sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Um cidadão acima de qualquer suspeita


De uma troca de mensagens entre Urariano Mota e Alípio Freire
Dos diálogos com Bertold Brecht

Um dia, eles chegaram 
e levaram os travestis.
Mas eu não era travesti.
E por isto nada fiz.

Depois, eles chegaram
e levaram os homossexuais.
Mas eu não era homossexual.

Em seguida, 
levaram os ciganos. 
Mas eu também não era cigano.

Levaram os índios, os negros, os nordestinos e todos os estrangeiros.

Levaram cegos, aleijados e surdos-mudos.

Levaram os ateus, os espíritas, os judeus, os religiosos dos diversos cultos afro.

Levaram os comunistas, os socialistas os cristãos de esquerda
os anarquistas e todos os antifascistas.

Levaram os homens e mulheres de rua, os drogados e os loucos.

Levaram meu vizinho
porque gostava de música cubana e rum.
Mas eu também não gostava de música cubana, nem de rum.

Até que um dia chegaram em minha casa
e me mandaram que os seguisse

 apenas porque eu não era 
 travesti
 homossexual
 cigano
 índio, negro, nordestino ou estrangeiro.

Não era cego, aleijado ou surdo-mudo,
ateu, judeu espírita, ou de qualquer culto afro.

Não era  comunista, socialista ou cristão de esquerda
anarquista ou antifascista.
menos ainda era um homem ou mulher de rua, drogado ou louco.

Também diferentemente do meu vizinho
eu não gostava de música cubana, nem de rum.

Eu era apenas um bom cidadão 
que pagava religiosamente seus impostos
Um homem normal e sem vícios
que fez regularmente seu serviço militar
Tinha todas prestações e documentação em dia
CIC, RG, Carteira de Trabalho assinada, PIS-Pasep,
Título de Eleitor, atestado de Residência e Cartão de Crédito.
Conseguira até juntar um certo pecúlio
e jamais me meti em política ou qualquer tipo de protesto.

E, como sempre obedeci às nossas autoridades
e aos bons costumes,
quando eles chegaram em minha casa, 
não precisaram me levar.

Eu os segui até a forca com os meus próprios pés.
São Paulo, 09 de dezembro de 2010
Alípio Freire

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