Publicado em 01/10/2013 por [*] Rui Martins
Berna
(Suiça) - Pelo menos dois livros já foram publicados na França sobre essa
utópica mas revolucionária ideia – a de se garantir a todo cidadão, ao chegar na
maioridade, um rendimento (como se fosse um salário), suficiente para viver
durante toda vida.
Este ano, essa ideia com mais de cinco séculos, pois o inglês Thomas Morus defendia esse projeto
no livro Utopia, se transformou num projeto realista e, será provavelmente
submetido à votação popular na Suíça.
Para provocar
uma votação popular nacional, na democracia direta suíça, são necessárias 100
mil assinaturas, já foram reunidas 70 mil e ainda existem alguns meses pela
frente para angariar novas assinaturas.
A ideia surgiu
na Suíça de língua alemã, de um coletivo de visionários formado por artistas,
intelectuais e mesmo alguns políticos. E logo teve o apoio de suíços de língua
francesa, reunidos na associação Bien-Suisse, fundada em 2001, cuja sigla
significa Basic Income Earth Network.
O projeto propõe a criação de um rendimento básico de 2.500,00 francos suíços,
cerca de 6.000,00 reais, pagos mensalmente mesmo se a pessoa está
desempregada.
Sem margem de
erro, pode-se imaginar que esse projeto será rejeitado pela grande maioria do
povo suíço, porém um importante passo será dado em direção ao futuro, quando as
sociedades humanas mais avançadas e mais solidárias não aceitarão a existência
de pobres sem condições de vida digna. E é mesmo provável que logo surja um
partido político colocando o rendimento básico universal como o principal
objetivo do seu programa.
Angela Merkel |
Pode parecer
absurda e fora de contexto tal iniciativa justamente quanto, na União Europeia,
se aplica uma política econômica totalmente inversa. Para fazer face à dívida
pública e a uma situação de quase insolvência, alguns países, a Grécia, Portugal
e Espanha, estão sendo submetidos a uma austeridade, ditada principalmente pela
chanceler alemã Angela Merkel, que consiste em se diminuir salários e
aposentadorias.
Ora, é
evidente que com salários e pensões reduzidos os gregos, espanhóis e portugueses
consomem muito menos. Como na teoria do dominó, a retração do consumo repercute
nas indústrias fabricantes de bens, que não conseguem escoar como antes seus
produtos e o movimento diário dos supermercados é a constatação dessa nova
situação, provocadora de sintomas de recessão. A impressão é a de que o remédio
é muito forte e vai matar os doentes.
Ao contrário,
se as pessoas têm dinheiro para consumir, isso agiliza o consumo e disso decorre
o escoamento rápido dos bens produzidos pelas fábricas, provocando o crescimento
econômico do país.
Antes mesmo de
alguns visionários suíços e economistas franceses terem lançado a
praticabilidade de um rendimento básico para todos, o Brasil tinha sido, sem o
alarde esperado, o pioneiro.
Na verdade, o
Bolsa Família, Cesta Básica e o Bolsa Escola, e outros tipos de ajuda do governo
brasileiro aos menos favorecidos já constituem a aplicação prática da Utopia de
Thomas Morus. Para que não haja descontentes na avaliação dessa medida
revolucionária, lembramos que foi FHC quem lançou e Lula quem ampliou essa
concessão de um rendimento básico, ainda mínimo, para a parcela mais carente da
população.
Thomas Morus |
E os
resultados foram extremamente positivos – com um mínimo disponível para viver, a
população beneficiada com essa medida começou a consumir, acionou supermercados
e fábricas e o Brasil deslanchou, enquanto a União Europeia fazendo o inverso
entrou numa fase de estagnação e de desemprego, da qual não sabe ainda como vai
sair, pois já não há, como no passado, as guerras continentais que dizimavam a
população e destruíam cidades, impedindo o desemprego e a recessão.
A solução
pacífica para o desemprego e contra a recessão não seria o rendimento básico
para todos os cidadãos? Ao contrário do aumento da idade da aposentadoria, como
querem os neoliberais, isso criaria igualmente condições para se diminuir as
horas de trabalho, como se falava nos anos 60, quando as pessoas sonhavam com a
nova sociedade do lazer, torpedeada pela ganância neoliberal.
Haveria
condições para o Estado garantir tal iniciativa? Imagina-se que sim, pois todos
os rendimentos estariam sujeitos aos impostos normais e o funcionamento do
consumo e a boa saúde das indústrias garantiriam a contribuição dos outros
impostos necessários ao funcionamento do Estado.
Chegamos a um
fim de linha – a coletivização não deu certo e o neoliberalismo com sua gula de
lucros utiliza a automatização para dispensar empregados em lugar contribuir
para a sociedade do lazer. A insistência no atual modelo econômico levará a
choque e revoltas.
Tudo indica
ter chegado a hora de se buscar novos comportamentos econômicos e novas soluções
sociais, criadores de solidariedade social evitando desigualdades e o mergulho
na miséria de uma parcela da população. Um rendimento básico para todos será
também a garantia de educação, escolas e formação profissional para a
juventude.
O mundo futuro
não poderá continuar tendo esses bolsões de miséria e pobreza. A concessão de um
rendimento básico para todos não impedirá que muitos tenham salários superiores,
dependendo da criatividade de cada um. E nem criará aproveitadores e
vagabundos.
É hora de se
começar a curtir e imaginar a concretização dessa utopia.
_____________________
[*] Rui Martins
– é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é
líder emigrante, membro eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de
emigrantes (CRBE) junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos
Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreveu o livro Dinheiro Sujo da Corrupção sobre as contas
suíças secretas de Maluf. Colabora com o Expresso, de Lisboa, Correio do
Brasil e agência BrPress.
Enviado por Direto da Redação
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