quarta-feira, 14 de julho de 2010

Faluja: Anatomia de uma atrocidade

Os jornalistas que se proclamam "de referência" não falam disto

por David Rothscum [*]

Hoje, 6 de julho de 2010, Chris Busby, Malak Hamdan e Entesar Ariabi publicaram seu estudo epidemiológico sobre os problemas de saúde sofridos pelo povo de Faluja. O estudo completo pode ser descarregado aqui , gratuitamente. Vocês podem ainda não ter ouvido falar desses homens, mas estou certo que seus nomes serão citados nos livros de história. A razão para isso é que coletaram evidências cientificas do genocídio que a população de Faluja está sofrendo nas mãos dos imperialistas que invadiram o Iraque. Infelizmente, ainda não despertaram muita atenção pelas suas descobertas, e por isso sinto-me pessoalmente obrigado a ajudar com isso.

Poucos dias atrás, em 2 de julho, aqueles cientistas emitiram um
comunicado de imprensa no Uruknet apresentando algumas das suas descobertas. Foi intitulado "Danos genético e de saúde em Faluja, Iraque, piores do que em Hiroshima". Em abril, anunciaram descobertas preliminares no Global Research , um site com o qual creio que a maioria de vocês está familiarizado. Por favor, entendam que quando alguém descobre horrendas atrocidades, nas quais a mídia principal se recusa a tocar, eles vêem a vocês, o movimento da Verdade, e vocês são responsáveis por divulgar essa informação junto ao público. Antes de 2003, antes da invasão e da guerra do Iraque, da carnificina de Faluja e muitas mais, vocês estavam tentando despertar consciências para a Síndrome da Guerra do Golfo, a epidemia de câncer e defeitos congênitos no sul do Iraque devido ao urânio empobrecido (Depleted Uranium) , e geralmente deparavam-se com o ridiculo e a descrença.

Agora que os horrores sobre os quais vocês avisaram estão sendo lentamente revelados ao mundo, todos vocês têm razões para se orgulhar de seu árduo trabalho. Não apenas os ativistas principais (Leuren Moret, Doug Rokke, e muitos outros) mas todos vocês que contribuíram de sua própria maneira reproduzindo suas histórias em blogues, fóruns, escrevendo a políticos, e tudo o mais que fizeram para alertar sobre esta atrocidade. Se o povo os ouvisse, muito disso poderia ter sido evitado. Acho importante que compreendam que devem sentir orgulho de si mesmos pelo esforço que fizeram, enquanto a maior parte das pessoas em torno de vocês nada fizeram.

Tenho também muito respeito pela equipe de 11 pessoas que foram de casa em casa em Faluja para coletar informações. As pessoas em Faluja desconfiam das autoridades (têm todas as razões para isso), e suspeitaram que era parte de uma operação do serviço secreto. Em um caso foram infelizmente recebidos com violência física. A equipe mesmo assim completou a pesquisa, apesar do risco que enfrentaram tanto da ameaça de violência física quanto naturalmente por simplesmente estar num ambiente insalubre.

Dito isso, passo ao estudo propriamente dito. Por mais chocantes que tenham sido as informações anunciadas à imprensa e as descobertas preliminares, os resultados completos do que eles mostraram no seu estudo é pior. O comunicado à imprensa menciona: "descobriu-se que a mortalidade infantil era de 80 por 1000 nascimentos, que se compara a 19 no Egito, 17 na Jordânia e 9,7 no Kuwait". O que o comunicado de imprensa não mencionou é que este é o período de total de 2006 a 2010. Infelizmente, entre 2006 e 2010 a mortalidade infantil manteve-se a subir (136 no período 2009-2010).

Como o estudo completo menciona, ao olharmos apenas para 2009 e os primeiros dois meses de 2010, descobrimos que a taxa de mortalidade infantil hoje não está no nível de 80 crianças entre mil, que morrem em um ano, mas numa taxa horrorosa de 136 a cada 1000 nascimentos. Quando olhamos a tabela no estudo, descobrimos que em 2008 morreram 6 crianças (de 0 a 1 anos), comparadas a 0 em 2005 e somente 1 em 2004. Em 2009, 10 crianças morreram. Entretanto, nos primeiros dois meses de 2010 que os cientistas estudaram, descobriram que 6 crianças haviam morrido.
Portanto, só nos primeiros dois meses de 2010 morreram tantas crianças quanto em todo o ano de 2008. Se a taxa para 2010 se mantiver (e isso não é garantido, poderia ser mais baixa, mas devido à tendência de elevação é mais provável que aumente ainda mais), em 2010 36 crianças morrerão, em comparação com apenas um em 2004.

Ainda que já devesse saber, esperava que a situação melhorasse em Faluja, ou pelo menos não piorasse, porque não vi muitas notícias recentemente, mas ao invés disso a situação só piora à medida em que falamos. Uma descoberta posterior feita pelos cientistas foi que na categoria de crianças entre 0 e 4 anos há somente 860 meninos para cada 1000 meninas. A proporção normal é de 1050 meninos para cada 1000 meninas. Isto é evidência de mutações genéticas.

A razão para isso é que meninas têm dois cromossomas X, enquanto os meninos têm apenas um. Assim, se um dos cromossomos X de uma menina sofre mutação genética, ela ainda tem outra cópia funcional. Entretanto, se o cromossoma X de um menino sofre mutação genética, ele não tem cópia funcional do mesmo gene, e isso pode causar a morte do menino. Todavia, a taxa de nascimentos distorcida por também ser (parcialmente ) causada por outro efeito que os cientistas não mencionaram em seu estudo: o efeito de paralisação endócrina do urânio.

Aos níveis
baixos dos padrões do EPA (Environmental Protection Agency, Agência de Proteção Ambiental), o urânio é um potente interruptor endócrino . Interruptores endócrinos são agentes químicos que têm efeito hormonal em seres humanos, e o urânio funciona como um estrogênio (hormônio feminino) no corpo humano. Isso faz com que nasça um número menor de bebês do sexo masculino . Assim, a taxa de nascimentos distorcida poderia ser também resultante do efeito hormonal do urânio empobrecido, além de ter sido causada por um aumento das mutações genéticas.

Ainda outro fato descoberto pelos pesquisadores deve ser mencionado. Seu estudo descobriu que houve um declínio abrupto nas taxas de nascimento. Como eles mencionam: "É claro que a população de 0 a 4 anos, nascida no período 2004 a 2008, após a guerra, é significativamente 30% menor que nas populações nas faixas de 5-9, 10-14 e 15-19 anos". Isso é o que eu chamo de despovoamento em ação.

Infelizmente também há uma epidemia de câncer em Faluja. Isso era esperado, mas não recebeu até agora atenção suficiente. Há 4,2 mais vezes casos de câncer do que se esperaria para a região. Para o câncer infantil, há um risco relativo de 12,6 vezes. Câncer cerebral, câncer mamário e linfoma são todos particularmente mais altos do que se esperaria, mas o pior de tudo é a epidemia de leucemia, num risco relativo de 22,2 vezes, e de 38,5 na categoria etária entre 0 e 25 anos. Esses são exatamente os tipos de câncer que esperaríamos como causa de exposição à radiação.
Veteranos expostos ao urânio empobrecido também sofrem de epidemias de leucemia, por exemplo. Crianças são mais sensíveis aos efeitos da radiação devido a suas células estarem em rápida divisão.

Todas as evidências mostram que o desastre é causado pelo urânio empobrecido. Não se pode detê-lo, e ele apenas piora, e continuará a piorar. Estamos agora em 2010, e o combate mais intenso ocorreu em 2004. Em Bassorá, o combate intenso ocorreu em 1991. Em 1998, o aumento nos defeitos congênitos tornou-se seriamente notável, e em 2001, dez anos depois, tinha-se tornado alarmante. Em 2005,
a taxa de câncer estava ainda em elevação em Bassorá . Desta forma há pouca razão para acreditar que a situação melhorará num futuro próximo, infelizmente.

Eu não desejaria isso ao meu pior inimigo. Então certamente não o desejo para o grande povo do Iraque, que conseguiu construir um país do primeiro mundo no deserto, onde pessoas de crenças diferentes se casavam entre si, e muçulmanos e cristãos geriam juntos o governo secular. Mulheres frequentavam as universidades e não precisavam esconder sua beleza. Hoje elas cobrem seus corpos para esconder as feridas do câncer e de defeitos congênitos que ainda serão a praga do Iraque nas próximas décadas. Durante os próximos 50 anos, aqueles que tiverem câncer ainda se perguntarão se o urânio empobrecido teria sido o responsável. Eles sofrem da mesma forma que eu e você se isso nos tivesse acontecido. Portanto, não vejo os sobreviventes deste genocídio nos perdoando tão cedo.

Não acho que perdoaríamos e quereríamos a amizade de povos que mandaram seus soldados invadir nossos países, destruíram nosso DNA com suas armas radioativas, e não mostraram um grama de arrependimento ou culpa. Quando víssemos o que fizeram às nossas crianças, que nasceram deformadas e tiveram câncer, lutaríamos com os invasores até que estivessem todos mortos, ou tivessem todos deixado o nosso país. Não interpretem isso como um chamado à violência, estou apenas afirmando o óbvio: se você fere os filhos de alguém, eles lutarão contra si até a morte, sem um momento sequer de dúvida. Quando você chora os 4.400 veteranos americanos mortos, ou as centenas de outros países, pense nisso. Eles não podem apontar para seus comandantes, eles têm sua própria responsabilidade em não causar dano a outros, e eles falharam em viver de acordo com isso. A qualquer momento, diga a algum militar que você conhece para desertar quando ele tiver oportunidade. Nunca é tarde demais para abandonar o mal.

E esse mal infelizmente está solto por aí. Quando Israel bombardeou Gaza, chamaram a isso "Operação Chumbo Derretido", uma descrição poética do urânio empobrecido (o urânio é geralmente descrito como mais denso que o chumbo, e é supostamente por isso que é usado). Quando os americanos tomaram Faluja, denominaram a sua carnificina de Operação Fúria Fantasma. Eu novamente chamaria isso de descrição poética do que fizeram ao povo de Faluja. Os militares americanos estavam furiosos com a morte de quatro dos seus guerreiros de elite, os contratados da Blackwater cujos corpos foram pendurados numa ponte. Assim, desencadearam sua "fúria fantasma". A radiação invisível que os sentidos humanos não podem detectar, que destrói toda vida em que toca. Se o envenenamento de uma cidade inteira com radiação não é uma forma de "Fúria Fantasma", então eu não sei o que é.

Qualquer possibilidade de reconciliação não é favorecida pela reação que eu vejo das pessoas na Internet a essas histórias. "Uau, tudo isso por terem pendurado os corpos queimados de contratados americanos nas pontes e os terem profanado. Não sinto muito por eles". Foi o que uma pessoa respondeu. Quando foram reveladas as notícias sobre uma epidemia de câncer no sangue na Faixa de Gaza durante a Operação Chumbo Derretido, alguém respondeu com: "Com um pouco de sorte eles param de se reproduzir na faixa". O Dr. Daud Miraki postou algumas imagens de crianças nascidas no Afeganistão e escreveu em um email para Jeff Rense sobre a resposta que conseguiu: "Nos últimos dias, vivi no inferno recebendo emails podres e cheios de ódio de algumas pessoas doentes e estúpidas na América. Elas caçoam das crianças... e amaldiçoam o Islão, a mim e à minha família."

Não sei que tipo de indivíduo doente diria coisas assim. Parecem ser predominantemente aqueles no meio do espectro político, as pessoas que acreditam que os Democratas e Republicanos lhes dão uma escolha, e que acreditam no que vêem na TV.

Comunistas, anarquistas, nacionalistas brancos, nacionalistas negros, islamitas, todos estão chocados com o uso de urânio empobrecido e se opõem a isso. Essas são as pessoas a quem a imprensa chama de extremistas, porque não se enquadram na oposição controlada, e de quem somos ensinados a ter medo. Ao contrário, as pessoas que encontro que ignoram ou, pior ainda, encorajam esse genocídio são aquelas da corrente política majoritária. Se existe alguém que eu tema, são aqueles na corrente política majoritária, composta de pessoas assustadas demais para pensar por si mesmas e que acham que nada lhes acontecerá se aplaudirem os que estão no poder. São tais pessoas que tornam possível este genocídio.

Ver também:
  • Urânio empobrecido: Bombas sujas, mísseis sujos e balas sujas, Leuren Moret
  • Guerra do Iraque: Urânio empobrecido contamina a Europa, Leuren Moret
  • Urânio empobrecido, arma de extermínio da humanidade, Leuren Moret
  • As armas utilizadas e os alvos atingidos pelos bombardeamentos israelenses, Leuren Moret
  • Urânio empobrecido: Um crime de guerra dentro de uma guerra criminosa, William Bowles
  • Afeganistão: O pesadelo nuclear principia, Davey Garland
  • Uma questão de integridade, Doug Rokke, Ph.D.
  • Os bárbaros e os civilizados, Chandra Muzaffar
  • O urânio empobrecido retorna aos EUA, Eli
  • Forças israelenses utilizam armas mortais novas e desconhecidas, Prof. Paola Manduca
  • Gaza, campo de extermínio lento, Thabet El Masri
  • DU, o horror que o imperialismo espalha por todo o planeta, David Randall
  • O urânio e a guerra, John Williams
  • Queixa-crime contra o general Franks, Jan Fermon e Nuri Albala
  • A ciência ao serviço da guerra?, Rui Namorado Rosa
  • "Sangue nas suas mãos", John Pilger

    [*] David.Rothscum@dse.nl

    O original encontra-se em:
    Fallujah: Anatomy Of An Atrocity


    Tradução de RMP.

    Este artigo, traduzido para o português, encontra-se em; Faluja: Anatomia de uma atrocidade