domingo, 25 de julho de 2010

Washington e a Imprensa venal na AL

Washington e os "observadores da imprensa"

por Luiz Carlos Azenha ( Viomundo )

Desde o Viomundo mais antigo, ainda hospedado na Globo.com, venho chamando a atenção de meus leitores para a atuação internacional do National Endownment for Democracy (NED), uma entidade suprapartidária criada durante o governo Reagan para “promover a democracia” no mundo. O NED foi uma resposta de Washington ao escândalo que ficou conhecido como Irangate, quando o governo Reagan vendeu armas secretamente ao Irã e usou o dinheiro para financiar os contras, que tentavam derrubar o governo sandinista da Nicarágua. Reagan teria usado do subterfúgio para driblar o Congresso americano controlado pelos democratas, onde era forte a oposição às guerras que Washington promovia na América Central (com resultados bárbaros em El Salvador e Guatemala, especialmente). Pode-se dizer que o tenente-coronel Oliver North, que articulou o Irangate, foi o primeiro neocon de altíssima visibilidade nos Estados Unidos.

Pois o NED foi a saída de consenso: receberia fundos aprovados pelo Congresso e teria braços independentes no Partido Democrata, no Partido Republicano, no movimento sindical e no movimento dos empresários. Todos, assim, unidos, para promover a política externa dos Estados Unidos. Uma espécie de CIA civil. Obviamente que isso não acabou com as ações clandestinas, que foram turbinadas especialmente depois dos atentados de 11 de setembro, quando os militares passaram a assumir um papel cada vez mais importante na estrutura de poder dos Estados Unidos, a ponto de tomar espaço antes exclusivo da diplomacia do Departamento de Estado.

Como as atividades do NED são públicas, ficou muito mais fácil seguir o dinheiro e conseguir provas factuais do envolvimento de Washington, ainda que indireto, na derrubada ou tentativa de derrubada de governos não amigáveis. “Promover a democracia”, na verdade, se resume a isso: derrubar ou tentar derrubar governos não amigáveis. Foi uma estratégia que obteve sucesso especialmente em países da antiga esfera de influência da União Soviética, onde alguns milhares de dólares podem fazer uma diferença considerável para a organização da militância antigovernamental. Não se trata, pois, de defender regimes autocráticos ou autoritários, mas de registrar que o NED e outros órgãos ligados ao governo dos Estados Unidos investem muito mais em “promover a democracia” na Venezuela do que na Arábia Saudita, muito mais no Irã do que no Egito. Por que?

Garanto que se a China investisse dinheiro equivalente para promover seus interesses nos Estados Unidos seria um escândalo.

As táticas empregadas pelos “empreiteiros” de Washington são razoavelmente conhecidas: a mobilização de jovens, que são muito mais voláteis e sem compromisso com a ordem estabelecida; o ciberativismo, que garante um impacto desproporcional ao investimento em dólar; organizações com nomes simples, símbolos visualmente fortes e identificadas com a sociedade civil, ou seja, “apartidárias”.

Minha razoável experiência de vida nos Estados Unidos me ensinou uma coisa: os estadunidenses são muito bons em defender os interesses dos Estados Unidos. Fazer isso não requer convencimento. Em torno dessa ideia cresceu em Washington uma extraordinária burocracia, que não responde a um comando centralizado. Nem precisa: Chávez contraria interesses de Washington? É inimigo. Se Barack Obama determinar por escrito que é política de Estado buscar uma conciliação com Hugo Chávez, esse gigantesco aparato levará quatro anos para atendê-lo, se um dia o fizer.

O NED é apenas uma das faces públicas desse aparato. A privatização das ações de estado não se deu apenas no campo militar (com a Blackwater como símbolo mais visível do fenômeno), mas também na rede de prestadores de serviço do Departamento de Estado. Como narrei em um texto antigo, republicado aqui, do nada uma empresa de “pesquisa de mercado” e “consultoria”, a Penn, Schoen, Berland, foi à Venezuela fazer pesquisas eleitorais antes do referendo revogatório que manteve Hugo Chávez no poder e antes da mais recente eleição presidencial. Produziu pesquisas grotescamente distorcidas. Foi por acaso?

As ações de promoção dos interesses da política externa dos Estados Unidos, mascaradas como de “promoção da democracia”, avançaram nos últimos anos por caminhos virgens. Com a divulgação de arquivos antes secretos, está factualmente estabelecido que jornais como El Mercurio, do Chile, receberam ajuda financeira e editorial para promover golpe de estado. Hoje, no entanto, além de treinar “democratas”, Washington financia uma rede de observadores da imprensa e de entidades que se apresentam sob a fachada de defensoras da liberdade de imprensa e de expressão.

Faz algum tempo o Viomundo chegou a denunciar o financiamento que uma delas, o Instituto Prensa Y Sociedade, o IPIS, recebia do Departamento de Estado. Critiquei o fato de que um dos integrantes do IPIS, Ewald Scharfenberg, ter sido mencionado como observador da imprensa sem que se fizesse menção ao fato de que recebia financiamento dos Estados Unidos, o que é absolutamente relevante quando consideramos o confronto entre Washington e o governo de Hugo Chávez.

Na ocasião, Carlos Castilho, do Observatório da Imprensa, escreveu uma nota sugerindo que eu seria movido por interesses escondidos.

Cheguei a trocar mensagens com Scharfenberg, que me enviou um texto publicado no site antigo.

Ele argumenta que é absolutamente natural que entidades de defesa da liberdade de imprensa recebam financiamento externo. Concordo, desde que isso fique claro quando essas entidades forem convidadas a emitir opiniões, relatórios ou pareceres ou participar de encontros, convenções e missões de investigação.

O papel do IPIS e de outras entidades com financiamento externo na Venezuela vem sendo continuamente denunciado pela advogada estadunidense Eva Golinger, em seu blog.

Agora, o blog Tijolaço, do deputado Brizola Neto, publicou reprodução de documento do Departamento de Estado que menciona o IPIS e a Espacio Publico (que se define como “uma associação civil sem fins lucrativos, não governamental, independente e autônoma de partidos políticos, instituições religiosas, organizações internacionais ou de qualquer governo”):

Autônoma em relaçao a “qualquer governo”, Espacio Publico?

Para os documentos originais, em inglês, divulgados em atendimento a pedidos feitos através do Freedom of Information Act, clique no link oferecido pelo deputado Brizola.