Pepe Escobar |
5/3/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Você é Muammar Gaddafi e toma chá verde numa tenda-bunker em Bab al-Azizia, examinando a probabilidade de permanecer no poder. Vejamos. Você controla alguns arredores de Trípoli; algumas cidades no extremo oeste, junto à fronteira com a Tunísia; sua região natal, Sirte. E só.
É possível que você já tenha perdido alguma coisa como 90% do país. Tentou reconquistar Zawiya (oeste de Trípoli) e fracassou. Tribos amaldiçoadas: você foi traído. Tentou reconquistar Misrata (leste de Trípoli) e fracassou. Tentou reconquistar Brega – segundo maior terminal de processamento e embarque de óleo da Líbia – e fracassou.
EUA e britânicos estão louquinhos para invadir a Líbia. “Especialistas” dizem que você está encurralado e que só há exílio possível no Zimbabwe. O presidente da Venezuela “irmão” Hugo Chávez quer mandar delegação multinacional para negociar. Negociar o quê? O país é seu. L'Etat, c'est moi – o Estado sou eu, Rei Muammar. Ninguém roubará minha muiraquitã [orig. mojo].
Congelaram sua fortuna multimilionária, de A a Z. Fecharam todos os seus bancos. Mas ainda resta alguma coisinha. Muitas armas. Alguns jatos (que mal funcionam). Você tem aqueles milhares de mercenários africanos negros. Você tem a brigada especial de 10 mil brigadianos comandada pelo seu filho Khamis. Você tem a TV estatal.
Então, você faz o quê? Você dobra a aposta. Vai para o tudo ou nada.
Essa noite, o leão dorme
Perigo: o rei dos reis da África em seu bunker é como leão que descansa à sombra da árvore. Ele sabe que, no oeste, os “rebeldes” – ou na narrativa oficial taquigrafada “jovens drogados zumbis da al-Qaeda” – não têm chance de feri-lo, a menos que organizem exército de ataque extremamente complexo, mas só têm soldados em farrapos, com Kalashnikovs e foguetes lança-granadas, em cidades distantes umas das outras.
Ele sabe que os rebeldes no leste têm de fazer o mesmo – além de também terem de viajar, sem cobertura, por longas estradas pelo deserto, só para alcançar Sirte, onde podem ser destroçados pelos jatos e tanques do Rei Leão.
Em resumo, o Rei Leão sabe que eles podem defender – Zawiya, Misrata, Brega –, mas não têm nem as mínimas condições necessárias para atacar. O que dá tempo ao Rei Leão para planejar melhor o bote da matança.
Só um problema compromete esse cenário de Rei Leão: e se ele ficar sem gasolina?
Nada menos de 80% dos campos e refinarias de petróleo da Líbia estão agora nas mãos daqueles “jovens drogados zumbis da al-Qaeda”. Gaddafi sabe que tem de recuperar Brega – e rápido. Irá à guerra por Brega, outra vez, e com estratégia mais letal. Ainda tem Ras Lanouf, 80 quilômetros a oeste de Brega – a refinaria (220 mil barris/dia), o porto e o aeroporto. Mas de modo algum pode perder Brega.
Brega não está exportando petróleo. Nenhum navio petroleiro entra ou sai. A produção dos campos de sudeste que alimentava Brega foi reduzida, de 90 mil barris/dia, para apenas 11 mil; não há onde armazenar o petróleo. Nenhum petróleo flui do campo de Nafoora, parte da Bacia de Sirte. A ENI italiana, principal major estrangeira do petróleo, está repatriando todo o pessoal não essencial. A produção líbia diária caiu de 1,6 milhão de barris para 850 mil barris, e cairá mais.
Mais do que para estocar petróleo, Gaddafi precisa de refinarias bombeando a poção mágica para sua máquina militar que já começa a bater pino. As multidões em Benghazi libertada dizem que não precisam do dinheiro do petróleo – porque, afinal de contas, em Cyrenaica, jamais receberam grande coisa do governo central. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, precisarão de mais armas. Então, claro, para comprá-las, precisarão do dinheiro do petróleo.
Benghazi está convulsionada por rumores de que a polícia secreta de Gaddafi estaria infiltrada por toda a parte na inteligência local – até no prédio da Corte de Justiça que foi convertido em Central da Revolução do leste da Líbia libertada. Não surpreende que a al-Jazeera esteja noticiando que em Brega e Ajdabiya a população espera ansiosamente que se feche aquele espaço aéreo (orig. “a no-fly zone”) – para horror da mídia panárabe.
É tempo de impasse – e o leão aposta no tempo, sempre mais perigoso quando manobra à sombra. Embora o governo da Argélia tenha oficialmente negado ferozmente, está, sim, ajudando Gaddafi. A Argélia, com 40% de desemprego e logo ali, vizinha de fronteira, com a fúria crescendo pelas ruas, também está à beira do caos. A Europa, Fortaleza Assustadora, enquanto isso, reza. Estando agora fechado o gasoduto Greenstream [mapa] da Líbia à Sicília (os italianos ainda não começaram a enlouquecer), a Espanha sonha com o novo gasoduto de 1,4 bilhão de dólares, a partir da Argélia, que deve entrar em operação em poucos dias.
Feiticeiros do apocalipse já anteveem a produção de petróleo da Argélia – 1,4 milhão barris/dia – indo-se pelo ralo, junto com a Líbia. Não surpreende que o chefe de pesquisa da Barclays Capital, Paul Horsnell, diga que as coisas podem ser ainda piores que o Irã 1979: “a reserva estratégica do mundo é de apenas 4,5 milhões de barris/dia”.
Por tudo isso, nos próximos dias, a especulação reinará soberana. O leão, enquanto isso, dorme, hoje, amanhã, outras noites, concebendo um plano para reaver sua poção mágica. Calafrio sinistro percorre a Líbia, mais uma vez.
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