Publicado em 14 de julho de 2010 em (3) Monitor da CPMI e criminalização
Por Verena Glass
Para o Blog da Reforma Agrária
O deputado federal Ivan Valente (PSOL) avalia que “a participação das entidades de reforma agrária nas audiências da CPMI foi importante para mostrar o excelente trabalho desempenhado na execução dos convênios firmados com os entes públicos”.
Em resposta às acusações de desvio de recursos públicos de entidades sociais para ocupações de terras, Valente relata que “não vimos qualquer ação administrativa que fuja aos padrões de transparência e legalidade no uso dos recursos públicos”.
O relator Jilmar Tatto (PT) apresentou na quarta-feira o relatório final da CPMI, que será votado nesta quarta-feira. O plano de trabalho da CPMI prevê seu encerramento até dia 17 de julho. Os ruralistas ainda tentam, antes da sessão desta quarta-feira, prorrogar a CPMI, mesmo sem os trâmites comuns do Congresso Nacional.
“Trata-se de uma tentativa de manter no ar a criminalização dos movimentos sociais, particularmente do MST. De manter em permanente suspense essa questão e de buscar não encerrar este capítulo. É mais uma ação desta campanha do agronegócio de criminalizar os movimentos”, afirma Valente.
Abaixo, leia a entrevista do deputado federal Ivan Valente ao Blog da Reforma Agrária.
O relatório final da CPMI apresentado na ultima reunião da comissão considera que as acusações de irregularidades na aplicação de recursos públicos em programas e projetos de reforma agrária são improcedentes. Isso fecha, legalmente, o capítulo das denúncias sobre desvios de verbas em convênios do governo com os movimentos sociais?
Desde a CPMI da Terra em 2005, os ruralistas insistem na tentativa de demonstrar irregularidades em convênios com cooperativas utilizando recursos públicos, visando prejudicar os movimentos sociais pela reforma agrária, impedindo assessoria técnica e prestação de serviços à comunidade. Em nome da exigência de transparência e legalidade que todos nós defendemos, o que se quer é tentar inviabilizar a luta e criminalizar os movimentos sociais. Aqui se trata fundamentalmente de uma luta política. Por isso, o relatório da CPMI encerra um capítulo, mas possivelmente, os que não querem a reforma agrária continuarão com suas pressões políticas.
Como o senhor vê a tentativa dos ruralistas de tentar, de qualquer forma, prorrogar a CPMI até janeiro?
Trata-se de uma tentativa de manter no ar a criminalização dos movimentos sociais, particularmente do MST. De manter em permanente suspense essa questão e de buscar não encerrar este capítulo. É mais uma ação desta campanha do agronegócio de criminalizar os movimentos.
Apesar das evidências de que não houve desvios na aplicação de recursos públicos nos convênios com as organizações sociais, a bancada ruralista prometeu apresentar um relatório paralelo. Do ponto de vista legal, o que poderia sustentar medidas de criminalização dos movimentos, dada a comprovação da inexistência de ilícitos cometidos?
A apresentação de Voto em Separado (Relatório Paralelo) é prevista no Regimento Comum do Congresso Federal e tem justamente o condão de possibilitar que posições divergentes sejam apreciadas por uma Comissão. Em seu relatório, os ruralistas podem, em tese, apresentar dados que não foram considerados pelo relator em seu parecer, chegando a uma conclusão diferente daquela apresentada por ele. Caso o relatório principal seja rejeitado pela comissão, o Voto em Separado é colocado em votação e pode tornar-se o relatório final da Comissão, a exemplo do que ocorreu em 2005 na CPMI da Terra. Para isso, os representantes do agronegócio teriam que ter maioria para vencer o voto do relator. O mais provável é que os ruralistas usem o voto em separado para fazer disputa política no Congresso e, particularmente, na grande mídia que lhe dá cobertura.
O relatório da CPMI considera que a reforma agrária é e continuará necessária para o desenvolvimento rural do país, e recomenda ao executivo e ao legislativo a atualização dos índices de produtividade e a priorização da votação em segundo turno da PEC do Trabalho Escravo. Qual é a força legal destas recomendações? Ou então, por ter sido fruto de uma CPMI, qual a sua força política?
O Brasil é um dos poucos países no mundo que nunca fizeram reforma agrária, mesmo diante da escandalosa concentração de terra e riqueza existente no país. Mais do que isso, é preciso combater a lógica do grande capital no campo, que martela a essencialidade do papel exportador do agronegócio, a partir da grande propriedade, afirmando que não é mais necessária uma reforma no campo brasileiro. Isto precisa ser permanentemente desmistificado, mostrando que é na pequena propriedade e na agricultura familiar onde se gera mais emprego e produz mais alimentos para o nosso povo.
São excelentes as recomendações que pregam a atualização dos índices de produtividade, que o próprio governo assumiu perante os movimentos sociais pela reforma agrária e depois recuou. E, também, a votação imediata da PEC do trabalho escravo (PEC 348), que desapropria propriedades para fins de reforma agrária onde for flagrado trabalho em condições degradantes, análogas ao trabalho escravo. É uma vergonha que essa PEC espere ainda para ser votada em segundo turno na Câmara dos Deputados, por resistência dos ruralistas. Do ponto de vista legal, porém, as recomendações apresentadas no relatório final não têm a eficácia desejada. Elas não têm o caráter de vincular os poderes Executivo e Legislativo à execução das mesmas. Sua força é política e de opinião sobre o Congresso, com o simbolismo de que os poderes se omitem diante de temas da maior relevância, se não levarem adiante as recomendações.
Como você avalia o trabalho das entidades da reforma agrária (Anca, Concrab, Cepatec, Inocar, Itac e Fepafi) que participaram das audiências públicas da CPMI?
Como muito positivo na assistência técnica, formação e viabilização econômica da produção. Também não vimos qualquer ação administrativa que fuja aos padrões de transparência e legalidade no uso dos recursos públicos. A participação das entidades de reforma agrária nas audiências da CPMI foi importante para mostrar o excelente trabalho desempenhado na execução dos convênios firmados com os entes públicos.
Qual a importância desses convênios para a execução de políticas públicas nos assentamentos e nas áreas rurais?
Os convênios analisados no decorrer desta CPMI demonstram a necessidade de investimento em programas sociais que integrem a população assentada. Não se trata apenas de assentar e abrir uma linha de crédito. Mas sim de fornecer capacitação técnica, educacional; de proporcionar acesso à cultura e ao lazer. Enfim, de conferir um caráter mais amplo à execução das políticas públicas de Reforma Agrária, embora estas ainda sejam poucas ante a demanda apresentada no país.
Nas considerações finais do relatório, consta uma recomendação para que o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) organize uma força tarefa para analisar o estoque de mais de 50 mil processos em que as prestações de contas não foram analisadas. Estes processos incluem organizações vinculadas ao setor ruralista, como entidades da CNA?
O relatório do TCU que buscou a recomendação da força tarefa no MPOG para analisar cerca de 50 mil processos não faz referência nem detalha quais foram os processos que não tiveram suas análises realizadas, apresentando tal dado de forma genérica. É bem possível que existam organizações vinculadas ao setor ruralista naquela lista.
No decorrer da CPMI, o senhor e outros parlamentares solicitaram a análise de convênios com entidades dos ruralistas. Por quê? Estas análises foram feitas?
Foram solicitadas à Controladoria Geral da União cópias dos relatórios de auditorias realizadas por aquele órgão junto ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, uma vez que esta entidade recebe recursos públicos de origem parafiscal, sujeito à fiscalização do Poder Público. Da mesma forma, solicitamos o envio à CPMI de cópias dos balanços fiscais dos últimos cinco anos do SENAR nacional, tendo em vista que, em diversos acórdãos (1620/2008; 1239/2005; 2286/2008; 919/2005; 2753/2005) , o TCU constata a íntima relação entre o uso dos recursos do sistema SENAR e os trabalhos administrativos da Confederação Nacional de Agricultura e Federações Estaduais de Agricultura, o que configura irregularidade que merece investigação pela CPMI. Tais análises não foram realizadas pela CPMI, uma vez que os requerimentos que solicitavam tais informações não chegaram a ser apreciados pela Comissão.