.
Não surpreende que
o presidente da Comissão de Segurança Nacional e Política Externa do Parlamento
Iraniano, Ala'eddin Broujerdi, tenha alertado para a possibilidade de as novas
“sanções” não passarem de “trapalhada estratégica” [orig. strategic blunder] nos países
ocidentais.
Tradução: se a
coisa continuar, o nome do jogo para 2012 é recessão global profunda.
Obama joga os dados
Primeiro,
Washington fez vazar que sanções contra o banco central do Irã “não estão sobre
a mesa”. Afinal de contas, é claro que o governo Obama sempre soube que ‘'as
sanções'’ fariam o preço do petróleo explodir, e que são passagem só de ida para
profunda recessão global. E, quanto ao Irã, só arrancará ainda mais dinheiro do
petróleo exportado.
Pois mesmo assim
o combo Bibi-AIPAC empurrou a emenda facilmente, goela abaixo
do Senado e do Congresso dos EUA – mesmo depois de Tim Geithner, secretário do
Tesouro dos EUA, ter-se manifestado claramente contra ela.
A emenda que acaba de ser aprovada pode não ter o efeito de “sanções incapacitantes” que o governo israelense tanto exigia. Teerã sentirá o aperto – mas o aperto não alcançará nível intolerável. E só aqueles irresponsáveis que povoam o Congresso dos EUA – desprezado por maioria ampla dos norte-americanos, como informam todas as pesquisas em circulação por aqui – poderiam ter suposto que conseguiriam tirar do mercado 2,5 milhões de barris do petróleo que o Irã exporta... sem provocar consequências gravíssimas em toda a economia global.
A emenda que acaba de ser aprovada pode não ter o efeito de “sanções incapacitantes” que o governo israelense tanto exigia. Teerã sentirá o aperto – mas o aperto não alcançará nível intolerável. E só aqueles irresponsáveis que povoam o Congresso dos EUA – desprezado por maioria ampla dos norte-americanos, como informam todas as pesquisas em circulação por aqui – poderiam ter suposto que conseguiriam tirar do mercado 2,5 milhões de barris do petróleo que o Irã exporta... sem provocar consequências gravíssimas em toda a economia global.
A Ásia precisará
de cada vez mais petróleo – e continuará a comprar petróleo iraniano. E os
preços do petróleo prosseguirão, rumo à estratosfera.
Tudo isso
considerado, por que Obama assinou aquela emenda? Porque agora, para o governo
Obama, só se trata, exclusivamente, de reeleição. Os doidos terminais ativos no
circo eleitoral dos Republicanos – com Ron Paul como honrada exceção – só falam
de ataque ao Irã; prometem que, se eleitos, atacarão o Irã no dia da posse; e
muitos eleitores norte-americanos, sem saber o que pensar ou por quê, estão
gostando da ideia.
Ninguém está
fazendo nem as contas mais simples, que ajudariam a ver que as economias
europeia e norte-americana absolutamente não precisam de barril de petróleo
aproximando-se dos $120, se alguém ainda espera obter alguma recuperação
econômica, mínima que seja.
Mostre o seu, que eu mostro o
meu
Além da gangue
OTAN-Euro, que vive crise terminal de autodetonação, praticamente todos,
naqueles arredores, ignorarão a guerra econômica que EUA-Israel declararam
contra o Irã:
- a Rússia já disse que contornará o bloqueio;
- a Índia já usa o banco Halkbank, na Turquia, para pagar o petróleo que compra do Irã;
- o Irã e China estão ativamente negociando novos acordos de venda de petróleo. O Irã é o segundo maior fornecedor de petróleo para a China (só perde para a Arábia Saudita). A China paga em euros e pode, em breve, passar a pagar em yuans. Em março, já haverá novo acordo assinado entre Irã e China sobre novos preços;
- a Venezuela controla um banco binacional com o Irã, desde 2009; através desse banco, o Irã recebe todos os pagamentos dos negócios que mantém na América Latina;
- a Turquia, tradicional aliada dos EUA, com certeza encontrará meios para isentar a empresa turca TUPRAS, de importação de petróleo, das novas‘sanções’; e
- a Coreia do Sul também encontrará algum meio, para continuar comprando do Irã, em 2012, os cerca de 200 mil barris/dia de que precisa.
China, Índia,
Coreia do Sul, todos mantêm complexos laços comerciais de mão dupla com o Irã (o
comércio China-Irã, por exemplo, é da ordem de $30 bilhões/ano, e está
aumentando). Nada disso será “extinto” só porque o eixo Washington/Telavive
ordene. Deve-se esperar, isso sim, uma onda de novos bancos privados, a serem
constituídos em todo o mundo em desenvolvimento, exclusivamente para continuar
comprando petróleo iraniano.
Novidade haveria,
só se Washington tivesse cacife para impor sanções aos bancos chineses, porque
negociam com o Irã.
Pelo outro lado, é
necessário reconhecer o cacife (ou, não sendo isso, a coragem) de Teerã. O Irã
enfrenta campanha praticamente jamais interrompida, há anos, de assassinatos
pré-determinados e sequestros de cientistas iranianos; ataques em território
iraniano, na província do Sistão-Baloquistão; sabotagem de sua infraestrutura,
por israelenses; invasões de seu território por drones norte-americanos de espionagem; ameaças
incessantes, de Israel e do Partido Republicano dos EUA, de “choque e pavor”
sempre iminentes; e os EUA venderam $60 bilhões de armas à Arábia Saudita. E
Teerã não cede.
Teerã acaba de
testar – com sucesso – mísseis cruzadores iranianos, e bem ali, exatamente no
Estreito de Ormuz. E quando Teerã reage à agressão repetida, insistente,
incessante do ocidente, ainda é acusada de cometer “atos de provocação”.
6ª-feira, todos os
editorialistas do New York
Times estavam em lua de mel com o
Pentágono, todos repetindo as mesmas ameaças contra o Irã e clamando, todos, por
“pressão econômica máxima”.
A conclusão é que
os iranianos médios sofrerão – tanto quanto sofrerão os europeus endividados,
devastados pela crise. A economia dos EUA também sofrerá. E, cada vez que
entender que o ocidente está ficando histérico além do suportável, Teerã poderá
servir-se do seu pleno direito de mandar os preços do petróleo às alturas.
O
governo de Teerã continuará a vender petróleo, continuará a enriquecer urânio e
– o mais importante – não cairá e continuará a ser governo. Como míssil Hellfire disparado contra festa de
casamento pashtun, as “sanções” ocidentais fracassarão miseravelmente. Não sem,
antes, provocarem vasto dano colateral – no próprio ocidente.
Nota dos
tradutores
[1]
Orig. Get me to the
crude on
time. Ecoa aí um “Get me to the world on time” (“Me entreguem no mundo, na
hora certa”), gravação dos The Electric
Prunes, do rock psicodélico dos anos 1960s.
Há quem insista em
ouvir aí também ecos de “Get me to the
church on time” (“Me entreguem na igreja, na hora
certa”), do musical “My Fair Lady” (dir. George Cukor), dos mesmos anos 1960s,
também gravada por Frank Sinatra, também nos mesmos anos 1960s. Que anos 1960s
foram aqueles!
Seja como for, a
grande gravação de “Get me to the church on time” é de Judy Garland, que morreu
em 1969
É complicado. Cada
leitor terá de construir seus percursos de interpretação.
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