22/10/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online - The Roving Eye
Traduzido por João Aroldo
John Osborne |
Não
conte com uma dramaturga saudita escrevendo um remix séc. 21 de Look Back in Anger de John Osborne [1] estrelando um monte de gente da
realeza saudita não trabalhadora. Mas é
raiva mesmo – do Rei Abdullah (abaixo); não apenas pela “dupla moral” da ONU, mas
especialmente – silêncio – à administração Obama infiel.
Esta
é a explicação saudita oficial da
recusa ao mandato de dois anos tão cobiçado no Conselho de Segurança da ONU, apenas
algumas horas após sua nomeação.
Não
é à-toa que o movimento sem precedentes de autodecapitação da Casa de Saud foi
louvado apenas pelos suspeitos submissos de sempre; petromonarquias do Clube
Contrarrevolucionário do Golfo, também conhecido como Conselho de Cooperação do
Golfo (CCG), assim como o Egito, que agora depende de dinheiro saudita para
pagar suas contas e mal e mal sobreviver.
Rei Abdullah da Arábia Saudita |
O
Kuwait tomou as dores de Riad, o suficiente para mandar “uma mensagem para o
mundo”. OS EAU disseram que a ONU tem agora a “responsabilidade histórica” de
rever seu papel. O Bahrain – invadido pelos sauditas em 2001 – sublinhou a
“posição clara e corajosa”. Cairo disse que a coisa toda era “corajosa”.
Como
foi corajoso mesmo, pressionar nações árabes e do Pacífico por dois anos e
gastar uma fortuna treinando uma dúzia de diplomatas em Nova Iorque por meses
apenas para dizerem “não” quando você consegue o prêmio. A Casa de Saud
substituiria o Paquistão com um assento do Pacífico; o Marrocos permanece até
2015 em um assento africano. Há apenas cinco meses o assento saudita era
considerado como certo na ONU.
Torrentes
de bits da NSA fluíram especulando sobre a suposta “agenda
reformista” saudita ou a “posição de princípio” quanto a R2P (a doutrina
Responsabilidade de Proteger), Palestina e tornar o Oriente Médio uma zona
livre de armas.
A
seu crédito, o Rei Abdullah avançou um plano para a Palestina desde 2002
baseado em uma solução de dois estados e um retorno a fronteiras pré-1967.
Arábia Saudita R2P (Responsability to Protect) por Daryl Cagle |
Mas
não houve pressão subsequente sobre Israel; ao contrário, Riad é aliada de Tel
Aviv para tocar fogo na Síria. Isso implica nenhum esforço para incluir Israel como
poder nuclear em um
Oriente Médio livre de armas. Já quanto à versão saudita do
R2P, isso só se aplica à “proteção” sectária de sunitas na Síria.
Fora
de poucos lugares no Oriente Médio, ninguém está seriamente perdendo o sono
pela ação adolescente saudita - que mostra uma noção curiosa de influência, ao
escolher um golpe de RP para reinventar a corrupta petromonarquia como os
campeões de “princípios” de uma causa (reforma da ONU) tanto quanto eles possam
tentar influenciá-la por dentro.
Chateau Petrus |
Isso
implicaria mais escrutínio. Por exemplo, nesta segunda-feira, o Human Rights Council (Conselho de
Direitos Humanos), outra instituição da ONU, devidamente acusou a Arábia
Saudita pelo seu autêntico histórico de discriminação contra as mulheres e
sectarianismo, seguindo relatórios da Human
Rights Watch e Anistia Internacional. Como membro do Conselho de Segurança
da ONU, a discrepância entre a realidade medieval dentro da Arábia Saudita e
sua pomposa agenda “reformista” seria ainda mais flagrante.
Eu
quero meu fluido kafir
Uma
garrafa daquele precioso fluido kafir [2], Chateau Petrus – muito apreciado por
príncipes sauditas em viagens a Londres – pode ser a aposta de que a decisão de
“desistir da ONU” veio direto da boca do camelo. E agora que a Casa de Saud
decidiu manter sua “influência” do exterior, nada faz mais sentido que o
ressurgimento de Bandar Bush – que,
neste verão, foi designado pelo Rei Abdullah como o homem no comando da jihad na Síria.
O
eterno Ministro do Exterior saudita, Príncipe Saud al-Faisal, almoçou com o
Secretário de Estado americano, John Kerry em sua luxuosa residência em Paris nesta
segunda-feira. O mistério é qual fluido kafir
foi consumido; embora, sem dúvidas, na versão oficial e inofensiva, eles
concordaram com um Irã não nuclear, um fim à guerra na Síria e um Egito
“estável”. Após a festinha em Paris, durante o fim de semana, Bandar Bush já estava a todo vapor, anunciando
abertamente a diplomatas europeus em Riad que ele vai comprar suas armas
destinadas à Síria [3] em outro
lugar, vai desassociar seu esquema da CIA e vai treinar “seus” rebeldes com
outros players, notadamente França e Jordânia.
O
Wall Street Journal deu a
história, que previsivelmente não apareceu na mídia árabe (90% dela é
controlada por diferentes ramos da Casa de Saud).
Ainda
mais interessantes são duas outras informações vazadas por diplomatas. A Casa
de Saud queria que os EUA fornecessem alvos a serem atingidos na Síria quando a
tal da guerra cinética de Obama começasse. Washington recusou
peremptoriamente.
Bandar Bush |
Melhor
ainda; Washington supostamente disse a Riad que os EUA não seriam capazes de defender
a Província Oriental, majoritariamente xiita e rica em petróleo, se os Tomahawks começassem a voar pela Síria. Imagine
o show de horrores em Riad; afinal, a
proteção da máfia pelos petrodólares reciclados/investidos na economia
americana é a base para este casamento disfuncional por quase sete décadas.
Portanto,
isso deveria nos levar à tal da “postura independente em política externa
saudita”, tão falada a ser implementada em relação à Washington. Não contem com
isso.
Tanto
quanto a Casa de Saud está completamente paranoica quanto às últimas ações da
administração Obama, ter um ataque de raiva não vai mudar para onde os ventos
geopolíticos estão soprando. A ascensão geopolítica do Irã é inevitável. Uma
solução síria está no horizonte. Ninguém quer jihadis ensandecidos andando livres da Síria ao Iraque e pelo
Oriente Médio.
Príncipe Saud al-Faisal |
A
tentativa saudita de criar “um novo arranjo de segurança para o mundo árabe” é
uma piada – como demonstrado por este
shill [4] financiado pelos sauditas.
A
verdade é que uma Casa de Saud raivosa e temerária não consegue confrontar o
protetor benigno Washington. Ter um ataque de raiva – como berrar para chamar –
é para bebês geopolíticos. Sem os EUA - ou “o Ocidente” – quem vai manter a
indústria saudita de energia? Camelos sem PhD? E quem vai vender (e manter)
aquelas armas
maravilhosas? Quem vai defendê-los por esmagar o verdadeiro espírito da
Primavera Árabe, no CCG e além?
O
eterno Ministro do Exterior Príncipe Saud está gravemente doente. Ele será
substituído por um recém nomeado vice primeiro ministro.
Adivinhe
quem?
O
Príncipe Abdul Aziz bin Abdullah, o filho do rei. Ao invés de uma postura “de
princípios” contra “double standards”,
a ação da Casa de Saud na ONU se parece mais com nepotismo.
_________
Notas do tradutor
[1] Expoente dos Angry Young Men, movimento dramatúrgico inglês do final dos anos
1950.
[2] Fluido dos infiéis, ou seja, bebida alcoólica.
[3] Aos rebeldes sírios, bem entendido.
[4] Apologista.
_______________
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e
Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é
também analista político e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila
Vudu, no
blog redecastorphoto.
Livros
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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