terça-feira, 20 de julho de 2010

Tensão sobe um degrau no Paquistão, depois da visita de Hillary:

“Se não mudarem suas políticas, preparem-se para a batalha.”

21/7/2010, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online

Traduzido por Caia Fittipaldi

Syed Saleem Shahzad é editor-chefe da sucursal no Paquistão de Asia Times Online

Recebe e-mails em saleem_shahzad2002@yahoo.com

A descoberta de uma “shaped charge” [aprox. “carga modelada” [1]] – carga explosiva modelada de modo que o material explosivo é dirigido em determinada direção – na cena de recente ataque no Paquistão fez subir as suspeitas de que a al-Qaeda está alterando sua estratégia, de ataques terroristas com alvo definido, para um tipo de guerrilha de nível superior, uma modalidade de guerrilha urbana.

Alto funcionário do serviço paquistanês de contraterrorismo confirmou para esse jornal que foi encontrado fragmento de aparelho de “shaped charge” depois dos ataques conjugados, esse mês, no santuário de um santo sufi em Lahore, na região leste do Paquistão, que deixaram mais de 40 mortos e cerca de 200 feridos.

Essas “cargas modeladas” são usadas tradicionalmente para penetrar veículos blindados, mas os guerrilheiros no Iraque costumavam usá-las com sucesso em suas bombas de fabricação artesanal, que os norte-americanos chamam de IEDs [ing. Improvised Explosive Devices].

“Evidentemente, se trata dos primeiros movimentos de guerrilha urbana no Paquistão, introduzidos aqui exatamente como a al-Qaeda já os introduziu, antes, no Iraque”, disse o mesmo funcionário.

No Iraque, Abu Musab al-Zarqawi, ligado à al-Qaeda, organizou vários ataques a santuários dedicados aos descendentes do Profeta Maomé. Essas ações contribuíram muito para acirrar as guerras sectárias que por pouco não racharam o Iraque ao meio, e que, por outro lado, abriram o espaço pelo qual a al-Qaeda conseguiu entrar no Iraque para operar contra os exércitos de ocupação.

Os serviços de segurança lançaram ofensiva massiva depois dos ataques em Lahore, prendendo centenas de militantes, o que não impediu outros atentados.

Semana passada, houve duas explosões de baixa intensidade em internet-cafés em Lahore, o que obrigou ao fechamento de todos os estabelecimentos desse tipo na cidade. No domingo, um homem-bomba explodiu-se numa mesquita xiita em Sargodha, cidade localizada entre Islamabad e Lahore; o suicida morreu e houve no mínimo 15 pessoas feridas.

O Paquistão tem papel crucial em todo o cenário de guerra no sul da Ásia; em termos resumidos, quanto mais estável o Paquistão, mais o país consegue conter com eficácia os militantes internos, e melhor para os EUA na guerra no Afeganistão.

Não foi coincidência, portanto, que pouco antes da recente visita da secretária de Estado dos EUA ao Paquistão, o recém empossado “n. 3” da al-Qaeda e chefe de operações no Afeganistão, Sheikh Fateh al-Misri, tenha enviado carta ao comandante do exército paquistanês, general Ashfaq Parvez Kiani. A carta dizia, sem meias palavras: “Já conhecem nossa força. Agora, decidam de que lado estão. Se não mudarem sua política [de aliança com os EUA], preparem-se para batalha”.

Fazendo a ação seguir o discurso, os militantes paquistaneses organizaram vários ataques em toda a região tribal, inclusive em Bajaur, Baixo Dir, Swat e Charsadda. Na 2ª-feira à noite, um comboio militar foi emboscado no Waziristão Norte, onde se supunha que houvesse, vigente, um acordo de cessar-fogo. Quatro soldados foram feridos.

Na 3ª-feira, houve um ataque a um centro punjabi em Mardan na província pashtum Khyber (Khyber Pakhtoonkhwa, antes chamada de Província da Fronteira Noroeste). Morreram dois suicidas-bombas e quatro soldados foram feridos.

Houve operações militares bem sucedidas nas áreas tribais em 2008 e 2009, na medida em que conseguiram expulsar os militantes para longe das áreas urbanas; e a manutenção da paz em termos de mais longo prazo foi entregue à polícia e aos governos locais – esses, porém, infiltrados e enfraquecidos pela corrupção.

Engolir o sapo

A maioria das indicações para a polícia no Paquistão são feitas mais por critérios de indicação política do que por méritos. Sabendo disso, as agências norte-americanas e as principais agências de segurança do Paquistão tentaram assegurar que todas as indicações para a região crucial da província Khyber Pakhtoonkhwa fossem feitas por mérito.

Os quadros médios e superiores foram selecionados por currículo, sobretudo por experiência anterior em unidades de contraterrorismo. Os militares norte-americanos e paquistaneses ofereceram recursos financeiros e programas de treinamento para a polícia da província, considerada principal frente de combate aos militantes e a al-Qaeda.

Pelo que já se sabe, contudo, grande parte dos fundos foram desperdiçados pelo próprio comitê local de polícia, principalmente ao comprar munição para os rifles AK-47 pelo dobro do preço de mercado, e na compra de milhares de cartuchos que, de fato, eram gratuitos. O comitê também constatou a compra de equipamentos de detecção de explosivos, coletes à prova de bala e rádios de qualidade inferior (muitos dos equipamentos sem-fio exibiam adesivos da fábrica Motorola, norte-americana, embora fossem fabricados na China).

O assunto está sendo investigado pelo serviço secreto do Paquistão (Inter-Services Intelligence) e por investigadores norte-americanos, porque os EUA são o principal doador de equipamento dessa polícia de fronteira.

Em dezembro de 2008, o Departamento de Defesa dos EUA (DoD) constatou corrupção semelhante no Afeganistão, quando o Comando Central dos EUA impôs procedimentos bem definidos de alto controle sobre todo o armamento. De 2005 a 2008, tos EUA forneceram ao Exército Nacional Afegão o equivalente a $3,7 bilhões em armas e equipamentos. O Departamento de Defesa não tem dúvidas de que muitas dessas armas foram vendidas aos guerrilheiros, depois de oficialmente declaradas perdidas ou destruídas. Essa corrupção de baixo nível foi fator de peso no processo pelo qual os EUA perderam completamente o controle nas províncias do leste do Afeganistão.

O que o Paquistão menos deseja é ver mais armas voando para a mão dos guerrilheiros. E o fato de já ter sido usada uma “shaped charge” também no Paquistão é sinal claro de que se deve esperar ação intensa da al-Qaeda. Daqui em diante, a tensão só aumentará, se o Paquistão insistir em manter-se como aliado dos EUA na Região.

Nota de tradução:

[1] Sobre “shaped charge”, ver na Enciclopaedia Britannica

O artigo original, em inglês, pode ser lido em": Tension ramped up a notch in Pakistan