25/10/2013, [*]
Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye.
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Bandar Bush bin Sultan por Kerry Waghorn |
O esporte
geopolítico favorito du jour é
desconstruir as razões pelas quais a Casa de Saud – o casamento da monarquia
hiperabsoluta e de fanáticos wahabistas – pirou completamente, com o inefável Bandar Bush na linha de frente.
Estão
aterrorizados ante a possibilidade de que o Muro de Desconfiança, de 34 anos,
entre Washington e Teerã, finalmente venha abaixo. Estão aterrorizados ante o
risco de aqueles infiéis norte-americanos recusem-se a fazer a guerra para a
“nossa” mudança de regime contra a Síria. Estão aterrorizados ante a crítica
(leve) contra a repressão linha duríssima no Bahrain (que os sauditas
invadiram, em 2011, por falar nisso). Detestam mortalmente o culto
norte-americano àquela divindade – a democracia – que permitiu que os EUA
abandonassem tiranos amigos na Tunísia e no Egito (a Líbia é diferente; o rei
Abdullah queria Gaddafi detonado desde, no mínimo, 2002).
A Casa de
Saud está tão doidamente furiosa com o governo Obama, que até “todas as opções”
estão previstas “sobre a mesa”. O que obriga a perguntar: e se Riad estiver
realmente sonhando com pivotear-se para a China?
O
“socialismo com características de mercado” como Pequim autodescreveu-se
precisa muitíssimo do petróleo saudita; afinal, a Casa de Saud já é o principal
fornecedor da China. O rei Abdullah olha para o leste e o que vê é uma
superpotência aspirante, abarrotada de dinheiro ilimitado, a qual jamais
sonhará com intervir em assuntos internos dos sauditas, para nem falar de
considerar ideias de Primavera Árabe.
Hu Jintao (então presidente da China) visita o Rei Abdullah da Arabia Saudita em 2009 |
Imaginem
então o rei Abdullah moribundo sonhando com um eixo Riad-Pequim como seu legado
– com o benefício extra embutido de deslocar o Irã, inimigo mortal, fazendo do
Irã problema de segurança nacional dos chineses (embora Pequim, com certeza,
toma a coisa como a proverbial situação de ganha-ganha, interessada em comprar
ainda mais gás dos sauditas, enquanto continua comprando mais gás do Irã).
A Arábia
Saudita produz cerca de 10% do total global, o que perfaz cerca de 90 milhões
de barris de petróleo/dia. É o maior exportador do mundo, produtor decisivo, [Orig. swing
producer] essencial na definição do preço do petróleo
– o qual permanece muito alto, não só por causa da demanda chinesa e indiana,
mas também por causa da especulação incansável.
Riad está
atentamente observando a possibilidade de os EUA tornarem-se autossuficientes
em energia, por causa da tecnologia do fracking – tecnologia suja, imunda, repugnante e
geradora de poluição devastadora. Com certeza estão avaliando que mesmo com os EUA
produzindo mais do que os sauditas – cerca de 12 milhões de barris/dia,
incluindo etanol – mesmo assim os EUA têm de importar nada menos que 6,7
milhões de barris/dia em 2013. Os EUA continuarão a carecer de petróleo –
petróleo saudita – no futuro previsível.
Petrodólar perde valor... |
Se “todas
as opções” estão mesmo “sobre a mesa”, a Casa de Saud pode estar considerando
acertar um negócio de décadas com o chineses vorazes consumidores de energia,
garantindo-lhes suprimento a preço combinado. Mas assumamos que a demanda –
especialmente da Ásia – suba, como subirá: a Casa de Saud sabe que os EUA podem
ver-se numa enrascada e manifestar, com gestos e espalhafato, o próprio
desprazer.
Perdendo
minha religião (do petrodólar)
A Casa de
Saud também sabe muito bem que ela é a âncora que mantêm a OPEP ligada ao
sistema do petrodólar. Sem a Arábia Saudita, o petrodólar já era.
Essa,
pode-se dizer é a fraude número 1 das relações internacionais. Praticamente
todos e mais alguns precisam dos dólares norte-americanos, os quais são quase
todos investidos em bônus do Tesouro dos EUA e outros papéis securitizados, e
praticamente todos usados para comprar commodities
denominadas em dólares dos EUA, como o petróleo. Como é doce ser comprado
por você! Washington continua a produzir trilhões incontáveis de dólares em
dívida norte-americana, que todos têm de comprar. A Casa de Saud, é claro,
investe corretamente suas cascatas de dólares dos EUA, na dívida dos EUA.
Imaginem, então, se a Casa de Saud decide livrar-se do petrodólar. Seria Apocalypse Now para a economia dos
EUA.
Dollar Toilet Paper |
Lenta, mas
firmemente, os tempos estão mudando. O Irã, sob sanções em estilo declaração de
guerra está mostrando o caminho, ao vender energia em outras moedas, aceitando
ouro e até escambo (a Casa de Saud, aliás, está também aterrorizada ante a
possibilidade de que, com a détente EUA-Irã, venha a haver muito mais petróleo
e gás iranianos nos mercados ocidentais, o que diluirá os lucros sauditas).
A Rússia é
agora a exportadora global número 1 de petróleo, e a China é a importadora
número 1 de petróleo – importando mais da Arábia Saudita, que os EUA. Em 2020, a China estará
importando vertiginosos 9,2 milhões de barris/dia. Assim sendo, obviamente não
faz sentido algum que os BRICS Rússia e China continuem a usar o petrodólar: aí
está um traço crucial da recente conclamação, de Pequim, para “desamericanizar”
o mundo. E Riad sabe disso.
A Casa de
Saud também considera duas outras tendências: já há anos, exporta a maior parte
de seu petróleo, para a Ásia; e a China, inevitavelmente, tornou-se a principal
exportadora – uma miríade de produtos manufaturados – para a Arábia Saudita, à
frente dos EUA. Pequim, mais uma vez, está jogando jogo discreto, de longo
prazo, investindo na infraestrutura saudita. Sabendo que a Arábia Saudita não
pode exportar mais do que já exporta, de seu petróleo pesado, altamente
sulfuroso – porque poucos países conseguem refiná-lo – a China está construindo
um massivo novo complexo de refino/exportação. Vídeo a seguir:
Assim
sendo, no longo prazo, o que temos é, na essência, um confronto EUA-China (com
Rússia e Irã também pesando), pelo petrodólar.
A
absoluta, total prioridade, da Casa de Saud – aconteça o que acontecer – é a
autoperpetuação. Para continuar a ganhar rios de dinheiro – petrodólares ou
quaisquer. Para poder manter contido, em xeque-mate, o Irã, inimigo mortal,
aqueles “xiitas apóstatas”.
Mas... a
ponto de pivotear-se para a China?
A rede de
vender-comprar proteção à moda Máfia é tão doce! Por causa da religião do
petrodólar, a Casa de Saud é, na essência, autoperpetuada pelo guarda-chuva do
Pentágono e por aquelas toneladas de contratos de armas.
No
momento, a paranoia da Casa de Saud reproduz-se em duas frentes, como vírus
mortal. Estão aterrorizados ante o risco de a rede não durar, se o Irã volta ao
jogo. E pior, imaginam eles, com capacidade nuclear.
Petroyuan? |
E os
sauditas suspeitam que o muito alardeado – e até hoje inexistente –
pivoteamento dos EUA para a Ásia seja um nada discreto “dê adeus ao seu novo
amiguinho”, no caso de a Arábia Saudita passar a ser parceiro preferido da
China. O pivoteamento pode até ser interpretado, por uma Casa de Saud
paranoica, como dupla ameaça: dirigido na direção da China, no longo prazo, mas
também contra a Arábia Saudita, do tipo “e nem pense em mudar-se para o
petroyuan”.
Até aqui,
uma Casa de Saud devorada por viciosa batalha pela sucessão, além de furiosa,
com medo e paralisada pelo carrossel geopolítico que não para de modificar-se,
não dá qualquer sinal de que deixará escapar o monstrengo híbrido do
“relacionamento especial” com os EUA. Está só dando um berreiro-chilique. Se e
quando entrar em modo de “estou perdendo minha religião” (dos petrodólares),
aí, sim, a ação começa para valer.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São
Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém
coluna (The Roving Eye) no Asia
Times Online; é também analista político e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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