segunda-feira, 7 de março de 2011

Despachem os tuaregues, por avião, urgente!

Pepe Escobar

8/3/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

No empate – não é guerra civil, é empate – entre o poder do Estado em Trípoli e um governo paralelo, de tribos plus“milícias irregulares, é cada vez mais difícil identificar atores chaves na Líbia. A estrada é longa (1.000 km), venta muito. É preciso cruzar o deserto, de Benghazi até Trípoli, ou do levante até a vitória, com parada crucial no meio do caminho em Sirte – a Tikrit (cidade natal de Saddam Hussein) de Muammar Gaddafi – antes de que algo aflore da batalha final, numa Trípoli cercada por um anel de aço. Não há qualquer sinal de que Gaddafi esteja próximo de abraçar a ousada, nova em folha, recém inventada estratégia do governo de Barack Obama para o Oriente Médio, de “alterar” regimes. 

Tentemos examinar o campo de batalha. No que tenha a ver com as tribos em Cyrenaica – leste da Líbia – que sempre foram o pesadelo estratégico número um de Gaddafi, sua notória capacidade para cooptar líderes tribais é história.  

Gaddafi ainda conta com algumas tribos no oeste e no sul, entre elas sua própria tribo e a tribo Magariha, do homem que fez explodir o avião em Lockerbie, Abdelbeset Ali Mohmed al Megrahi. Mas muitas – embora não todas – estão contra o bunker (ver “As tribos contra o bunker, 25/2/2011, traduzido ), inclusive a principal, Warfallah (com influência sobre o exército), além da Zawiya (no leste rico em petróleo), Bani Walid (deixaram de colaborar com os serviços de segurança) e a tribo Zintan (ex-aliada da tribo de Gaddafi). 

Se – ou quando – Gaddafi cair, o governo provisório da Líbia será, com certeza quase absoluta, uma mistura de líderes tribais, com, mais uma vez, a Tripolitania mais desenvolvida em conflito com a sempre negligenciada Cyrenaica (ninguém esqueça que Saif al-Islan, o filho “modernizador” de Gaddafi, atribuiu a culpa pelo levante a facções tribais). 

As tribos líbias combatem umas contra outras, de fato, há séculos – mais ou menos como no Afeganistão; mas a diferença, agora, é que muitas já se uniram contra o inimigo rei dos reis. 

A batalha de Argel [1] 

Na Argélia, os militares estão desesperadamente necessitados de que os pacificadores acompanhem os eventos na Líbia. Claro. Se Gaddafi cair, a Argélia será a seguinte na fila (está em 9º lugar na lista dos jogadores de sapatos de The Economist – que visa a prever em que direção andará o perfume do jamim – abaixo da Tunísia, que já caiu). Líbia e Argélia são potências de gás natural e petróleo – riquezas que nunca descem na direção de beneficiar as respectivas populações cada vez mais desesperadas. 

Correm rumores de que a Argélia seria o único governo no mundo que ainda estaria objetivamente apoiando Gaddafi (a Sérvia é outro caso: está em silêncio por causa de vários muito suculentos contratos militares e de construção). Até agora, o mais parecido com ajuda direta de Argel a Trípoli foi ação do grupo de defesa de exilados, Algeria Watch, que insiste que Argel facilitou o transporte aéreo de mercenários do Niger e do Chad até a Líbia  (ver em: Le DRS algérien use de tous lês moyens pour faire avorter lês révolutions tunisienne et libyenne -  em francês)  .A Argélia já fez o mesmo antes – transportar tropas para a Somália, para ajudar o governo fantoche-dos-EUA a combater “terroristas” de tribos somalianas rebeldes. 

Muito mais assustador que isso, mas ainda sem confirmação, é a notícia de que aquele tal coronel Djamel Bouzghaia – principal assessor cabeça-de-“guerra-ao-terror” do presidente argelino Abdelaziz Bouteflika – pode ser o indicado para substituir o presidente deposto da Tunísia Zine el-Abidine Ben Ali, ao qual serviu como comandante das forças de segurança e da Guarda Republicana, onde mais seria, na Líbia. Entre esses tipos sinistros estão os atiradores que mataram manifestantes na Tunísia, em três diferentes cidades e, hoje, podem estar matando civis líbios. 

E chega a cavalaria tuaregue [2]

Se Gaddafi pode contar com atiradores tunisianos para o serviço sujo, o que dizer dos nômades tuaregues do Sahel?

Historicamente, Gaddafi sempre armou confusões terríveis entre seus vizinhos – e os tuaregues são sempre instrumentalizados em sua estratégia megalomaníaca de construir um Grande Sahara em volta da Líbia. Gaddafi certamente saberá aproveitar-se dos sonhos secessionistas dos tuaregues. 

Há dez anos, na estrada, em Timbuktu no Mali, os amigos tuaregues ofereceram-me curso intensivo sobre rebeliões tuaregues e movimentos de secessão. No início dos anos 1970s, muitos tuaregues alistaram-se na Legião Islâmica de Gaddafi, a qual, em tese, combateria para criar um estado islâmico unificado no norte da África. Naquele momento absolutamente não havia para onde ir, num Sahel-Sahara assolado pela grande seca. A Legião existiu até o final dos anos 1980s e foi dissolvida. 

Gaddafi também estimulou rebeliões dos tuaregues, sobretudo no Mali e Niger. Pagou instalações em Timbuktu, Gao e Kidal no Mali, abriu um consulado em Kidal, e acionou a varinha de condão dos petrodólares. Os tuaregues do norte do Mali simplesmente abominam o governo central em Bamako, capital do Mali. Nômades, os tuaregues obviamente não confiam em qualquer modalidade de governo central; querem sempre, e essencialmente, autonomia; ou, no mínimo, mais investimentos em saúde pública, saneamento, assistência médica e educação nas cidades e vilas do desrto onde vivem. 

O governo de Bamako e a rebelião tuaregue finalmente, em julho de 2006, assinaram um acordo, com mediação da Argélia, que, em teoria levaria paz e desenvolvimento à região de Kidal. Os rebeldes depuseram armas oficialmente em fevereiro de 2009. Só um, dos líderes rebeldes, Ibrahim Ag Bahanga, não concordou com o negócio. Vive hoje exilado na Líbia.

Há tuaregues que vivem no deserto do sudoeste da Líbia. Mas Bamako está espalhando que pelo menos 800 tuaregues do Mali, de Burkina Faso, de Niger e da Argélia já teriam aderido às forças de Gaddafi. Como resistir à oferta de 10 mil dólares em dinheiro para alistar-se, mais mil dólares por dia de combate... se você for um tuaregue jovem e desempregado?

A diferença é que, agora, Gaddafi parece estar criando não só divisões entre os tuaregues e os países onde vivem, mas também dentro das próprias comunidades tuaregues – sobretudo no Mali, no Niger e no Chad. Muitos tuaregues já trabalharam para Gaddafi na Líbia, durante anos; alguns foram membros das Forças Armadas da Líbia e têm nacionalidade líbia. Como os mais jovens, também estão sendo recrutados à força de petrodólares – para desespero de muitas comunidades tuaregues.

Isso, exatamente, foi o que disse Abdou Sallam Ag Assalat, presidente da assembleia regional em Kidal, à agência France-Presse: “Esses jovens estão indo em massa para a Líbia (...). As autoridades regionais tentam dissuadi-los, sobretudo os ex-rebeldes, mas não é fácil, porque lá estão os dólares e as armas a serem recapturadas (...). Um dia, todos voltarão, com aquelas mesmas armas, para desestabilizar o Sahel” em Kadhafi recruiting hundreds of Tuareg fighters: Mali


File:Tuareg area.png

Os tuaregues saem pelo Mali, cruzam o sul da Argélia e chegam ao sul da Líbia. É viagem terrível, de 48 horas, em geral feita em comboios. Claro que aquelas “fronteiras” no deserto são miragem. A operação, segundo a mídia argelina, é organizada por um ex-líder rebelde tuaregue do Mali, que está na Líbia. Bem pode ser Ibrahim Ag Bahanga. E se houver trecho aéreo na viagem – parta da Argélia ou do Chad – nesse trecho os tuaregues encontram os facilitadores da segurança argelina. 

Uma das enfermeiras ucranianas, Oksana, anda dizendo que Gaddafi é “grande psicólogo”. Também é grande sociólogo, porque percebeu – e lucrou muito com isso – que não há estados-nação no Sahel-Sahara, nem em termos sociais, nem políticos, nem jurídicos. Nem a Argélia nem a Líbia jamais deram um passo, que fosse, para reparar as feridas do colonialismo – que espalhou os nômades tuaregues por quatro países. A Argélia sempre se beneficiou – tanto quanto reprimiu – a fragmentação dos grupos tuaregues. Quanto ao rei dos reis africano, ele sabe que pode contar sempre com um exército nômade de reserva.



Notas de tradução
[1] Pelo sim, pelo não, a lembrança é inescapável: “A batalha de Argel” é título de filme famosíssimo, de 1965, de Gillo Pontecorvo  (1919-2006). Foi proibido durante muitos anos em vários países, inclusive na França e no Brasil durante a ditadura militar. Narra lutas pela independência da Argélia, dominada pela França desde 1830, entre os anos de 1954 e 1957.
[2] Ver, para ilustrar, por exemplo, “O segredo do Sahara”, Eugene Wright, Revista dos Escoteiros [Boy’s Life], agosto de 1939, vol. 29, n. 8, em  [NTs].

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