Independências Africanas
Uma Amarga Ironia à Laia de Celebração
Com a arrogância que caracteriza o poder nos países imperialistas e um orçamento de 16,3 milhões de euros, e arvorando-se em tutor de África, Nicholas Sarkozy preparou 250 manifestações culturais e desportivas em França e em África, para comemorar os cinquenta anos de independência das ex-colónias francesas… No entanto, as comemorações mais parecem uma homenagem «ao passado colonial que à independência» dos países africanos. Um grupo de intelectuais africanos respondeu violentamente ao leviano presidente francês e com uma «amarga ironia», como se pode ver neste texto de René Naba.
A França celebra o cinquentenário das independências das suas ex-colónias africanas com a organização de duzentas e cinquenta (250) manifestações culturais e desportivas no seu território e em África. Mas esta profusão de celebrações realiza-se sobre a profunda ironia amarga de umas independências miseráveis.
Um orçamento de 16,3 milhões de euros foi atribuído para festejar um acontecimento que respeita aos seguintes catorze países: Benim, Burkina Faso, Camarões, República Centro Africana, Congo Brazaville, Costa do Marfim, Gabão. Madagáscar, Mali, Mauritânia, Níger, Senegal, Chade e Togo.
Num gesto provavelmente destinado a compensar o tratamento iníquo e injusto reservado aos «esquecidos pela República», a cereja no cimo do bolo será o desfile militar de 14 de Julho em que os exércitos das antigas colónias desfilarão nos Campos Elísios juntamente com o exército francês. Com excepção do exército da Costa do Marfim. A «ex-menina bonita» Francafrique [termo usado pelo neocolonialistas para a África francófona], cujo exército, em 2004, bombardeou uma posição francesa em Bouaké, «prefere celebrar este aniversário sozinha no âmbito da sua política nacional de refundação», explicou Jacques Toubon, ex-ministro da Cultura e da Francofonia e secretário-geral do Cinquentenário das Independências. «É a sua decisão soberana». Decisão soberana que, no entanto, ilustra a erosão da posição francesa no seu antigo domínio [pré carré].
Numa posição que contrasta com as manifestações contra o Irão durante a reeleição do presidente Mohamad Ahmadinejad em Junho de
Para além do desfile militar, a França cumpriu o ritual dos encontros franco-africanos: uma cimeira franco-africana reuniu nos dias 31 de Maio e 1 de Junho em Niza, perto do paraíso fiscal do principado de Mónaco, uma reunião à porta fechada dedicada ao sector privado e à negociação de contratos, onde estiveram presentes 150 empresas africanas e 50 empresas francesas.
Durante a cimeira, realizada em plena tempestade mundial depois do mortífero ataque israelense a uma flotilha humanitária de pacifistas pró palestinos, Nicolas Sarkozi não foi parco em promessas, compromissos, belas frases de adulação dos dirigentes do continente, repetindo que «há que dar um lugar a África» nos fóruns internacionais, nomeadamente no Conselho de Segurança da ONU.
Com a perspectiva no horizonte da dupla presidência do G20 e G8 em finais de 2010, que pretende utilizar para reabilitação da sua imagem política depois da derrubada sofrida pela sua maioria nas eleições regionais de Março de 2010, Sarkozy necessita de África, pois esta representa 25% dos países membros da ONU.
No entanto, um jornal de Burkina Faso, Le Pays, recusou o direito de Sarkozy se arvorar em advogado de África num assunto de tanta importância, e considera que cabe à União Africana levar a cabo a luta por um lugar de África como membro permanente no Conselho de Segurança, porque este continente «tem interesse em encontrar um advogado melhor que Sarkozy, pois enquanto ex-potência colonial, a França não representa um apoio muito credível».
Por outro lado, meia centena de movimentos políticos denunciou a dupla face da política francesa em relação a África: «uma política externa depredadora do ponto de vista económico, destruidora do meio ambiente e contrária aos interesses dos povos africanos e do povo francês, e uma política migratória que aponta os africanos como bodes expiatórios, em vez de os ajudar e regularizar a sua situação».
«A França, numa Europa-fortaleza, denuncia hipocritamente a afluência de refugiados económicos e climáticos criados com a sua contribuição, em vez de actuar sobre as causas que as ajudas ao desenvolvimento, amiúde desviadas dos seus objectivos, nunca poderão combater eficazmente», conclui o comunicado.
Desejada por Sarkozy, «a grande festa africana de 4 de Julho de homenagem aos “tirailleurs”» [africanos integrados no exército francês] corre o risco de homenagear mais o passado colonial que a independência. Há realmente alguma coisa a comemorar ou pelo contrário tudo teria de ser revisto? A pertinente pergunta colocada pelo intelectual camaronês, Achile Mbembé, não parece ter provocado muita reflexão a Paris.
A oferta dos serviços de África ao resto do mundo
Por seu lado, recorrendo à ironia, um grupo de intelectuais africanos elaborou o seguinte curriculum vitaede África á laia de comemoração co cinquentenário da independência da África francófono, que reproduzimos sem qualquer retoque.
Este é o texto integral, um grito de dolorosa realidade:
À Europa, América e Ásia,
Assunto: Pedido de emprego.
Colegas,
Especializada
- URÂNIO PROCEDENTE DO NÍGER.
- CACAU DE PRIMEIRA QUALIDADE PRODUZIDO NA COSTA DO MARFIM.
- PETRÓLEO DO GOLFO DA GUINÉ.
Devo precisar que o serviço pós-venda e a assistência associada aos meus produtos incluem as prestações dos meus filhos. Portanto, estou sempre disposta a fazê-los chegar até vós, por quaisquer que sejam os caminhos e os meios, para que façam trabalhos físicos de qualquer espécie ou natureza.
Assim, a qualidade dos meus homens e mulheres favorecerá a rapidez no serviço e uma facilidade p+ara a transformação dos produtos, qualquer que seja a amplitude da procura.
Assegurando a garantia e a manutenção dos produtos distribuídos, por último, que os nossos contratos, feitos por medida, garantirão sempre a permanência das suas riquezas e temos a certeza que isso será para vós um aval que nos fará merecer a vossa confiança.
Junto o meu curriculum vitae, rico em misérias, onde encontrará uma ampla informação sobre os meus conhecimentos e experiência.
Convencida de que dar uma efectiva contribuição ao seu desenvolvimento, conhecendo a sua astúcia e garantindo-lhes, se necessário, leis favoráveis, recebam, colegas, a expressão da minha devoção e da minha estupidez sem precedentes.
CURRICULUM VITAE ;
NOME: Continente.
APELIDO: Africano.
IDADE: Berço da humanidade.
ESTADO CIVIL: Solteiro, con mais de mil milhões de filhos.
DIRECÇÃO: Sul de Europa, a este da América.
OBJECTIVO: Pôr os meus filhos e os meus recursos à disposição dos demais para contribuir para o desenvolvimento destes últimos.
ESPECIALIDADES: Golpes de Estado, guerras, genocidios.
ESTUDOS E FORMAÇÃO:
• - Estudos superiores na ESOCE (Escola Superior Ocidental de Comércio de Escravos).
• Estudos superiores na AFRICA (Escola Africana de Formação para a Reeleição de Incompetentes, Zaragateiros, Usurpadores e Egoístas).
TÍTULOS:
• MRTS (Medalha de Mérito de «Tirailleur» Senegalês).
• GPRTT (Genocídio mais Rápido de todos os Tempos).
• CPRMPP (Continente mais rico Mas o mais Pobre).
• CPTS (Continente Mais Afectado pela Sida).
• CPDPP (Continente onde os Presidentes duram mais no Poder).
• PMDDP (Primeiro
• CPE (Continente Mais Endividado).
• CN (Continente Negro).
EXPERIÊNCIA:
• Participação nas duas guerras mundiais.
• Golpes de Estado:
• 1952: Egipto, Mohammed Naguib derruba Faruk I.
• 1958: Sudán, Ibrahim Abbud derrubabdalá Khalil.
• 1963: Congo, David Moussaka e Félix Mouzabakani derrubam Fulbert Yulou.
• 1963. Togo, Enmmanuel Bodjollé derruba Sylvanus Olympio.
• 1965: Argélia, Houari Boumediene derrubahmed Ben Bella.
• 1965: Zaire, Mobutu Sesse Seko derruba Joseph Kasa-Vubu.
• 1966: Ghana: Kwame Nkrumah é derrubado por uma junta militar enquantam visitava a China.
• 1966: Burkina Faso, Sangoulé Lamizana derruba Maurice Yaméogo.
• 1966: Burundi, Michel Micombrero derruba Ntare V.
• 1966: República Centro Africana, Jean Bédel Bokassa derruba David Dacko.
• 1966: Nigéria, Johnson Aguiyi-Ironsi derruba Nnamdi Azikiwe.
• 1966: Uganda, Milton Obote derruba Edward Mutesa.
• 1968: Mali, Moussa Traoré derruba Modibo Keita.
• 1969: Libia, Muammar Gadafi derruba Idris I.
• 1969: Sudán, Gaafar Nimeiry derruba Ismail al-Azhari.
• 1971: Uganda, Idi Amin Dada derruba Milton Obote.
• 1973: Ruanda, Juvenal Habyarimana derruba Grégoire Kayibanda.
• 1974 Etiopía, Aman Andom derruba Hailé Sélassié I.
• 1974: Etiopía, Mengistu Haile Mariam derrubaman Andom.
• 1974: Níger, Seyni Kountché derruba Hamani Diori.
• 1975: República Federal Islâmica das Comores, Said Mohamed Jaffar derrubahmed Abdalá.
• 1975: Nigéria, Yakubu Gowon derruba Johnson Aguiyi-Ironsi.
• 1975: Chad, Noel Milarew Odingar derruba François Tombalbaye.
• 1976: Burundi, Jean Baptiste Bagaza derruba Michel Micombero.
• 1976: República Federal Islámica de las Comores, Ali Soilih derruba Said Mohamed Jaffar.
• 1977: Congo, Joachim Yhombi-Opango derruba Marien Ngouabi.
• 1977: Etiópia, Mengistu Haile Mariam derruba Tafari Benti.
• 1978: República Federal Islâmica de las Comores Said Atthoumani derruba Ali Soilih.
• 1978: Mauritania, Mustafá Ould Salek derruba Moktar Ould Daddah.
• 1979: República Centro Africana, David Dacko derruba Bokassa I.
• 1979: Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo derruba Francisco Macías Nguema.
• 1979: Chade, Goukoni Oueddei derruba Félix Malloum.
• 1979: Uganda, Yusufu Lule derruba Idi Amin Dada.
• 1980: Burkina Faso, Saye Zerbo derruba Sangoulé Lamizana.
• 1980: Guiné-Bissau, Joo Bernardo Vieira derruba Luiís de Almeida Cabral.
• 1980: Libéria, Samuel Doe derruba William Richard Tolbert.
• 1981: República Centro Africana, André Kolingba derruba David Dacko.
• 1982: Burkina Faso, Jean Baptiste Ouédraogo derruba Saye Zerbo.
• 1982: Chade, Hissene Habré derruba Goukouni Oueddei.
• 1983: Burkina Faso, Thomas Sankara derruba Jean-Baptiste Ouédraogo.
• 1983: Nigéria, Muhammadu Buhari derruba Shehu Shagari.
• 1984: Guiné, Lansana Conté derruba Louis Lansana Beavogui.
• 1984: Mauritania. Maaouiya Ould Taya derruba Mohamed Khouna Ould Haidalla.
• 1985: Uganda, Basilio Olara Okello derruba Milton Obote.
• 1985: Sudán, Swar al-Dahab derruba Gaafar Nimery.
• 1986: Sudão, Ahmed al-Mirghani derruba Swar al-Dahab.
• 1987: Burkina Faso, Blaise Campaoré derruba Thomas Sankara.
• 1987: Burundi, Pierre Buyoya derruba Jean-Baptiste Bagaza.
• 1987: Tunis, Zine el-Abidine Ben Ali derruba Habib Bourquiba.
• 1989: Sudão, Omar el-Béchir derruba Ahmad al-Mirghani.
• 1990: Libéria, Prince Johnson derruba Samuel Doe.
• 1991: Mali, Amadou Toumani Touré derruba Moussa Traoré.
• 1992: Argélia, o Alto Conselho de Segurirança derruba Chadli Bendjedid.
• 1995: República Federal Islâmica das Comores, Ayouba Combo derruba Said Mohamed Djohar.
• 1996: Burundi, Pierre Buyoya derruba Sylvestre Ntibantunganya.
• 1996. Níger, Ibrahim Baré Mainassara derruba Mahamane Ousmane.
• 1997: Zaire/República Democrática do Congo, Laurent Désiré Kabila derruba Mobutu Sese Seko.
• 1999: União das Comores, Azali Assoumani derruba Tadjidine Ben Said Massounde.
• 1999: Costa do Marfim, Robert Guéi derruba a Henri Konan Bédié.
• 1999: Guiné-Bissau, Ansumane Mané derruba Joao Bernardo Vieira.
• 1999: Níger, Daouda Malam Wanké derruba Ibrahim Baré Mainassara.
• 2003: República Centro Africana, François Bozizé derruba Ange-Félix Patassé.
• 2003: Guiné-Bissau, Verissimo Correia Seabra derruba Kumba Yala.
• 2005: Mauritania, Ely Ould Mohamed Vall derruba Maaouiya Ould Taya.
• 2008: Mauritania, Mohamed Ould Abdel Aziz derruba Sidi Mohamed Ould Cheikh Abdallahi.
• 2008: Guiné, Moussa Dadid Camara usurpa o poder na morte de Lansana Conté.
• 2009: Madagascar, Andry Rajoelina denuncia e derruba com uma rapidez impressionante o régime de Marc Ravalomanana.
• 2010: Níger, Salou Djibo derruba Tandja Mamadou.
OUTROS MÉRITOS:
Analfabetismo, desescolarización, desempleo y pobreza.
PREFERÊNCIAS:
• Distúrbios, ter muitos filhos e fome.
• Amarga celebração de umas independências miseráveis.
* Escritor, jornalista e ex-responsável do mundo árabe muçulmano no serviço diplomático da Agência France-Press.
Este texto foi publicado em: Cinquantenaire de l’indépendance de l’Afrique francophone, amère dérision en guise de célébration
Tradução de José Paulo Gascão do DiarioInfo