John Nichols, 26/7/2010, The Nation, traduzido pelo coletivo da Vila Vudu
A Casa Branca de Obama foi rápida ao condenar a publicação, no domingo à noite, de mais de 91 mil documentos que detalham a monumentalmente errada e quase e completamente falhada tentativa dos EUA de ocupar o Afeganistão.
James Jones, conselheiro de Segurança Nacional abriu o cortejo de ataques contra WikiLeaks, por distribuir detalhes da guerra ao povo dos EUA – o qual, supostamente, seria quem decidiria a direção da política exterior dos EUA – e disse: “Os EUA condenam energicamente a divulgação de informação classificada, por indivíduos e organizações que, por aquela divulgação, podem ter posto em risco vidas norte-americanas e de nossos parceiros, e ameaçam nossa segurança nacional.”
Apesar do fato de que os “Postados da Guerra do Afeganistão”, que estão sendo publicados pelo New York Times, pelo Guardian e pela revista Der Speigel, detalham a confusão no Afeganistão, a apontam para a confusão ainda maior que se verá, se a ocupação for expandida segundo os objetivos do governo Obama, Jones ofereceu resposta clássica do tipo “não nos misturem com esses fatos”. “O vazamento irresponsável não terá qualquer impacto em nosso permanente e inalterado compromisso com aprofundar nossas parcerias com o Afeganistão e o Paquistão; para derrotar nossos inimigos comuns; e com apoiar as aspirações dos povos afegão e paquistanês.”
O eco que se ouve, acompanhando essa fala, é a voz do governo Nixon, respondendo à publicação dos Pentagon Papers em 1971. De fato, como disse Dan Ellsberg, o analista militar que divulgou os Pentagon Papers: “Estou impressionado com a publicação. É a primeira vez que surgem notícias, em 39 anos, desde que, pela primeira vez, entreguei os Pentagon Papers ao Senado, e que têm a escala dos Pentagon Papers.”
Resta esperar que Obama e seus auxiliares conheçam história, pelo menos o suficiente para lembrar que a excessiva reação de Nixon contra os Pentagon Papers foi o início de um processo que levaria – pelo menos em parte – à instalação de uma Comissão Judicial na Câmara de Deputados que votou seu impeachment, que levou à única renúncia de que se tem notícia na história dos presidentes dos EUA.
Acontece que, na véspera da publicação dos Afeganistão Papers, eu estava com Ellsberg. Estávamos em Cleveland numa conferência dos Democratas Progressistas dos EUA [ing. Progressive Democrats of America] onde foi exibido um fantástico documentário sobre Ellsberg – “O homem mais perigoso dos EUA” [ing. The Most Dangerous Man in America, ficha técnica em http://www.imdb.com/title/tt1319726/ (NT)], e entrevistei o homem que noticiou a verdade sobre a Guerra do Vietnã.
Ellsberg é fã de WikiLeaks em particular e de vazadores em geral. Diz que o fundador de WikiLeaks, Julian Assange “está servindo à democracia dos EUA e ao Estado de Direito, precisamente porque não se rende às leis ocultas, que nem leis são, muitas vezes, nesse país”.
“Eu, de certo modo, esperava, há 40 anos, que alguém fizesse isso”, diz ele, sobre os documentos agora divulgados.
Sobre os ataques do governo Obama a Assange e outros, e a perseguição generalizada contra os vazadores de segredos políticos, Ellsberg diz, seco: “Quando votei neles, não pensava nesse tipo de “mudança”.
É a resposta certa de funcionários que levem a sério o julgamento de obedecer à Constituição que declara que todo o poder emana do povo – o que é o mesmo que dizer que o povo tem de contar com informação ampla e verídica sobre guerras que se declaram e se combatem
O senador John Kerry, Democrata de Massachusetts e presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado fez muito melhor que o governo Obama.
“Ainda que esses documentos tenham vindo a luz por vias ilegais, eles levantam questões muito sérias sobre a realidade da política dos EUA para o Paquistão e o Afeganistão” – disse Kerry, cujo incômodo com a guerra do Afeganistão aparece mais visível a cada dia. “Essas políticas estão em fase crítica e esses documentos podem muito bem alterar as coisas e tornar ainda mais urgente uma recalibração dessas políticas.”
Kerry deve organizar audiências no Congresso sobre os chamados “Afeganistão Papers”.
Outros membros do Senado e da Câmara de Representantes devem responder, como o falecido senador Republicano de Vermont George Aiken respondeu à publicação dos Pentagon Papers: com uma objeção clara ao fato de que “há muito tempo, o Executivo tem tendido a considerar o Congresso como inimigo estrangeiro: a quem se informa o mínimo possível.”
De fato, já começam a aparecer os que trabalham para separar o caso dos Pentagon Papers e o caso dos Afeganistão Papers. Walter Pincus, do Washington Post, diz que teríamos de “parar um momento, antes de comparar o que fez o fundador de Wikileaks, Julian Assange, que divulgou mais de 90 mil documentos militares secretos sobre os combates no Afeganistão, e a divulgação dos Pentagon Papers em
Tem alguma razão. Claro que há diferenças de conteúdo e quanto ao momento da divulgação dos documentos; e são diferentes, também, os que os divulgaram. O próprio Ellsberg tem dúvidas sobre se a revisão feita nos documentos agora divulgados foi tão cuidadosa quanto a que ele mesmo fez das 7 mil páginas dos Pentagon Papers.
Mas há uma semelhança, fundamental e decisiva, e Assange tem razão, ao dizer ao Guardian que “o que aconteceu de mais próximo [à divulgação dos Afeganistão Papers] foram os Pentagon Papers, que expuseram o modo como os EUA estavam fazendo a guerra no Vietnã.”
Em 1971, Ellsberg disse, ao entregar-se às autoridades: “Senti que, como cidadão norte-americano, e como cidadão responsável, eu não podia continuar a cooperar para esconder aquela informação do público norte-americano.” O argumento de Ellsberg foi que, ao ser admitido como fuzileiro da Marinha e analista militar, jurara respeitar a Constituição, documento o qual, nas palavras de Jefferson em seu discurso de posse, “defende-se mediante a difusão da informação e a luta contra todos os ataques à razão pública.”
WikiLeaks, hoje, diz: “Acreditamos que a transparência nas atividades do governo leva a diminuir a corrupção, a melhores governos e a democracias mais fortes. Todos os governos ganham se a comunidade mundial e a própria comunidade nacional souberem mais. Para saber mais, é preciso encontrar melhor informação”.
Ellsberg observou várias vezes “paralelos imediatos” entre o pessoal que oferece informação sobre a ocupação do Iraque e do Afeganistão ao WikiLeaks e o vazamento de informações de que foi autor durante a guerra do Vietnã, quando enviava informes ao New York Times.
“O segredo que envolve a guerra no Afeganistão custa-nos muito”, diz Ellsberg, que detesta segredos e clandestinidade.
Os cidadãos que encontram e publicam fatos verdadeiros sobre as guerras dos EUA, explica ele, sempre exibem, diz ele “melhor capacidade de avaliar e expor, do que os tantos que vivem de esconder a verdade dos cidadãos norte-americanos.”
O artigo original, em inglês, pode ser lido em: Dan Ellsberg on WikiLeaks & the Essential Democratic Question: Who Will Tell the People?