segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Pepe Escobar: “Irmão Obama, onde estais?”


15/9/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pepe Escobar
O MENA (Middle East/North África [Oriente Médio/Norte da África]) está em chamas. A fúria difusa – embora manifestada por pequena minoria – é visivelmente antiamericana. Os protestos no Cairo já chegaram a Sanaa no Iêmen e até a Bangladesh. O governo do presidente Barack Obama dos EUA está perplexo, sem acreditar no que vê. A vingança virá. O que está, de fato, acontecendo?

Não importa que aquele filme infame, imbecil, anti-islamista e anti-profeta Maomé à moda da Califórnia – de fato, foi financiado/produzido por um cristão egípcio copta e protestantes norte-americanos, não por algum inexistente judeu dono de empresa de construções – tenha sido apenas um pretexto que levou à morte do embaixador dos EUA em Benghazi e a protestos no Cairo e por todos os cantos. Cuidemos aqui de identificar as consequências.

O balé das gangues armadas

O alvo estratégico dos jihadistas-salafistas que mataram o embaixador dos EUA em Benghazi foi torpedear a (já muito abalada) aliança Obama-Fraternidade Muçulmana.

Imaginem se tivesse acontecido na Síria – ou com diplomata que estivesse em visita ao Irã, por exemplo: a vingança à Pentágono já estaria em curso. Nenhum consulado dos EUA foi jamais atacado quando o coronel Muammar Gaddafi governava a Líbia. O ataque aconteceu quando a segurança do consulado estava sob a responsabilidade de um regime “rebelde-da-OTAN”, inteiramente patrocinado por Washington.

A Líbia está transformada num inferno de milícias – de guardas de quarteirão a miniexércitos. Não deporão armas. Recusam-se a deixar-se incorporar nas forças de segurança do governo, porque a lógica das milícias é tribal. Combatem entre eles, milícia contra milícia. Nenhum governo central, numa Trípoli infestada de carros-bomba conseguirá contê-las.

Em outras palavras: a Líbia “libertada” é hoje terra de senhores-da-guerra. O deserto é varrido por tempestades de vendettas e pogroms tribais, tribos contra tribos – e contra cidades inteiras.

Os jihadistas-salafistas – com os quais Washington, Londres e Paris viveram vergonhosamente amancebadas durante a campanha de “bombardeio humanitário” (R2P) – têm base na Cirenaica, leste da Líbia. Alguns vieram do Iraque. Alguns vão e vêm entre a Líbia e a Síria, onde tentam destruir mais uma república árabe secular.

Omar Abdul Rahman
Entre eles está a gangue pesadamente armada que atacou o consulado dos EUA – as autodenominadas “Brigadas Prisioneiro Omar Abdul Rahman” [orig. Imprisoned Omar Abdul Rahman Brigades [1]], aparecidas há apenas quatro meses. Há três meses, centenas de jihadistas-salafistas armados com AK-47 mantêm Benghazi sob sítio, exigindo a implantação da lei da Xaria.

Os (já desintegrados) polícia e exército da Líbia “libertada” absolutamente não têm meios para dominá-los. As tribos locais pouco se preocupam. Jihadistas-salafistas têm atacado mesquitas e cemitérios sufis. O islamismo sufi é infinitamente mais moderado – e intelectualmente sofisticado – se comparado ao wahhabismo medieval.

Os campos de treinamento são próximos de Derna – que tem longa história como berço e fonte de jihadistas de tipo al-Qaeda, ativos sobretudo no Iraque ocupado. Isso não implica que todos os jihadistas-salafistas sejam aliados da al-Qaeda no Maghreb Islâmico [orig. al-Qaeda in the Islamic Maghreb (AQIM)]; é, muito mais, assunto local da Líbia.

Seja como for, nesse momento Derna deve estar sob exame, milímetro a milímetro, no alvo dos drones de Obama. A qualquer instante começarão a chover mísseis Hellfire sobre Derna. Haverá dano colateral. Não se verá uma lágrima derramada.

Embora os jihadistas-salafistas sejam minoria na Líbia, são minoria altamente motivada, treinada e armada. Não desistirão nem se renderão. Reagirão, se o governo Obama partir para ação de dronagem ampla, geral e irrestrita e orgia de Hellfires. Atacarão o frágil governo central em Trípoli. A somalização se aproxima.

Tempos de Hellfire, o fogo do inferno

O Egito é assunto mais difícil, mais cheio de nuanças – porque é modelo para o difícil caso de amor entre Washington e a Fraternidade Muçulmana (FM), com os EUA apostando nos islamistas moderados como substitutos provisórios dos ditadores-amigos, tipo Hosni Mubarak. Fator que complica tudo é que o presidente do Egito Mohammed Mursi está em disputa direta contra os salafistas egípcios – que alcançaram 25% dos votos nas eleições para o Congresso egípcio. Que ninguém conte portanto com a FM empenhada em denunciar “demais” os salafistas – por mais que os salafistas odeiem os Irmãos.

Mohammed Mursi
Não há, de fato, praticamente coisa alguma que o governo Obama possa fazer para pressionar. Até aqui, Mursi jogou com extrema astúcia – jogando uns contra os outros os EUA, a Casa de Saud e o Qatar. Aconteça o que acontecer, a lua-de-mel entre o governo Obama e os Irmãos da FM será curta e logo azedará. O único ator regional que festejará o azedamento será Israel – que, desde o início, detestou a tal lua-de-mel.

O governo Obama foi empurrado para esse beco sem saída, porque – tolamente, é preciso dizer – insistiu em jogar a carta do sectarismo: de um lado, alinhou-se com a Casa de Saud medieval e o Qatar, esperta mini-super-potência e protetora chave da FM; de outro lado, o governo Obama alinhou-se com todos os tipos de jihadismo-salafismo, sobretudo na Síria. Tudo isso pensando sempre em derrotar, custasse o que custasse, o autodenominado “eixo da resistência” – Irã-Síria-Hezbollah. Esse movimento está custando aos EUA repetidas derrotas, em ações de dar-o-troco, por todo o Oriente Médio e Norte da África e em outros pontos.

Assim sendo, o que fará Obama? O cosmicamente medíocre Mitt Romney acusou Obama de fraqueza na luta contra os “têrã-ristas”. Mas Romney é sub-do-sub pigmeu, em matéria de política externa, neoconservador cujo único projeto resume-se a tratar Rússia e China como inimigas e bombardear o Irã. O Partido Republicano simplesmente não tem nem ideia do que se passa no Oriente Médio e Norte da África.

Obama
(disfarçado de povo dos EUA)
Não que Obama tenha muito em que se apoiar. A velha, acolhedora, tranquila ordem dos ditadores-amigos está em colapso, depois das revoluções na Tunísia e no Egito. Washington está sendo chutada para fora do Iraque. Obama não tem como fixar o Egito, nem como aliado nem como ameaça. Restam-lhe os drones, dronar e dronar – qualquer um, qualquer coisa – até a morte. Mandar os Marines para qualquer lugar. Deslocar uns navios de guerra. Mostrar algum músculo militar. E rezar pelo melhor.

Cantar os sucessos de ter “acabado” com a al-Qaeda, ou meter-se em discussões sobre a Primavera Árabe, é o pior que Obama pode fazer. Se, como diz pesquisa de Nate Silver, Obama tem 80% de chances de vencer a reeleição, resta-lhe agora calcular milimetricamente cada passo e cada movimento, para evitar controvérsias graves. Depois de novembro, a conversa será outra. Quem sabe, até, os EUA constroem, afinal, política coerente, consistente, para o Oriente Médio e o Norte da África.



Nota dos tradutores
[1]  As “Brigadas Prisioneiro Omar Abdul Rahman” exigem a libertação do xeique cego Omar Abdul Rahman, que está preso na Carolina do Norte. As Brigadas atacaram os escritórios da Cruz Vermelha em Benghazi em agosto e, dois meses antes, em junho de 2012, detonaram uma bomba do lado de fora do Consulado em Benghazi onde o Embaixador Stevens foi morto dia 11 de setembro (com informações traduzidas de Imprisoned Omar Abdel Rahman Brigades: Benghazi Red Cross and US Consulate Targeted in June – Promises More)

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