2/9/2012, “Artscape: Poets of
Protest”, Al-Jazeera - Diretor May Abdalla
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[vídeo documentário legendado em
inglês, muito bonito [1]]
O
afamado, irreverente, controverso “Tio Ahmed”, como o poeta Ahmed Fouad Negm é
chamado no Egito, conheceu a poesia na prisão, nos anos 1950s, e escreve desde
então. Nesse retrato íntimo, raro, vêmo-lo procurando seu lugar nessa revolução
de jovens e à espera de que a inspiração reapareça. (...)
Hoje
com 83 anos, o velho poeta lançou seus versos-adagas contra todos os que
governaram o Egito ao longo desses anos, o que lhe custou um total de 18 anos de
cadeia. Hoje, o poeta, conhecido pela vida livre e pelas respostas rápidas,
assiste aos acontecimentos no abrigo da sala de casa e pisca o olho para mim:
“Quando como, como bem. Quando amo uma mulher, amo bem. Quando escrevo, escrevo
bem”.
Ahmed
Fouad Negm é uma lenda viva no mundo árabe, afamado por dizer o que pensa. 17º
filho de sua mãe, Negm foi criado num orfanato e condenado a três anos de
prisão, ainda adolescente, pela primeira vez, por falsificar documentos. Na
cadeia, começou a escrever versos, na gíria das ruas, misturando piadas que
ouviu no mundo dos pobres e a dura realidade da opressão. Outros prisioneiros
começaram a passar-lhe gravadores, para que gravasse os versos, e até os guardas
ajudavam a contrabandear as gravações para fora da prisão.
Tornou-se
poeta-herói dos trabalhadores, e seus versos foram ganhando tons cada vez mais
políticos. Quando foi condenado, mais tarde, a 11 anos de prisão, por versos nos
quais zombava dos discursos televisionados do presidente Anwar Sadat, sua fama
extravazou para todo o Oriente Médio.
30
anos depois, na Praça Tahrir, os mesmos versos voltaram à vida, dessa vez
cantados contra Hosni Mubarak e o Conselho Superior das Forças Armadas. Nas
noites tensas da Praça Tahrir, cantavam-se os versos de “Os valentes são
valentes”:
Os
valentes são valentes
Os
covardes são covardes
Venha
com os valentes,
juntos,
para a Praça
Encontrei
Negm num escritório minúsculo, nos fundos de uma editora que publica textos
radicais e revolucionários, no centro do Cairo. Uma dúzia de poetas e
escritores, cobrindo três gerações, sentavam-se entre pilhas de livros que iam
do chão ao teto. Apertado numa mesa de computador, a voz rascante de fumante,
Negm estava entre amigos.
Falou-se
de peças de teatro em estilo shakespeareano e de versos em árabe
clássico. E dos novos governantes religiosos do Egito.
“Conheci
muitos Irmãos da Fraternidade Muçulmana na cadeia. Às vezes, me oferecia para
reger as orações. Quando estavam curvados, com a testa no chão, eu saía. E eles
lá ficavam, horas a fio, discutindo se eu podia ou não podia sair: ‘É
permitido?’ ‘É proibido?’ Como é possível que gente assim governe um país rico
como o Egito? Os egípcios mais pobres são gênios de inteligência. Nunca os
subestimem”.
A
maré montante da religião no Egito sempre afetou a reputação de Negm. Seu
declarado gosto pelo haxixe, pelas muitas namoradas e a fala livre, recheada de
palavrões e blasfêmias, já levaram muitos egípcios a rebaixá-lo do trono
prestigiado dos grandes poetas do país.
Sua
filha, Nawara Negm, foi uma das líderes da revolução desde o primeiro dia.
Herdou a língua afiada e a paixão política do pai – cantou o hino “Mataram
Guevara”, composto pelo pai, no casamento da irmã adotiva. No início do ano, foi
atacada por uma gangue que gritava “filha do drogado” e brutalmente espancada.
“A
revolução voltará. Mais forte. Nos ergueremos outra vez. É como jogar xadrez com
um idiota”.
Ninguém
se surpreendeu quando, durante as filmagens desse documentário, Negm recebeu a
notícia de que estava sendo processado por blasfêmia, por ter dito um palavrão
num programa de televisão ao vivo, em que se discutia religião.
Sua
esposa entrou em pânico. Negm apenas assumiu, sem aflição, a velha posição de
combate: “Não tenho medo deles. Querem nos obrigar a não falar. Por que teria
medo deles? Tenho mais tempo de cadeia, que vocês, de vida!”
De
fato, o novo processo pode ter sido o sinal que Negm esperava para ter certeza
de que seu lugar continua assegurado, numa revolução que, no Egito, está sendo
apresentada como “Revolução dos jovens”. “A inspiração voltará. Ela sempre
volta, com o rabo entre as pernas”.
[Esse
episódio de “Artscape: Poets of Protest” está sendo apresentado pela rede
Al-Jazeera, a partir de 31/8, 6ª-feira, no seguinte horário (GMT): 6ª, às
19h30; sábado, 14h30; domingo, 4h30; 2ª, 8h30]
[1]
Em 8’03, lá estão os Anonymous!
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