24/9/2012, Tom Engelhardt, TomDispatch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Tom Engelhardt |
Dado
que ofereço aqui minha versão de material de campanha, trato de livrar-me
rapidamente da conversa fiada.
Ah,
sim. Os mais prestigiados palpiteiros das pesquisas de mercado creem que o
presidente Obama abriu boa margem de vantagem sobre Mitt Romney a partir das
convenções; o Senado tende aos Democratas e só Deus sabe o que acontecerá à
Câmara de Deputados. Parece, mesmo, que os Republicanos apresentaram, como
candidato, o único homem, em todos os EUA , incapaz de
derrotar presidente economicamente ferido e profundamente vulnerável (sem
discutir o plantel de candidatos que o presidente enfrentou antes da indicação
pelo Partido Democrata).
Em
todos os campos que podem controlar, o pessoal de Obama foi mais esperto. Nas
convenções, por exemplo: nas duas, o candidato presidencial foi apresentado por
figura bem conhecida que subiu ao palco e desempenhou. Um era um velho de 82
anos que falou com uma cadeira vazia (e acho, sim, que foi o melhor que os
Republicanos tinham a oferecer, incluída a conversa fiada sobre retirar todos os
nossos soldados do Afeganistão); o outro era, bem... Era Bill Clinton. Não deu
nem para comparar.
Quanto aos debates vindouros, se
você supõe que Romney pode vencer Obama sem sair horrivelmente arranhado, vocês
não conhecem um príncipe nigeriano, meu amigo. Em outras palavras, será a
conversa de sempre, com a gritaria de sempre dos quaquilhões de milhões de
dólares pagos às televisões para difundir os spots de ataques de sempre,
que convertem as telas de televisão dos estados indecisos em enlouquecedor
instrumento de divulgação de mentiras. Mas mesmo lá, alguns rapazes do dinheiro
sujo e dos Super Comitês de Arrecadação podem, é claro, começar a tirar os
dólares aplicados em derrotar Obama, passando a aplicá-los em derrotar candidatos
Democratas ao Senado. É sinal de que os milionários da direita
Republicana temem que a campanha de Romney esteja virando reprise de O Mundo de
McCain e que o candidato não passe de versão corporativa de Bain Capital, do
wind-surf de John Kerry [1]. Romney, afinal, parece incapaz de
abrir a boca sem deixar escapar um zurro; o pessoal da campanha vive em estado
de guerra civil; e candidatos Republicanos já pulam fora do vagão – além de
vários jornais e comentaristas conservadores.
Obama em Campanha |
Hoje,
Obama e seu esperto grupo de campanha já poderiam estar descansando em casa,
depois de terem enquadrado completamente o desafiante Republicano. Só há um
problema: o mundo.
O
mundo está virando lugar muito estranhamente pouco acolhedor e cooperativo, para
presidente cujo único interesse é dormir para sempre sobre os louros de sua
política externa monotemática de matei-Osama.
Governo de
gerentões para enfrentar o tsunami
OK.
Despachemos Mitt para as Ilhas Cayman, enfiemos Paul Ryan numa conta numerada na
Suíça, e concentremo-nos, isso sim, em Obama contra o mundo. Essa é a verdadeira
luta que se travará ao longo dos próximos 43 dias. Talvez seja o maior
espetáculo da Terra: elenco estelar de extremistas islamistas, militantes
talibã, aliados afegãos dedicados a estourar os miolos dos instrutores,
diplomatas norte-americanos expostos a risco de vida, um primeiro-ministro
israelense embarcado no trem da morte, sóbrios banqueiros da Europa Central e
chineses muito incomodados, dentre outras dificuldades.
Nessa
situação potencialmente tumultuosa, o presidente e sua equipe iniciam um
arriscadíssimo número de caminhar no arame sem rede. Trata-se de conjurar todo o
poder e a sabedoria que restem à última superpotência do planeta, para evitar
que grande parte do mundo fuja completamente a qualquer controle, o que seria
grave embaraço e pode até resultar em Mitt Romney ser presenteado com deleitosa
“surpresa de outubro”.
Rumsfeld (E), Bush-Filho(C), Chaney(D) |
Não
esqueçam que, apesar da reputação do presidente como orador visionário, em
termos globais o governo Obama nunca foi mais que administração de gerentões.
Passou a época dos visionários. Visionários foram os bushistas do primeiro mandato –
Bush-filho, Dick Cheney e Donald Rumsfeld, cada um “globalista” à sua moda, e
todos eles e seus associados abençoadamente muito errados em tudo que pensavam
sobre o poder em nosso mundo. (Subavaliaram, até, o poder destrutivo dos
militares norte-americanos, que já destruíram até o próprio poder global que um
dia tiveram.) Consequentemente, moveram o timão da nave do estado diretamente
para área de icebergs gigantes.
Considerem
aquela tripulação de navio fantasma, retrospectivamente, como os três patetas do
delírio geopolítico. A invasão e a ocupação do Iraque, em particular – e a
húbris que acompanhava já a própria ideia de uma “guerra global ao terror” –
foram atos de rematada loucura, que ajudam a explicar por que o governo Bush foi
assunto proibido na recente convenção dos Republicanos (evidentemente também não
falaram sobre “nossos rapazes” no Iraque). No processo, moveram seus canhões
diretamente para o coração gerador de toda a energia do planeta, deixando
ditadores amigos locais sem ar, sem saber se acordariam vivos na manhã seguinte.
Desde 2009, os gerentões do governo Obama só fizeram o que gerentões fazem de
melhor: tentaram organizar a disputa pelas cadeiras de convés do Titanic-EUA.
Pode-se chamar de “gerenciar o legado de Bush”.
Guerra Fria |
O
problema é que em grande parte do mundo, a velha ordem, ligada ao esquema de
coisas da Guerra Fria, afinal começou a mudar. Uma combinação de invasões à Bush
no coração da Eurásia, e o modo como o setor financeiro dos EUA atirou-se ao
planeta como urubus à ultima carniça, com vasto esquema “pirâmide” de
derivativos financeiros, muito ajudou a promover o processo, sobretudo na região
que os neoconservadores gostam de chamar de “o arco de instabilidade” (antes de
eles mesmos terem conseguido fazer estarrecedora demonstração do que é, mesmo,
instabilidade). Em certo sentido, o que eles chamam de “agenda democrática” –
por mais que nada tenha a ver com alguma democracia – desempenhou papel
importante para unir todo o mundo árabe contra os 1% apoiados por Washington.
Nesse sentido, a Primavera Árabe foi levante contra o ben-ali-ismo e o mubarakismo, quer dizer, contra o
sistema norte-americano de implantar ditadores locais superarmados. (O que se vê
na Síria ajuda a lembrar que estamos assistindo à desintegração do cenário que a
Guerra Fria construiu para o Oriente Médio, incluindo a parte soviética e menos
importante).
Amr Moussa |
Em
2004, Amr Moussa, diplomata egípcio, alertou o governo Bush de que invadir o
Iraque seria “abrir as portas do inferno”. Claro: Washington não ouviu. Não era
nem ditador nem general. Era apenas secretário-geral da insignificante Liga
Árabe; que credenciais teria para explicar o mundo a Washington? Como depois se
viu, Moussa acertou em cheio – embora sem saber no que acertara. Infelizmente,
foi preciso esperar que acontecessem dois levantes de minorias, muito caos,
milhões de exilados, uma amarga guerra civil (agora, já outra, na Síria) e
necrotérios cheios até o teto de cadáveres, antes que a Primavera Árabe saísse
às ruas. O movimento chamado “spring” [primavera], que é tempo de renovação,
merece o nome também noutro sentido completamente diferente da palavra: o
movimento é também “spring” [mola] que catapultou para ninguém sabe que direção,
uma região chave do planeta.
Da
Tunísia e Egito ao Bahrain, Arábia Saudita e Síria, vastas multidões tomariam as
ruas, de início, em manifestações pacíficas, para protestar contra a corrupção e
a depredação que os 1% implantaram em seus países com, em muitos casos, o apoio
de potências estrangeiras. Ditadores começaram a cair e, enquanto caíam, começou
a vir abaixo, quebrando nas emendas podres que ainda o mantinham de pé, um vasto
sistema regional complexo, de corrupção e de brutalidade.
Hoje,
para dizê-lo polidamente, aquele sistema está “em transição”. Mas o mais
provável é que já esteja avançado no processo de colapso. O que virá depois,
para substituí-lo, ainda não se sabe e talvez jamais se saiba, antes que
aconteça. Daqui até lá, no vácuo que surgiu, brotaram todos os tipos de emoções
cruas, amarguras, memórias reprimidas, esperança e desespero, boa parte do que
ficou “contido” ao longo de anos, se não de décadas, inclusive extremismos, que
são, sim, extremos, alguns dos quais ódios assassinos ou simplesmente ódios
loucos. Um modo de vida, um sistema, no chamado “Oriente Médio Expandido” foi
visivelmente atropelado, ultrapassado. Todos os dias há surpresas, que vão de
manifestações de selvageria a matanças provocadas por um “trailer” de filme que
ninguém viu ou verá, saído, não se sabe como, do sul da Califórnia.
A
verdade é que – do Irã ao Iraque, ao Afeganistão, ao Paquistão, à Líbia, ao
Iêmen – apesar de quatro anos de gerenciamentos e providência de Obama, apesar
da guerra e apesar da diplomacia, ainda é o legado de Bush que ameaça fazer
explodir pelos ares toda a região. Pode ainda acontecer a qualquer momento dos
próximos 43 dias, até as eleições de 6/11. Essa é a razão pela qual, do Sudão à
Líbia, o governo Obama faz como o menino que tentava conter a explosão da
barragem tapando com um dedo cada orifício que via. No caso de Obama, a barragem
prestes a explodir é o Oriente Médio Expandido. E Obama corre de buraquinho em
buraquinho, e reza para que o tsunami não aconteça antes da eleição.
Um mundo em ponto
de fervura
Oriente Médio Expandido |
A
questão, pois, da temporada política, nada tem a ver com Mitt e é a seguinte: o
Oriente Médio Expandido poderá ser efetivamente gerenciado, o suficiente para
que qualquer coisa potencialmente embaraçosa seja varrida para baixo de algum
tapete e lá permaneça, até o dia 7/11? E, até aqui, só falamos de uma parte do
mundo em ebulição.
As
mesmas perguntas podem-se fazer à política de Israel para o Irã, com o
Primeiro-Ministro Netanyahu sempre em trilha de guerra, literalmente, bem à
vista do governo Obama. “Bibi” tem feito até o impossível para arrancar de Obama
uma luz verde para que Israel ataque as instalações nucleares do Irã ou
ultrapasse linhas vermelhas que levem àqueles ataques. Quem observe de fora,
fica com a impressão de que “Bibi” aparece tantas vezes nas televisões dos EUA,
que é como se o candidato fosse ele. De telefonemas na calada da noite, a
torrentes de mensagens para Telavive, algumas com promessas, outras ameaçadoras,
o governo Obama está consumindo enorme energia para assegurar-se que nenhum
ataque israelense contra o Irã aconteça antes das eleições (e, parece, com
razoável sucesso até agora). Mas ninguém esqueça que, para aplacar a fúria
israelense, os EUA promoveram escalada gigante nas suas forças na região do
Golfo Persa, a tal ponto que qualquer deslize, ali, qualquer acidente, pode
levar à explosão que nem Washington nem Teerã desejam.
No
que tenha a ver com a desintegração das posições norte-americanas no
Afeganistão, depois de 11 anos depois de a vitória ter sido declarada, e o
governo Bush ter decidido ocupar o país, em vez de voltar para casa, as notícias
são péssimas. Toda a missão sobre a qual se apoia a retirada dos soldados
combatentes norte-americanos – treinar os afegãos para que eles mesmos defendam
seu país – já está comprometida, da base ao topo. Não é surpresa, mas agora, dia
sim, dia também, os aliados afegãos de Washington revoltam-se, tomam as armas
que os instrutores norte-americanos lhes deram e, com elas, despacham dessa para
melhor os instrutores.
Talibãs |
Simultaneamente,
o real inimigo, os Talibã, que a “avançada” (surge) deveria ter varrido
para sempre da terra natal deles, ao sul, acabam de lançar a ofensiva mais
devastadora de toda a guerra contra uma base militar, que resultou em prejuízo
de, no mínimo, $200 milhões de dólares para Washington e seus aliados. (É o
primeiro ataque, pelos Talibã, que pode afinal ser comparado aos ataques que os
vietnamitas lançaram contra bases dos EUA, nos anos 1960s). A questão é, mais
uma vez: Washington conseguirá segurar-se no Afeganistão até o dia 7/11, mesmo
que seja obrigada a suspender todas as missões de treinamento e operações
conjuntas, e os soldados sejam mantidos fechados dentro das bases? A grande
vantagem que o governo Obama leva nesse quesito é que o público, nos EUA,
praticamente não dá qualquer atenção à guerra no Afeganistão. Mas, mesmo assim,
a situação em campo é que a missão dos EUA está a um milímetro de implodir (já
se ouvem vozes, algumas inesperadas, a favor de imediata retirada). E ainda nem
se falou de um vizinho do Afeganistão, inquieto e não “contido”, além de
nuclear: o Paquistão.
Não
esqueçamos também que esse sistema regional que foi e continua a ser tão
crescentemente perturbado do qual estamos falando está geograficamente
localizado no coração que fornece energia ao planeta e, caso alguém não tenha
percebido, sim, os preços da gasolina nos postos nos EUA, sim, andam subindo.
Mas os sauditas prometeram jogar mais petróleo no sistema global... solução
providencial para ajudar o governo Obama a segurar os aumentos de gasolina, sim,
até 7/11.
Se
alguém supôs que acabam no Oriente Médio os medos de Obama, de ser colhido por
alguma surpresa antes das eleições de outubro, lembrem que o sistema mundial
está em agitação. Há toda uma tremebunda Eurozona em recessão, todos
os dias a um passo de partir-se em mil pedaços, com consequências inimagináveis
para o sistema financeiro global; e, sim, também a economia chinesa, motor do
planeta na década passada, em recessão (justamente quando também as potentes
economias da Índia e do Brasil lutam contra as dificuldades), e por todo o mundo
brotam sinais de feios levantes nacionalistas. E, OK, não falemos de mudança
climática, do estado do planeta, das secas que assolam os campos plantados nos
EUA e por outras partes do mundo, o que faz subir os preços dos alimentos, em
ritmo que obriga a prever grandes fomes e futuros levantes populares
em grande escala.
Nenhum dos rastilhos acima mencionados pode queimar até a
explosão, nos próximos 43 dias – para grande surpresa do mundo. Com o que
teremos o presidente Obama reposto, lá, na presidência-caldeirão. Ah, e só
estamos listando – como diria o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld – os
sabidos sabidos e os sabidos não-sabidos. Ninguém se atreve sequer a pensar nos
não-sabidos não sabidos.
Obama-Leão |
A
esquerda bate em Obama porque não lutou pelas coisas em que acredita. Nos próximos
43 dias vê-lo-ão lutando como um leão. Obama está pronto a lutar ferozmente pelo
seu emprego, fazendo o diabo para esvaziar qualquer possível embaraço, qualquer
potencial surpresa de outubro – e convocou a força, o dinheiro e o Departamento
de Estado para sua campanha. Quem queira distração leve de corrida de cavalos
para as próximas seis semanas, fique bem longe das pesquisas de Ohio, Colorado e
Virginia; esqueça os “resultados” dos próximos debates e decisões das cortes
sobre novas leis para impedir que eleitores votem. Não haverá melhor show
na cidade que as acrobacias que a turma de Obama fará, trabalhando para manter o
desastre global longe das televisões, até dia 7/11.
Tudo
isso deve servir de lição sobre o quanto uma superpotência em declínio pode (ou
não pode) ainda fazer: ou narra uma fábula de fulgurante gerenciamento do poder
e sorte, ou uma parábola sóbria, na qual a superpotência declinante já pouco
controla, nesse nosso planeta comum de todos nós.
Enquanto
isso, é Obama versus o mundo, e a pergunta é: chegará Obama até o 7 de
novembro e ao segundo mandato? Entenda como “o problema de Obama”.
Mas
há outro problema que perde de longe, desse, em termos de entretenimento, e
preocupa poucos, nesse momento. Entenda como “o nosso problema”. O pessoal de
Obama, compreensivelmente, está focado nas eleições. Dado que têm cabeça de
gerentões, seus pensamentos, de qualquer modo, jamais avançariam até o longo
prazo. Duvido que, até agora, tenham dedicado um segundo de reflexão sobre o que
acontecerá se, como desejam, conseguirem manter tudo sob o tapete, por 44 dias
inteiros. Vivem como se guerra contra o Irã, desastre no Afeganistão, caos no
Oriente Médio, Eurozona em frangalhos, economia chinesa em recessão (num oceano
de provocações em que os provocadores são navios de guerra armados com mísseis
gigantescos), preços do petróleo na estratosfera, preços dos alimentos além da
estratosfera, mudança climática e o resto, não permanecessem aí, também depois
da vitória eleitoral. O nosso problema, pois, é que nenhum desses problemas,
gerenciados ou não agora, e explodam agora ou não, será gerenciável por
Washington, no longo prazo.
Para
o resto de nós, portanto, a pergunta é: mas que diabo virá depois das eleições?
Melhor que cada um comece logo a pensar sobre isso, porque o pessoal de Obama,
por mais que desejem apaixonadamente continuar mandando por mais quatro anos,
não faz a menor ideia!
Nota
dos tradutores
[1]
Referência a um
spot da campanha de Bush (2004), que mostrava Kerry numa prancha de
wind-surf, “movendo-se como sopre o vento”. Assista o spot a seguir:
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