quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ophir Cavalcante e a vergonha da OAB

Mauro Carrara

Numa tarde de sol mortiço, em setembro de 1948, caminhava pela Rua Caetano Pinto com meu pai.

De repente, dei de reclamar do Genaro, um colega de classe palestrino que me tirava o sossego.

Sentenciei, com uma ponta de raiva na voz, que o sumiço da caixa de giz de Dona Frutuosa era coisa daquele italianinho sapeca.

Meu pai cessou o passo imediatamente e me fulminou com os olhos.

Em seguida, com uma voz estranhamente generosa, pronunciou a seguinte frase:

- A justiça deveria tratar de descobrir a inocência e não a culpa.

Calei-me imediatamente, corado nas bochechas brilhantes.

Mais tarde, descobriria que esse pensamento era da lavra de um poeta alemão, Friedrich Hebbel.

Hoje cedo, seguia eu pela mesma rua, aqui no Brás, quando palpitaram à mente os fatos políticos deste Setembro de Fogo.

E recordei, de imediato, as declarações do cidadão Ophir Cavalcante, atual presidente da OAB.

Numa retórica que me lembrou aquela de Carlos Lacerda, o advogado pediu lâmina afiada sobre a cabeça de Erenice Guerra, titular da Casa Civil.

Do alto de sua calvície inevitável, o advogado misturou o conceito de "grave denúncia" com aquele outro de "grave delito".

E o reclamo irresponsável serviu como munição eleitoral para os setores mais reacionários da sociedade.

Se ouvisse esse mau conselho, Lula certamente aplicaria uma pena antecipada, capaz de destruir a reputação da ministra e de abalar o governo.

Não é necessário ter frequentado a Faculdade do Largo São Francisco para se considerar o princípio da presunção de inocência, que deita raízes no Direito Romano.

O respeito a esses pressupostos e valores marcou por muito tempo a conduta a OAB no Brasil.

Quando vigia o autoristarismo e rasgava-se o código da verdadeira Justiça, muitas vezes ergueu-se a entidade em defesa dos brasileiros.

Os tempos mudaram. A Caetano Pinto perdeu um pouco de sua graça proletária.

E a OAB perdeu um pouco de seu bom senso, e também de sua elegância.

Em momentos não tão remotos, seus líderes reuniam-se com o povo, do qual deveria emanar todo o poder.

Hoje, vai se desenhando, em nova versão, o esquema do beijão-mão e rapapés que marcava a relação da classe com os coronéis da República Velha.

Abre-se o jornal e vê-se lá mais uma solenidade, mais uma distribuição bocó de afagos retóricos.

Do ponto de vista do discurso, a Filosofia, base do Direito, vai cedendo à sofística.

Aparece o representante na TV, e já se afigura como um Protágoras ou um Górgias, em perfeita sintonia com o consórcio midiático monopolista.

Ao atingir a Rangel Pestana, parei a fim de tomar um tantinho da água que levo na mochila moderninha, presente delicado de Giana Carrara.

Nesse instante, projetei-me dialeticamente no engravatado da OAB, e senti vergonha, a tal vergonha alheia.

Trata-se do mesmo mal-estar que deve atingir, hoje, tantos excelentes advogados que, no Brasil, militam pela causa da Justiça e da democracia.

O mesmo que deve tomar cada cidadão de bem ao ver prosperar o golpismo imprensaleiro em cada capa de revista, em cada reportagem maliciosa dos telejornais.

Resolvi, então, tomar o rumo de casa e metralhar pacificamente estes pensamentos.

Agora, recordo-me muito bem.

A caixa de giz de Dona Frutuosa foi encontrada numa quinta-feira de chuvisco finíssimo e frio, na mala ampla do impoluto Astolfo, o principal acusador de Genaro.

* Em caso de processo, adianto. Vivo num pequeno apartamento cedido. Meu patrimônio relevante se resume a este computador. Podem tomá-lo. Já fiz amigos na lan-house.


São sempre imbecis, incompetentes e truculentos que colocam as instituições em cheque - Castor