domingo, 25 de julho de 2010

Mandela e a Falsificação da História

Mandela e a Falsificação da História

Ángel Guerra Cabrera*
25.Jul.10
Ángel Guerra Cabrera

Muitas são as inverdades que «a máfia mediática» - para usarmos uma expressão de Ángel Guerra Cabrera neste texto – ao serviço das várias tendências políticas da burguesia e do imperialismo, têm veiculado e continuam a veicular sobre as lutas libertadoras dos povos. Neste texto, Ángel Guerra diz-nos que Nelson Mandela não foi o «pacifista descafeínado» que a burguesia nos pretende apresentar no final da sua vida e fala-nos do enorme contributo de Cuba revolucionária para a libertação de África.



A hipocrisia dos Estados Unidos da América e dos seus aliados pode ser comprovada, em toda a sua dimensão, ao promoverem a proclamação pela Assembleia Geral da ONU 18 de Julho como Dia Internacional de Nelson Mandela, data natalícia do lendário dirigente sul-africano.

Era isto que dizia de forma exemplar o insubstituível correspondente de La Jornada nos Estados Unidos, David Books, ao pôr em contraste os encomiásticos e oportunistas elogios da Secretária de Estado Hillary Clinton a Mandela, com o testemunho de um veterano da luta contra o apartheid naquele país, que recordava que o prestigiado líder e a sua organização, o Congresso nacional Africano (ANC), foram mantidos pelo governo estadunidense na lista oficial de terroristas, nada mais nada menos que durante todo o mandato de Bill Clinton, anos depois de Mandela ter sido eleito presidente da África do Sul (1994).

Querem fazer-nos esquecer o apoio económico, político e militar aos racistas brancos de Washington e os seus aliados da NATO e, naturalmente, de Israel, que dotou Pretória de armas nucleares, por incumbência da Casa Branca.

A verdade é que Mandela não foi o pacifista descafeínado inventado pela máfia mediática mas, desde a sua juventude, um rijo lutador pela libertação do seu povo que, quando viu o regime de minoria branca afogar em sangue as suas tentativas de lutar por meios pacíficos, não hesitou em encabeçar e organizar o Umkhonto we Size (A lança da Nação, em língua Xosa), braço militar do ANC, que executou arriscadas e audazes acções armadas até o apartheid entrar na sua fase agónica.

O diálogo e as eleições foram a conclusão de um prolongado ciclo de luta do povo negro e de alguns brancos revolucionários ou progressistas da África do Sul – entre eles, veteranos líderes do ANC como Joe Slovo, presidente do Partido Comunista da África do Sul – cuja última etapa, dos anos 20 aos anos 90 do século XX, foi reprimida sem piedade pelos racistas brancos.

A luta contra o apartheid conheceu na altura um grande impulso e levantou uma enorme solidariedade internacional a favor da descolonização de África e, finalmente, da libertação das colónias portuguesas e da notoriedade da SWAPO (na sua sigla em inglês), Movimento de Libertação da Namíbia, então colónia sul-africana.

É neste panorama que se insere outro dado fundamental que a história oficial omite ou falseia: as acções internacionalistas da Revolução Cubana em África. Estas acções estendem-se de tal modo, no tempo e no espaço, que só refiro sinteticamente o que se relaciona com este artigo.

Por solicitação do governo de Agostinho Neto, líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Havana enviou em 1975 um contingente de tropas que destroçou o plano dos Estados Unidos, da África do Sul racista e do Zaire de Mobutu de destruição da novel independência e de saque desse grande país [1]. Uma vez derrotada a invasão da África do Sul, dos mercenários europeus e das facções angolanas ao seu serviço, ainda ficaram em Angola forças cubanas suficientes para preservar a sua soberania.

Apesar disso, em 1988, depois de constantes incursões sul-africanas em território angolano e de uma grave ameaça militar dos racistas, novamente a pedido de Angola, cruzou a Atlântico um forte contingente de forças cubanas, com aviação de combate, tanques e artilharia pesada que, na batalha de Cuíto Canavale, situada a sul do território angolano, infligiram uma derrota estrondosa aos racistas, forçaram-nos a retirar das suas bases e avançaram até à Namíbia. Como escreveu o sub-secretário de Estado Chester Crocker ao seu chefe George Schultz, «o avanço cubano no sudoeste de Angola criou uma dinâmica militar imprevisível».

O imprevisível foi a ação das forças armadas cubanas em cooperação com as forças angolanas e namibianas terem obrigado os Estados Unidos e os racistas sul-africanos a sentar-se á mesa das negociações e aceitar a independência da Namíbia.

O fim do apartheid ter-se-ia prolongado até quando ninguém sabe sem a derrota do exército de Pretória em Cuíto Canavale e a ameaça de insurreição do povo negro da África do Sul por ela inspirado.

Nelson Mandela disse sobre isso: «Cuíto Canavale marca a viragem na luta para livrar o continente e o nosso país do flagelo do apartheid»

Nota do tradutor:
[1] Ver Piero Gleijeses, Missiones en Conflito, 2002, Ediciones Sociales, La Habana. Desta obra, que teve edições simultâneas nos EUA e em Cuba, foi há anos anunciada pela Editorial Caminho uma edição portuguesa que nunca chegou a aparecer.

*Colunista do diário mexicano La Jornada, jornal diário mexicano.

extraído do
Diário.info - Tradução de José Paulo Gascão
Este texto foi originalmnte publicado em: Mandela y la falsificación de la historia