31/8/2012, Glenn Greenwald, [The Guardian, UK], rep. em Commondreams
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu
Glenn Greenwald |
Quarta-feira à noite (29/8/2012),
Paul Ryan, candidato do “Velho Grande Partido” Republicano à vice-presidência,
fez discurso carregado da mais pura, da mais fundamental falsidade, em
praticamente todas as frases. Jonathan Cohn, de The New Republic, oferece
lista concisa das mentiras [1].
Refletindo
a inutilidade e o fracasso crônico da CNN, contudo, eis a reação do principal
âncora da rede, Wolf Blitzer, ao final do discurso:
Aí
está ele, o candidato Republicano à vice-presidência e sua linda família. A mãe
do candidato está ali, ao lado. É exatamente o que essa multidão de Republicanos
aqui presente, com certeza os Republicanos de todo o país, esperavam. E que
discurso poderoso! Anotei sete ou oito pontos que os maníacos por dados quererão
discutir. Mas, no que tenha a ver com a campanha de Mitt Romney, Paul Ryan hoje,
fez a sua parte.
A
co-âncora de Blitzer, Erin Burnett – a qual, na noite anterior confessara que
“fiquei com os olhos marejados” ouvindo o discurso de Ann Romney à convenção –
acrescentou mais uma dose de sabedoria jornalística:
Você
tem razão. Você está absolutamente certo. Haverá discussão sobre alguns pontos.
Mas o discurso motivou as pessoas. Aí está um homem que diz ‘eu respeito
profundamente as palavras, cada palavra. Desejo fazer um bom trabalho’. E falou
sobre isso. Preciso, claro, apaixonado.
Como
escreveu Louis Peitzman, de Gawker:
“Discurso
poderoso”, com “só” sete ou oito mentiras? O homem pode considerar-se eleito!
Parecer “preciso, claro, apaixonado” é, mesmo, muito mais importante que dizer a
verdade.
Prova
documentada perfeita do que é o deserto estéril, conhecido como “CNN” e produto
vendido como “O Nome de Mais Credibilidade no Mundo da Notícia”, nada jamais
superará o tuíte, abaixo reproduzido, que Blitzer distribuiu semana
passada:
(Em @CNNSitRoom, 18h, "vamos ao Mar da Galileia em Israel, visitar a praia onde um deputado norte-americano deu um mergulho pelado")
(Em @CNNSitRoom, 18h, "vamos ao Mar da Galileia em Israel, visitar a praia onde um deputado norte-americano deu um mergulho pelado")
Quando, algum dia, algo superará isso? E a chamada para o programa de Blitzer, com a história do Mar da Galileia, anunciava “as histórias e o noticiário político mais importantes do dia”.
Mas
rir da CNN é brincadeira de criança. A questão importante é que a obsessão
doentia da CNN com líderes políticos e “suas lindas famílias” domina o discurso
político em geral, sobretudo quando o país entra em ciclo eleitoral para a
presidência, que se arrasta por 18 meses que parecem intermináveis – equivale a
mais de um terço do mandato do presidente – e sufoca virtualmente todas as
demais questões políticas.
Uma
das razões pelas quais escrevo tão pouco sobre eleições presidenciais é que
acabaram por ser a realização completa da CNN-ização da política nos EUA: um
horrendo, supercondensado reality show que tem menos a ver com a
realidade política do que qualquer conversa de canto de bar ou de canto de
cozinha de casa. Não significa que o resultado das eleições seja irrelevante.
Significa apenas que o processo é sufocantemente imbecilizado, imbecilizante e
falso, e gera o desejo de dar às costas e esperar que termine o mais rapidamente
possível.
Eu
estava viajando mês passado e, sem querer, acabei à frente de uma televisão que
mostrava o presidente Obama falando em Maumee, Ohio , uma das paradas de
sua viagem de ônibus de campanha “Apostando nos EUA”. Vestia camisa listrada de
mangas curtas e falava frente a uma casa embandeirada com uma imensa bandeira
dos EUA, com uma cerca branca. E lia-se “Apostando nos EUA” [orig. Betting on
America] impresso em fundo azul, em fonte vintage
Americana dos anos 1950s.
Lembro
de ter pensado na quantidade descomunal do mais puro cinismo que se requer para
ganhar a vida como consultor-marketeiro de campanha eleitoral nos
EUA.
Não
por acaso, a indústria da publicidade homenageou a campanha de Obama de 2008 com
alguns de seus prêmios mais prestigiados, inclusive o “Marketeiro do Ano” dentre
outras honrarias do planeta publicidade. A marca “Obama” foi construída e
embalada com muita competência.
Por
mais forte e quase irresistível que seja a tentação de ignorar completamente o
espetáculo eleitoral anual, é preciso resistir. Apesar do que tem de raso e de
manipulatório – ou, melhor dizendo, justamente por isso – a campanha eleitoral
acabou tendo repercussões importantes na vida política nos EUA.
O
processo eleitoral é o momento em que os políticos norte-americanos aparecem
para serem venerados e glorificados, considerados sempre os mais triviais
atributos de personalidade que nada têm a ver com o que fazem do poder, mas os
quais, por definição, convencem os eleitores de que eles, porque são eleitores,
são abençoados com o direito de serem governados por seres de tal integridade e
de tantas qualidades tão nobres, e não importa o quanto os tais seres nada
tenham de nobre e a longa experiência de decepções que os eleitores tenham
vivido. (Na 4ª-feira, o presidente Obama, durante participação muito divulgada
na sessão “Pergunte-me o que quiser” em Reddit, ignorou, muito previsivelmente,
a pergunta de Nick Baumann do Blog
Mother Jones sobre ele ter ordenado o assassinato de um adolescente
norte-americano, Abdulrahman Awlaki; preferiu responder perguntas sobre a
receita de cerveja da Casa Branca e seu jogador de basquete preferido).
Processo
eleitoral é onde os partidos políticos consomem centenas de milhões de dólares
para explorar as sempre mesmas qualidades triviais de personalidade e para
demonizar candidatos do outro partido, como se os dois partidos fossem
culturalmente antípodas; tudo, sempre, para manter os próprios eleitores em
estado de medo pânico e, assim, garantir a lealdade do voto.
É
o frenesi supremo, a suprema orgia da indústria da publicidade e propaganda,
devotada a reforçar agressivamente a ideia do excepcionalismo americano; a
crença de que mesmo quando as coisas parecem sombrias, os EUA sempre serão a
terra abençoada por deus, terra da liberdade, da oportunidade e da prosperidade,
e todos os cidadãos norte-americanos devem, portanto, ser muito gratos – em
ordem e totalmente passivos, mas gratos - pelo privilégio de viver em tal país,
não importam as dificuldades da vida, nem o quanto a corrupção seja
generalizada.
É
isso que induz muitos norte-americanos a crer que participam de vibrante debate
político e de efetiva escolha democrática, mesmo quando a maioria das políticas
que se discutem são destrutivas diretamente, da vida do eleitor – a “guerra às
drogas”, a supremacia jamais contestada do aparelho clandestino de segurança, o
estado de vigilância, as vastas desigualdades no sistema judiciário, o
capitalismo predador que rapidamente enriquece a oligarquia que controla o
processo político, mas jamais discutidas, sempre largamente ignoradas no debate
público, porque os dois partidos, nesses assuntos, têm exatamente as mesmas
posições e servem aos mesmos interesses.
(Observem
com que frequência os apoiadores de Obama defendem o líder, de ataques dos
conservadores, argumentando, com orgulho, que as políticas de Obama, de fato,
são exatamente as mesmas que os conservadores pregam: Obama até cortou mais
gastos, que Bush e Reagan! Wall
Street jamais ganhou tanto dinheiro! Obama matou mais que Bush,
em guerras!
Seu plano de saúde foi produzido por um thinktank da
direita! Ninguém se mostrou aliado mais fiel e prestativo de Israel, que Obama!
As sanções mais “incapacitantes”, contra o Irã, são ideia de Obama! Obama
“isolou” o Irã! etc.).
Dado
que todos os candidatos acreditam na litania do “agradar as bases” e das
“políticas populistas”, todos os eleitores podem acreditar que haja diferenças
entre eles. Mas, pela mesma razão, o que dizem em campanha absolutamente nada
tem a ver com o que farão no governo – como escreveu Peter Baker, hoje, no
New York Times, escrevendo sobre as plataformas dos candidatos no campo
da política externa, e subestimando o problema: “o elo que une o que os
candidatos a presidente dizem em campanha e o que fazem depois de eleitos pode
ser muito tênue”.
Há
algumas poucas questões importantes, sobre as quais há agudas diferenças –
questões sociais, direito de ter ou não ter filhos, filosofia da jurisprudência,
alguns poucos programas sociais e políticas de impostos – e são infinitamente
batidas, rebatidas e exploradas para super demarcar algumas diferenças e, mais
importante, para encobrir a triste semelhança de todo o resto.
Ano
eleitoral bem poderia ser significativa oportunidade para verdadeiro debate
político: a única vez, a cada quatro anos, em que a maioria da população, que
vive ou atribulada ou desinteressada demais dá algum sinal de interesse em
prestar atenção e pode(ria) ser mais bem informada. Em vez disso, o processo é
um festival de imbecilidades. E entretenimento, quase sempre macabro. De fato, o
que se vê é que o processo eleitoral já é incansavelmente sem graça. E às vezes
– como nos programas da CNN – é destrutivo e
contraproducente.
Nota dos
tradutores
[1] 29/8/2012, The New Republic, Jonathan Cohn em: “The Most Dishonest Convention Speech ...
Ever?”
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