quarta-feira, 22 de setembro de 2010

AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NO BRASIL E A MÍDIA PRIVADA

Laerte Braga


Professores de Geografia em tempos passados costumavam sugerir a seus alunos que com uma das mãos tapassem a antiga União Soviética (parte européia) e percebessem que o que sobrava da Europa era um território menor que o do Brasil.


O estado de Minas Gerais, segundo maior do País (em termos econômicos) tem uma área territorial maior que a França.


Por aí é fácil medir a importância de um país com dimensões continentais e que entre riquezas e potencialidades imensas abriga ainda a maior parte da Região Amazônica.


Do ponto de vista de todo planeta e especificamente da América Latina.


O ex-presidente Richard Nixon disse certa feita que “para onde se inclinar o Brasil vai se inclinar a América Latina”. E mesmo sendo o único país latino-americano onde se fala o português. A imensa e esmagadora maioria dos países dessa parte do mundo é de colonização espanhola e em uns poucos se fala o inglês ou o francês.


Quando Franklin Delano Roosewelt visitou o Brasil, na década de 40, para convencer o presidente Getúlio Vargas a somar-se aos países aliados e enviar tropas à Europa em plena Segunda Grande Guerra, Getulio, de nítidas inclinações fascistas àquela época, negociou essa participação em troca de uma siderúrgica. A primeira do Brasil, a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, Estado do Rio de Janeiro, hoje uma empresa privada.


Foi um marco e um ponto de partida no processo de industrialização por aqui.


Àquela época os norte-americanos instalaram bases militares no Nordeste brasileiro com o intuito de monitorar o deslocamento de submarinos alemães e tinham a intenção de mantê-las mesmo com o fim da guerra, no sonho que alimentam até hoje de uma versão Atlântico Sul para a OTAN – ORGANIZAÇÃO DO TRATADO ATLÂNTICO NORTE.


Como foram decisivos na derrubada de Getúlio em 1945 no pressuposto que a democracia seria capaz de levar à presidência da República militares ou civis que viessem a se transformar em aliados incondicionais.


Dutra, o sucessor de Getúlio, o foi, mas nem tanto. E de 1950 com a volta de Getúlio até o golpe de 1964, os norte-americanos nem sempre conseguiram seus objetivos por aqui.


O golpe militar foi montado, dirigido e comandado pelos norte-americanos, sob a batuta do embaixador Lincoln Gordon e comando militar do general Vernon Walters (falava fluentemente o português e foi o oficial de ligação entre as tropas brasileiras e dos EUA na Itália durante a 2a. Grande Guerra), à medida que serviu para que ditaduras de extrema-direita se alastrassem por vários países da América do Sul, cortando a crescente influência da revolução cubana junto a trabalhadores e camponeses latino-americanos.


A América Latrina


A retomada do processo democrático no Brasil, em 1984, com a eleição de Tancredo Neves (um político de centro e convicções liberais, ex-ministro de Getúlio, de Juscelino e Jango) por pouco não mergulha o País numa crise. Tancredo não conseguiu tomar posse, morreu em 21 de abril de 1985 e a Constituição ordenava que o presidente da Câmara, Ulisses Guimarães (implacável adversário do regime militar) fosse o empossado até novas eleições.


José Sarney, um velho coronel político do Nordeste, vice de Tancredo, assumiu para evitar a retomada do poder pelos militares e até a eleição de Lula, em 2002, o Brasil foi governado diretamente de Washington e Wall Street.


Se a primeira tentativa de recolonizar o País teve início no governo de Fernando Collor de Mello (extrema-direita), foi no período de Fernando Henrique Cardoso que o neoliberalismo e suas garras se plantaram no Brasil.


Eleito em 1994 para um período de quatro anos FHC num golpe branco comprou a maioria do Congresso para votar o direito à reeleição e permaneceu no poder por outros quatro anos, tempo considerado necessário para modelar as bases do neoliberalismo e privatizar a maior parte do patrimônio público brasileiro.


A eleição de Lula embutia as limitações da falta de maioria segura no Congresso Nacional, o Brasil em vias de mergulhar numa crise econômica de grandes proporções (FHC deixou-o falido), acabou, pelas circunstâncias, por descaracterizar o seu programa inicial e de seu partido o PT, mas um caminho foi encontrado.


Ivan Pinheiro, secretário geral do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e candidato a presidente nessas eleições de 2010, costuma dizer que “Lula inventou o capitalismo a brasileira”. Mistura de neoliberalismo com populismo, o que lhe assegurou aprovações recordes para o seu governo junto à opinião pública, deteve o processo de privatizações de grandes empresas públicas (PETROBRAS, BANCO DO BRASIL, por exemplo), saneou as finanças e apostou no agronegócio para através das exportações, conseguiu evitar o caos desenhado por FHC e sua equipe chancelada por Washington.


Para se ter uma idéia, o presidente do Banco Central no período Fernando Henrique era um executivo de George Soros, o mega especulador. Hoje, no equilibrismo de Lula, é um ex-presidente do Banco de Boston, Henrique Meireles.


Uma política externa independente, a busca de liderança efetiva e laivos de integração com os países latino-americanos, o reconhecimento de Cuba lato sensu ignorando as restrições e o bloqueio impostos pelos EUA, aproximação com países do Oriente Médio, notadamente o Irã, a percepção que esse caminho garantiria a seu governo mais que popularidade, mas a inserção do Brasil entre as grandes nações do mundo, tudo isso somado aos programas sociais do Governo Federal, garante a Lula uma aprovação recorde em fim de mandato e um poder extraordinário de transferência de votos.


O ex-ministro da Fazenda Delfim Neto (ditadura militar) costuma dizer que “Lula elege um poste, basta apoiá-lo).


Dilma Roussef, a candidata de Lula, é oriunda do Brizolismo, a corrente política do ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Leonel Brizola, um dos políticos mais importantes do Brasil contemporâneo, hoje reconhecido como um dos grandes vultos do período mais recente de nossa História. Tem 53% da preferência do eleitorado faltando 13 dias para as eleições.


José Serra, paulista, candidato das forças mais conservadoras e retrógadas do Brasil (latifúndio e elites do estado de São Paulo), apontado inicialmente como favorito, deve amargar um dos maiores reveses da história das eleições presidenciais no País. Tem 23% das intenções de votos.


A aposta na candidatura verde da senadora Marina da Silva, ex-ministra do Meio-ambiente do governo Lula (por mais de seis anos) fracassou nas contradições da própria candidata, que ao longo da campanha, à semelhança do aconteceu com a senadora Heloísa Helena em 2006 (rompeu com Lula, saiu do PT e fundou o PSOL), vai jogando no lixo sua história.


Imagine que uma pessoa que nunca tenha vindo ou sequer ouvido falar do Brasil chegue aqui de repente e em uma semana perceba o papel que exerce a mídia privada. Seis ou sete famílias controlando os maiores veículos de comunicação em todo o País e todos ligados à extrema-direita, oriundos do período da ditadura militar (notadamente REDE GLOBO e jornal FOLHA DE SÃO PAULO).


Que essa pessoa propusesse, por exemplo, que adotássemos a legislação norte-americana para o setor. Provocaria a ira dos grupos que controlam os principais jornais, revistas, redes de tevê e emissoras de rádio. A maior parte dos integrantes desses grupos é braço dos interesses norte-americanos, está mergulhado em dívidas impressionantes e depende do aval do governo do Brasil, aposta, em cada eleição, todas as suas fichas na extrema-direita.


Nem jornais, nem tevês, nem rádios, nem revistas informam. Trabalham ao sabor dos interesses dessa facção da sociedade brasileira e mesmo aqueles que se cercam de tecnologia de ponta (caso do grupo GLOBO), têm mentalidade medieval. E podre, fétida.


Nesses últimos dias de campanha, no melhor estilo de imprensa marrom (denominação que no Brasil se dá à mídia venal), toda a sorte de denúncias e afirmações absurdas tem sido feita na tentativa de tirar a candidatura José Serra do estado comatoso em que se encontra, ou de tentar alavancar a de Marina da Silva, para forçar um segundo turno e buscar formas de derrotar Lula, retomando, com Serra, o controle do País e assegurando a Washington o direito de ser a capital real do Brasil.


O surgimento do fenômeno blogsfera – blogs, sites, etc – mudou de forma decisiva, está mudando, todo esse processo. A cada denúncia falsa, a cada mentira da mídia privada, milhões de internautas desmontam as farsas e respondem, reagindo a uma forma de fazer campanha (Serra, mídia privada, extrema-direita) que hoje atinge o maior nível de baixaria de todas as campanhas eleitorais de todos os tempos.


A mídia privada começa a perceber, daí o nível baixo da campanha que faz, que um grande debate nacional começa a despontar, para além da escolha do próximo presidente, da renovação de dois terços do Senado, da totalidade de governadores dos 27 estados, deputados federais e deputados estaduais em cada unidade da Federação.


Se são sabidas e públicas as dificuldades econômico/financeiras de alguns desses grupos (dependem visceralmente de dinheiro público, a GLOBO no final do governo FHC foi salva da falência por uma operação corrupta junto ao BNDES em troca de apoio ao candidato então governista, o mesmo José Serra), a certeza que o eixo dos debates começa a se deslocar para a internet, traz outra certeza.


O modelo privado e concentrado do setor de comunicação no Brasil está sendo levado de roldão nos debates feitos na rede mundial de computadores e será difícil evitar que um grande debate nacional ocorra mais à frente e que grandes grupos mergulhem em crises insuperáveis.


Um especialista no assunto acha que em médio prazo teremos uma fragmentação do setor, contrapondo-se ao caráter de concentração imposto a partir da ditadura militar, fazendo com que renasça para além do debate, um espectro de participação popular, parte do processo histórico e da própria democracia, sepultando as “verdades absolutas”, cada vez menos poderosas, dos que vendem mentira e desinformação, tal e qual aconteceu no golpe midiático de 2002, golpe fracassado, na Venezuela de Chávez.


O governo Dilma vai se defrontar com esse fenômeno e as dificuldades acabarão por se tornar maiores, à medida que os donos dos feudos não irão querer abrir mão do controle férreo que exercem sobre a comunicação (um rico negócio). Sem falar na importância estratégica do Brasil para os EUA (a mídia privada pensa em inglês).


Latifúndio, mídia privada e elites paulistas (que se ramificam por todo o País) serão os grandes desafios de Dilma Roussef e à presidente só vai restar a alternativa de ampliar a participação dos movimentos sociais e sindical no processo de construção do “capitalismo a brasileira” criado por Lula, em direção a outro maior, o da ascensão da classe trabalhadora e de maior aproximação com os países da América Latina, numa expectativa de integração ampla e geral.


Dilma vai se vir diante desse dilema. E, ou é Lula, ou cai e aceita a tutela dos barões que ainda restam e tentam sobreviver de todas as formas no Brasil contemporâneo.


O papel de Lula vai ser decisivo para evitar qualquer retrocesso.


Publicado no Diário da Liberdade