11/10/2013, [*] Pepe
Escobar, Asia Times Online
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Barack Obama e Hassan Rouhani e a aproximação Washington - Teerã |
Qualquer
bípede racional com cérebro operante vê que a possibilidade de pôr fim ao Muro
de Desconfiança que há 34 anos divide Washington e Teerã é situação de ganha-ganha.
Eis
alguns dos benefícios:
–
O preço do petróleo e do gás do Golfo Pérsico cairá;
–
Washington e Teerã poderão constituir uma parceria para combater contra os
salafistas-jihadistas (como já houve, aliás, logo depois do 11/9) e coordenar
suas políticas no Afeganistão, para manter sob controle os Talibã no pós-2014;
–
Irã e os EUA partilham os mesmos interesses na Síria; ambos não querem
anarquia nem o risco de islamistas radicais ganharem influência no poder.
Resultado ideal seria contrabalançar a influência iraniana com um acordo de
partilha de poder entre o establishment de Bashar al-Assad e uma oposição
sensível não armada (que existe mas, no momento, está marginalizada);
–
Sem a retórica da mudança de regime e sem sanções, o céu é o limite para mais e
mais negócios, comércio, investimentos e opções de energia para o ocidente,
especialmente para a Europa (o Irã é a melhor saída possível para que os
europeus diminuam sua dependência atual da Gazprom russa);
–
Uma solução para o dossiê nuclear permitirá ao Irã gerir o uso civil da energia
nuclear como fonte alternativa de energia para sua indústria, o que aumentará a
quantidade de petróleo e gás disponível para exportação;
–
Geopoliticamente, com o Irã reconhecido pelo que é (o ator chave no Sudoeste da
Ásia), os EUA poderão ser libertos do dogma autoinfligido de dependerem do eixo
israelenses-sauditas. E Washington até poderá começar a pivotear-se às veras na
direção da Ásia, e não exclusivamente mediante ações militares.
–
Ah! Eis a questão! Todos sabem por que a direita israelense combaterá contra
qualquer acordo EUA-Irã como contra a peste, porque o Irã como “ameaça
existencial” é o pretexto perfeito para desencaminha o debate e impedir que se
aproxime da verdadeira questão: a ocupação/apartheid que Israel impôs aos
palestinos.
Quanto
à Casa de Saud, o acordo Irã-EUA é praticamente Apocalypse Now.
Sou
um modesto matador moderado
Começa
com a Síria. Todo mundo sabe que o mestre das sombras Bandar bin Sultan,
codinome Bandar Bush, está
integralmente encarregado da guerra na Síria, desde que foi nomeado Diretor da
Inteligência Nacional por seu tio, o rei Abdullah saudita.
Bandar
não leva prisioneiros. Primeiro, eliminou do quadro o Qatar – principal
financiador do chamado Exército Sírio Livre [orig. Free Syrian Army
(FSA)]; depois de ter recebido boa ajuda do emir do Qatar, Sheikh Hamad, que
se autodepôs no final de junho, em benefício do filho, Sheikh Tamin.
Sheikh Hamad (pai) (D) e Sheikh Tamin (filho) (E) emires do Qatar |
Em
seguida, no final de julho, Bandar ressurgiu espetacularmente em público, numa
sua hoje já famosa viagem “secreta” a Moscou, na qual tentou
subornar/extorquir o presidente Vladimir Putin e fazê-lo desistir da Síria.
Todos
sabem que a “política” da Casa de Saud para a Síria é mudança de regime, ponto,
parágrafo. É inegociável, em termos de acertar um golpe naqueles “apóstatas” em
Teerã, e impor a vontade dos sauditas à Síria, ao Iraque e, de fato, a todo o
Levante predominantemente sunita.
Zahran Alloush |
No
final de setembro, o “Exército do Islã” [Jaish al-Islam] entrou em cena.
É um combo “rebelde” de mais de 50
brigadas, que vão de salafistas linha-duríssima a supostos “moderados”,
coordenados por Liwa al-Islam, que, antes, fora parte integrante do Exército
Sírio Livre.
O
senhor-da-guerra que manda no Jaish al-Islam chama-se Zahran Alloush –
filho de Abdullah, clérigo salafista de linha duríssima ativo na Arábia Saudita.
E os petrodólares que o mantêm ativo são sauditas – e chegam até ele via Bandar
Bush e seu irmão príncipe Salman,
vice-ministro da Defesa da Arábia Saudita.
Se
estiver parecendo requentamento do “Despertar Sunita” urdido por David Petraeus
no Iraque em 2007, é porque é exatamente a mesma coisa: a diferença é que esse
“despertar” movido a dinheiro saudita está sendo requentado não para combater a
al-Qaeda, mas para forçar o golpe (“mudança de regime”).
Pelo YouTube ouve-se (em árabe, no vídeo
acima) exatamente o que Alloush deseja: uma ressurreição do Califato Umayyad
(que teve capital em Damasco), e “limpar” Damasco de iranianos, xiitas e
alawitas. Todos esses são considerados kafir (“não crentes”, “infiéis”).
Das duas, uma: ou se submetem ao Islã salafista ou tem de morrer. Só lunáticos
veriam nisso alguma espécie de discurso “moderado”.
Ayman al-Zawahiri |
Por
incrível que pareça, até Ayman al-Zawahiri – do comando central da al-Qaeda – já lançou uma proclamação na qual proíbe a
matança de xiitas.
Pois
fato é que Alloush, o “moderado”, está no âmago da atual campanha de Relações
Públicas comandada por Bandar Bush:
senhores-da-guerra como Alloush estão sendo “suavizados”, até que se tornem
palatáveis para um grande número de fontes de dinheiro do Golfo e, claro, também
para ocidentais crédulos.
O
xis da questão, porém, é que o Exército do Islã [Jaish al-Islam] prega
ideias que são como uma variante cromática, quase idêntica, mas não idêntica,
chamado “Estado Islâmico do Iraque e Levante [“Levante” = al-Sham =
Síria] – a organização guarda-chuva ligada à al-Qaeda, que é a principal força
em combate dentro da Síria: são bandos de fanáticos pesadamente armados e
dependentes de um poderoso cristal de metanfetamina (religioso).
Paraíso
Paranoia
Rei Abdullah |
Para
complicar ainda mais as coisas, a Casa de Saud está engalfinhada na batalha pela
sucessão. O príncipe coroado Salman foi o último filho do rei Abdul Aziz,
fundador da dinastia saudita, que teve chances de chegar e permanecer no poder.
Agora
todos os demônios estão soltos – com hordas de príncipes engalfinhados na luta
pelo grande prêmio. E ali, no meio do pandemônio, encontramos ninguém menos que
o próprio Bandar Bush – o qual, hoje,
para todas as finalidades práticas, é a mais poderosa entidade na Arábia
Saudita, depois de Khalid Twijri, o chefe de gabinete do rei Abdullah.
O
nonagenário rei Abdullah está bem próximo de reunir-se ao seu Criador. Twijri
não é da família real. Então... Bandar corre contra o relógio. Ele carece, de
modo absoluto, de uma “vitória” na Síria, que lhe servirá como passaporte para a
glória total.
Foi
quando o acordo EUA-Rússia sobre as armas químicas sírias apareceu. Toda a Casa
de Saud, literalmente, entrou em surto – e puseram-se a culpar não só os
suspeitos de sempre (Rússia e China, membros do Conselho de Segurança da ONU);
mas, também, Washington.
Saud al-Faisal |
Não surpreende que o ministro perpétuo das Relações
Exteriores, príncipe Saud al-Faisal, não tenha aparecido para seu discurso anual
na Assembléia Geral da ONU semana passada. Não se pode dizer que sua ausência
tenha sido lamentada ou que tenha feito alguma falta.
O
pesadelo da Casa de Saud é amplificado pela paranoia. Depois de tantos e tantos
avisos do rei Abdullah a Washington (“decepe a cabeça da serpente”, o Irã), que
os telegramas vazados por WikiLeaks imortalizaram; depois de tantas súplicas,
para que os EUA bombardeassem a Síria e instalassem ali uma zona aérea de
exclusão e/ou armassem até os dentes e até o Juízo Final os “rebeldes”... Eis o
que, afinal, a Casa de Saud está obtendo: Washington e Teerã já bem próximos de
um acordo, à custa de Riad.
Assim
sendo, não surpreende que medo, ranger de dentes e aguda paranoia reinem
supremos. A Casa de Saud está fazendo e continuará a fazer tudo que puder para
bombardear a emergência do Líbano como produtor de gás. Continuará a
soprar as chamas do sectarismo em todo o espectro, como Toby Matthiesen documentou num livro
excelente.
Bandar Bush |
E
o eixo israelense-saudita continua a dar brotos venenosos. Poucos sabem, no
Oriente Médio, que uma
empresa israelense – com experiência na repressão a palestinos –
foi contratada para fazer a segurança em
Meca. Muitos que soubessem disso – com a hipocrisia da Casa de
Saud exposta mais uma vez – e a rua árabe explodiria em massa, em várias
latitudes.
Uma
coisa é certa: Bandar Bush, como o
eixo saudita-israelense, não economizarão golpes para fazer descarrilar qualquer
tipo de reaproximação entre Washington e Teerã.
Quanto
ao Grande Quadro, a verdadeira, a real “comunidade internacional” sempre pode
sonhar que, um dia, as elites em Washington afinal verão a luz e compreenderão
que a aliança estratégica selada entre os EUA e os sauditas em 1945, por
Franklin D Roosevelt e o rei Abdul Aziz ibn Saud absolutamente não faz sentido
algum.
[*]
Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times
Online; é também analista e correspondente das redes Russia
Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros
- Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid
War, Nimble Books, 2007
- Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
- Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009
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