terça-feira, 21 de setembro de 2010

Israel: alastra-se a ignorância

14/9/2010, Yitzhak Laor, Haaretz, Telavive

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Foto: Colheita de olivas na Palestina


O Estado de Israel recusa-se a reconhecer os palestinos que vivem em Israel, porque quer continuar, para sempre, a garantir privilégios aos judeus israelenses e aos judeus da diáspora, à custa de mão de obra barata, da terra e da água dos palestinos.


Nada há de novidade em a ignorância alastrar-se em Israel, nem o fenômeno limita-se aos que não passaram da escola primária.


Quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu “exige” que os palestinos reconheçam Israel como Estado judeu – ou como estado nacional dos judeus –, ele deposita todas as suas fichas na vitória da ignorância que se alastra entre os israelenses, há anos. A diferença que há entre as duas expressões, que Netanyahu usa alternadamente em seus discursos em tom de ignorância santificada, não depende das letras pequenas da apólice de seguro que Israel quer impingir ao mundo, mas depende, sim, da ignorância que se alastra em Israel, sobre tudo que tenha a ver com o caráter nacional do Estado de Israel.


Em inglês, o termo “nation” aplica-se a todos os cidadãos de qualquer dado país que fale inglês. E o adjetivo “national” aplica-se ao que tenha a ver com toda a nação, como, por exemplo, uma “conferência nacional”. Mas até aí, temos só a parte simples, semântica, da questão.


A parte mais espantosa da ignorância israelense – consistentemente disseminada por todos os jornais e pelo sistema escolar, e que se reflete também na tendência a não sentir remorsos (mesmo quando ninguém consegue mascarar completamente uma vaga sensação de culpa e vergonha) – tem a ver com o que ninguém vê, quando viaja pelo país.


Esqueçam as ruínas, as figueiras que aparecem aqui e ali (e, aliás, nem figueiras, nem oliveiras nem amendoeiras nascem do nada).


Em vez de olhar árvores, olhem à volta, por exemplo, de Jisr al-Zarqa, a cidade mais pobre de Israel; depois, olhem o Kibbutz Ma'agan Michael, um dos mais ricos do país (se não for o mais rico).


Jisr al-Zarqa é o que resta de Kabara, uma das vilas destruídas em 1948, cujos habitantes foram expulsos. É a única comunidade palestina que resta no litoral mediterrâneo, de Gaza a Acre (em Jaffa, os palestinos foram expulsos do litoral para Ajami ). Dizia-se que os moradores de Jisr al-Zarqa seriam imunes à malária e, para sorte deles, como para sorte dos que viviam em Fureidis, os colonos fazendeiros judeus de Zichron Yaakov precisavam de mão de obra barata para drenar os pântanos; só por isso aqueles palestinos não foram expulsos.


Praticamente toda a terra foi ocupada pelos kibbutzim naquela região; a maior parte foi ocupada pelo Kibbutz Ma'agan Michael. Esse exemplo é importante por isso, mesmo que ninguém lembre o passado e suas feridas, nem ninguém veja o presente cada dia mais feio, todos os israelenses convencidos, aos urros, de que a violência geraria direitos.


Afinal, há um ônibus, todas as manhãs, que parte, carregado de mulheres palestinas pobres, de Jisr al-Zarqa, em direção ao Centro Médico Rambam em Haifa.


Isso nada tem a ver com as injustiças do passado, com os habitantes que desapareceram da vizinha vila de Tantura, de onde os geógrafos da Universidade de Haifa conseguiram apagar o que aconteceu, ali e em muitas vilas próximas.


Não se trata de passado, mas de presente: Jisr al-Zarqa ficou presa numa armadilha, sem terras e cercada pelo muro pelos dois lados. As crianças não podem sequer buscar uma bola que caia do outro lado do muro que separa os homens e mulheres, dos campos que, antes, eram parte da vila; é preciso andar quilômetros, contornar o muro, pela praia, e voltar.


E do outro lado, a vila é sitiada pelo bairro mais rico de Israel, Caesarea. Miséria e riqueza acintosa tão aproximadas geram a violência que não para de crescer em Jisr al-Zarqa, um ghetto sem esperanças que ninguém vê senão como “entidade” árabe “estrangeira”, ilha de miséria palestina cercada de riqueza israelense por todos os lados.


Exigir que reconheçam uma única “nacionalidade” judia para todo o país, como Netanyahu tem feito, não é senão “exigir” que os palestinos reconheçam a legitimidade da discriminação racista dos judeus contra os árabes, em Israel. Se se garantissem aos árabes direitos iguais aos que se reconhecem aos judeus – direito à água para plantar, direitos à educação e à assistência médica, e iguais oportunidades de trabalho, Israel não se estaria condenando, hoje, a repetir os crimes da Nakba. O passado seria como tantas outras feridas, como a extinção de outras minorias nacionais – e sempre haveria meios para compensar as desgraças provocadas.


Mas o Estado de Israel recusa-se a reconhecer os palestinos que vivem em Israel, porque quer continuar, para sempre, a garantir privilégios aos judeus israelenses e aos judeus da diáspora, à custa de mão de obra barata, da terra e da água dos palestinos. Os palestinos não são colonos ocupantes. Viviam aqui muitos antes de nós. Os colonos ocupantes somos nós.


O artigo original, em inglês, pode ser lido em: Guide for the holiday traveler